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STF plenário
Plenário do STF nesta terça, durante julgamento sobre descriminalização da maconha| Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

Ao formar maioria, nesta terça-feira (25), a favor da descriminalização da posse de maconha para consumo pessoal, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou lacunas sobre quem, afinal, poderá ser preso e punido penalmente por carregar a droga. A principal definição pendente é sobre a quantidade máxima que diferenciará um usuário, que não será mais fichado como criminoso, do traficante, que continuará sujeito a penas que variam de 5 a 15 anos de reclusão.

A tendência é que fique em 40 gramas, mas isso, por si só, não será suficiente para a distinção. Uma pessoa flagrada pela polícia com menos que isso poderá responder por tráfico se forem identificados instrumentos que indiquem a venda, como balança, cadernos de anotação, celulares com contatos de compra e venda, especialmente nos casos de “delivery”, bem como circunstâncias e locais de apreensão – uma boca de fumo, por exemplo, evidencia o tráfico.

Já uma pessoa com a quantidade além do limite a ser definido poderá se livrar da punição penal como traficante se provar que a maconha era para consumo próprio. “Inverte o ônus da prova”, explicou o ministro Alexandre de Moraes, cujo voto guiou boa parte dos ministros.

Mas ainda não há consenso sobre a quantidade. Cristiano Zanin e Kassio Nunes Marques, que votaram por manter o porte como crime, disseram que fixariam em 25 gramas caso vencidos – mesmo limite de Luís Roberto Barroso, que votou a favor da descriminalização e disse estar disposto a mudar o limite. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber defenderam 60 gramas, mas também sinalizaram que podem baixar para 40g. Já Edson Fachin, Dias Toffoli, Luiz Fux e André Mendonça disseram que a tarefa deveria ficar com Congresso ou Anvisa, órgão do Executivo.

Isso ficará mais claro na sessão desta quarta-feira (26), quando os ministros voltam a se reunir no plenário para discutir o tema e tentar chegar a um acordo, para que o resultado seja então proclamado por Barroso, presidente da Corte. Durante todo o julgamento, ele e outros ministros tentaram convencer que são contra as drogas e não estariam atropelando o Congresso, que decidiu manter a posse para consumo como crime na Lei de Drogas em 2006 e, desde então, recusou propostas para descriminalizar a conduta.

“Não estamos liberando”, disse Barroso. “O tribunal considera que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o tráfico e tratar os dependentes. Estamos apenas tratando da melhor forma de debelar essa epidemia que existe e que as estratégias atuais não estão funcionando, pois o consumo vem crescendo e o tráfico também”, frisou, no final da sessão desta terça.

O discurso ecoa a preocupação com uma proposta de emenda constitucional (PEC), já aprovada no Senado e encampada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que reforça que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade”. Se aprovada na Câmara, em princípio derrubaria a decisão do STF, mas nada impede que partidos favoráveis à descriminalização acionem a Corte, desta vez para derrubar a futura emenda constitucional. Nesse cenário, se o tribunal a anulasse, o confronto entre os Poderes se agravaria. Se o STF recuasse e deixasse valer a futura emenda, seria a admissão de uma derrota humilhante e de fraqueza institucional.

Daí a defesa, por vários ministros, de que o próprio Congresso defina a quantidade, numa tentativa de conciliação. Mas como a propensão atual do Legislativo é confirmar a criminalização, essa hipótese é remota. Por isso, os ministros vão definir o limite da quantidade de drogas para que a decisão não seja inócua.

O argumento central dos ministros favoráveis à descriminalização é o de que a polícia distingue usuários de traficantes de forma arbitrária e discriminatória, em prejuízo de negros e pobres. “Agora, o negro, de 18 a 26 anos, o analfabeto, é condenado [por tráfico] com 20 gramas. O branco com ensino superior, com 57 ‘gramas”, disse Alexandre de Moraes, baseando-se em dados de uma pesquisa em São Paulo. “Os juízes, não tendo havido a definição precisa, passaram a viver cenário de arbítrio. A ausência de lei levou a esse cenário no qual se podia ter a escolha do critério, que foi pela droga e quantidade, segundo preconceitos”, acrescentou Cármen Lúcia.

Quem fiscaliza?

Outra questão ainda não definida é sobre qual autoridade fiscalizará a aplicação das sanções administrativas a serem aplicadas a quem porta maconha para consumo pessoal. A todo momento, os ministros deixaram claro que o ato continua sendo ilícito e sujeitará o infrator a punições de advertência, comparecimento a programa educativo e talvez à prestação de serviços à comunidade.

São consequências já previstas na lei, mas que passariam de punições penais a administrativas. Com a mudança, porém, a rigor, não caberia à polícia e a juízes criminais determinar e monitorar o cumprimento dessas medidas. A dúvida é se isso ficará a cargo de um juiz em âmbito cível, ou caberá a alguma autoridade governamental.

O defensor público de São Paulo Rafael Muneratti, autor da ação em julgamento no STF e que pediu a descriminalização do porte para consumo, cogita a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definir essa competência.

“Há uma sugestão do ministro Toffoli, de que enquanto não haja transição para Justiça administrativa, continuar com a Justiça penal. Mas a ideia é que provavelmente o próprio CNJ determine que os tribunais criem varas especializadas para esse ilícito”, afirmou Muneratti à Gazeta do Povo após a sessão.

Uma objeção, notada pelo ministro Cristiano Zanin, contrário à descriminalização, é que a Lei de Drogas manda aplicar disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

Uma das punições previstas, no entanto, ainda pode cair: a prestação de serviços à comunidade. Por ser de natureza tipicamente penal, por impor uma obrigação física ao infrator, alguns ministros consideram que deve ser eliminada, de modo a sujeitar o usuário apenas à advertência e ao comparecimento a programa educativo.

Para evitar desgastes, os ministros, no entanto, querem mais: forçar o governo a aplicar mais recursos em campanhas antidrogas. Já existe maioria para proibir contingenciamento do Fundo Nacional Antidrogas, gerido pelo Ministério da Justiça, e que acumula R$ 1 bilhão. Não se sabe exatamente quanto deverá ser aplicado na campanha e quanto sobrará para tratamento de dependentes químicos e repressão ao tráfico.

Quanto à fiscalização da posse, dúvidas ainda permanecem. Os ministros insistiram que o consumo em locais públicos continua ilícito. Mas se a polícia flagrar um usuário consumindo na rua, que procedimento deverá adotar? Questões assim podem acabar tendo de ser esclarecidas em recursos, chamados embargos de declaração, que poderão ser apresentados ao STF futuramente, para esclarecer obscuridades, contradições ou omissões.

O mesmo se dá em relação à outra permissão tácita do STF: a possibilidade de usuários plantarem 6 mudas fêmeas da cannabis sativa em casa. Como não será mais crime plantar essa quantidade em casa, não há clareza sobre como será feito esse controle.

Enquanto o STF não esclarece essas lacunas, avança no Congresso uma tentativa de reação. Depois de mais de um mês parada, a PEC das Drogas voltará a tramitar com a criação de uma nova comissão especial. As decisões do Parlamento devem criar novos choques com o Supremo em breve.

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