Em um julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que não há qualquer diferença entre as relações de homossexuais e heterossexuais. Dez dos 11 ministros consideraram que casais gays formam uma família quando existe uma união estável e têm os mesmos direitos e deveres. Em dois dias de julgamento, o tribunal julgou procedente as duas ações propostas pelo governo do Rio de Janeiro e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que pediam a equiparação das uniões homoafetivas à união estável entre heterossexuais. Todos os ministros reconheceram a existência legal da união gay. Sete deles igualaram, sem qualquer tipo de restrição, a validade jurídica de uma união homossexual. Neste sentido votaram o relator, Carlos Ayres Britto, e os colegas Luiz Fux, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de votar por ter atuado na PGR antes de ingressar no STF.
"Por que o homossexual não pode constituir uma família? Por força de duas questões que são abominadas pela Constituição: a intolerância e o preconceito, afirmou Fux. Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, apesar de também reconhecerem a união gay como uma família, fizeram algumas restrições. A decisão reabriu a polêmica sobre o fato de o Judiciário legislar sobre temas que deveriam ser tratados pelo Congresso.
A resolução começa a valer quando for publicada no Diário da Justiça, o que pode levar até dois meses, já que todos os votos dos ministros precisam ser publicados.
Segurança jurídica
Na prática, a sentença do STF dá a pessoas do mesmo sexo segurança jurídica em relação a alguns direitos como pensão, herança, compartilhamento de planos de saúde, entre outros. Antes, para cada direito negado era preciso entrar na Justiça e ficar suscetível à aprovação ou negação do magistrado. Também não era possível fazer um documento em cartório que reconhecesse a união estável afetiva e, se o cartório autorizasse, não havia validade jurídica. Agora este procedimento será possível, mas é diferente do casamento civil, que não foi analisado pela decisão de ontem e depende da criação de uma lei específica.
A deliberação dos ministros unifica a decisão das demais instâncias da Justiça. Antes, um juiz de primeiro grau poderia negar o reconhecimento da união. Agora, o posicionamento do STF não deixa margem para decisões contrárias. Os casos homoafetivos ficavam a cargo das varas cíveis quando o juiz de família não reconhecia a união. Assim, quando o pedido era de pensão alimentícia, por exemplo, acabava automaticamente excluído. A adoção por casais homossexuais também é facilitada, na medida em que eles são reconhecidos como unidade familiar.
Desembargadora aposentada e uma das principais juristas do país sobre direito homoafetivo, Maria Berenice Dias argumenta que a deliberação do STF é uma "resposta à omissão do Legislativo". "A insegurança jurídica acabou. Casais homoafetivos não ficam mais sujeitos a um juiz dizer que a união entre eles não existe", disse.
Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Adriana Hapner, a decisão do STF uniformiza a jurisprudência. Apesar da conquista, ela argumenta que se a iniciativa tivesse partido do Congresso seria mais ampla, porque o Brasil ainda não terá uma legislação sobre o assunto.
Presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira lembra que o reconhecimento do STF legitima o que ocorre na realidade. "É uma vitória de mais de 30 anos dos movimentos sociais." Ele acredita que além das conseqüências jurídicas, a resolução dos magistrados fará com que mais pessoas assumam publicamente a homossexualidade.
Pela ordem de votação, veja a opinião de cada um dos ministros que votaram a favor da união homoafetiva: