O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na noite desta quinta-feira (9), para declarar inconstitucional uma lei de Rondônia que proibia a adoção de linguagem neutra nas instituições de ensino e em concursos públicos no estado. Até o momento, seis ministros já votaram para anular a lei em julgamento virtual que se encerra nesta sexta-feira (10).
Com a formação da maioria de votos, o Supremo dá parecer favorável ao pedido feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), que argumentou que a lei estadual trazia o risco de "calar professores".
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7019 teve início em 3 de fevereiro. O relator do caso, ministro Edson Fachin, deu voto favorável à inconstitucionalidade da lei sob a justificativa de que a norma estadual teria violado a competência legislativa da União.
Os ministros que acompanharam Fachin até o momento são Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármem Lúcia, Dias Toffoli e Luis Roberto Barroso.
Entenda
A lei estadual, sancionada em outubro de 2021, garantia aos estudantes de Rondônia, em seu artigo 1°, “o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VolP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP".
O artigo 3° previa a proibição da linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas e privadas e também em concursos públicos.
Entretanto, logo após a sanção, em novembro de 2021 o sindicato de professores acionou o STF contra a lei. A entidade afirmou que a norma trazia "a marca da intolerância, da discriminação, da negação da diversidade, da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Poucos dias depois, em 16 de novembro de 2021, como medida cautelar Fachin suspendeu a lei ao alegar que havia “grandes vícios” na norma. “O risco de sua imediata aplicação, calando professores, professoras, alunos e alunas, é imenso e, como tal, justifica a atuação excepcional deste Tribunal”, declarou o ministro na época.
No entanto, o advogado Aécio Flávio Palmeira Fernandes, especialista em Direito Constitucional, explicou que a decisão do Supremo não discutiu se a linguagem neutra é constitucional ou não, somente declarou que um estado da federação não tem competência legislativa para proibir o seu uso em sala de aula.
“Ao decidir pela inconstitucionalidade, o STF está estendendo a todos os Estados da Federação a proibição de editar normas jurídicas que adentrem ao campo de competência próprio da União Federal, ou seja, que um Estado não pode legislar especificamente sobre matéria de competência da União, pouco importando se o objeto da lei estatal é ou não sobre o uso da linguagem neutra", afirmou. "Não compete ao Estado de Rondônia adentrar na esfera de competência geral da União, editando norma sobre a língua portuguesa que, segundo art. 13 da Constituição, é o idioma oficial de toda nação”, complementou.
O especialista disse que a decisão do Supremo também não traz um posicionamento favorável à adoção da linguagem neutra. Entretanto, reforça ele, ativistas da linguagem neutra poderão tentar usar a decisão na tentativa de argumentar que o Judiciário foi favorável ao uso do dialeto. “A verdade é que os movimentos tergiversarão essa decisão de todo jeito para implementar uma narrativa, de permissão do uso da linguagem neutra pela Justiça, o que não ocorreu”, evidenciou.
“A própria Constituição protege o idioma português como língua oficial do país, de modo que a adoção de qualquer alteração em seu uso ou forma só pode ser procedido por meio de lei específica”, frisou o jurista.
Linguagem neutra vai contra a natureza da cognição linguística, diz especialista
A linguagem neutra, defendida por ativistas LGBT, busca eliminar as diferenças entre os gêneros masculino e feminino das palavras. Entretanto, especialistas em Língua Portuguesa afirmam que a mudança no dialeto é meramente ideológica e não tem fundamento científico.
Recentemente, a professora de língua portuguesa e especialista em psicopedagogia Kátia Simone Benedetti explicou à Gazeta do Povo que essa mudança na língua é uma tentativa que vai contra a natureza da cognição linguística de falantes de um idioma no qual a marcação de gênero é binária. Ou seja, a cognição linguística, formada no processo de aquisição da língua durante a infância, é formada por uma “bagagem inconsciente de conhecimento abstrato” sobre a estrutura do idioma.
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“Esse conhecimento é usado naturalmente e fluentemente pelo cérebro, sem o uso dos sistemas e/ou recursos conscientes de processamento que demandam custos. Esse conhecimento espontâneo e inconsciente não requer custos cognitivos e por isso podemos usar a linguagem com tanta facilidade”, frisou a professora.
Mas o emprego do gênero neutro vai contra essa naturalidade, pois exige que seja necessário alterar a estrutura das frases e usar recursos cognitivos que não são adequados para o processamento espontâneo da linguagem. A docente explicou também que a marcação de gênero não é algo relacionado à sexualidade humana, mas à estrutura do sistema linguístico que se refere ao sistema de concordância entre os termos das frases.
Por outro lado, a professora de português e autora de dois best-sellers sobre a língua, Cíntia Chagas, em entrevista à Gazeta do Povo, evidenciou também que o uso da linguagem neutra é exclusivo, apesar de o objetivo alegado ser a inclusão. “Coloca-se como algo para incluir as pessoas, mas na verdade ela exclui. Exclui os cegos, que fazem leitura por meio de softwares, exclui o surdo, que usa linguagem labial, os disléxicos e as crianças e adolescentes, porque impõe dificuldade de aprendizado”, ressaltou.
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