Reação
"Não somos uma ameaça", diz casal homossexual
A decisão do STF vai impactar diretamente na realidade de pelo menos 60 mil casais homossexuais no Brasil. Isso significa que famílias de pessoas do mesmo sexo não precisarão mais entrar na Justiça para garantir direitos já acessíveis aos demais. Maurício Ribeiro Muderno, 37 anos, analista de sistemas, e Gianfábio Precoma, psicólogo e professor universitário, 38 anos, vivem juntos há 15 anos. Durante esse período, tiveram de enfrentar obstáculos por não ter a união reconhecida.
No primeiro ano da relação, em 1996, eles decidiram comprar um apartamento, mas não puderam compor renda para o financiamento. Como a família de ambos aceita o relacionamento, o apartamento teve de ser transferido para o nome de uma irmã de Maurício.
A empresa onde o analista de sistemas trabalha aceitou uma declaração de união estável e incluiu Gianfábio como dependente de Maurício no plano de saúde, o que garantiu o tratamento para um tumor cerebral.
Mas, sem o reconhecimento da união homoafetiva pelo STF, esta não era a realidade da maioria dos homossexuais do país, que ficavam privados de 78 direitos civis. "A sociedade precisa entender que nós não somos uma ameaça. Sempre existimos e vamos existir enquanto houver humanidade", diz Muderno.
"Agressão frontal" à família, resume Igreja
O arcebispo de Maringá, dom Anuar Battisti, afirma que a união entre homossexuais aprovada pelo Supremo representa uma "agressão frontal" à família e diz que a Justiça está "institucionalizando a destruição da família". "Não podemos concordar que aí exista uma união matrimonial, porque não existe uma união sacramental entre duas pessoas do mesmo sexo", opina.
Em um julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que não há qualquer diferença entre as relações de homossexuais e heterossexuais. Dez dos 11 ministros consideraram que casais gays formam uma família quando existe uma união estável e têm os mesmos direitos e deveres. Em dois dias de julgamento, o tribunal julgou procedente as duas ações propostas pelo governo do Rio de Janeiro e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que pediam a equiparação das uniões homoafetivas à união estável entre heterossexuais. Todos os ministros reconheceram a existência legal da união gay. Sete deles igualaram, sem qualquer tipo de restrição, a validade jurídica de uma união homossexual. Neste sentido votaram o relator, Carlos Ayres Britto, e os colegas Luiz Fux, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de votar por ter atuado na PGR antes de ingressar no STF.
"Por que o homossexual não pode constituir uma família? Por força de duas questões que são abominadas pela Constituição: a intolerância e o preconceito, afirmou Fux. Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, apesar de também reconhecerem a união gay como uma família, fizeram algumas restrições. A decisão reabriu a polêmica sobre o fato de o Judiciário legislar sobre temas que deveriam ser tratados pelo Congresso.
A resolução começa a valer quando for publicada no Diário da Justiça, o que pode levar até dois meses, já que todos os votos dos ministros precisam ser publicados.
Segurança jurídica
Na prática, a sentença do STF dá a pessoas do mesmo sexo segurança jurídica em relação a alguns direitos como pensão, herança, compartilhamento de planos de saúde, entre outros. Antes, para cada direito negado era preciso entrar na Justiça e ficar suscetível à aprovação ou negação do magistrado. Também não era possível fazer um documento em cartório que reconhecesse a união estável afetiva e, se o cartório autorizasse, não havia validade jurídica. Agora este procedimento será possível, mas é diferente do casamento civil, que não foi analisado pela decisão de ontem e depende da criação de uma lei específica.
A deliberação dos ministros unifica a decisão das demais instâncias da Justiça. Antes, um juiz de primeiro grau poderia negar o reconhecimento da união. Agora, o posicionamento do STF não deixa margem para decisões contrárias. Os casos homoafetivos ficavam a cargo das varas cíveis quando o juiz de família não reconhecia a união. Assim, quando o pedido era de pensão alimentícia, por exemplo, acabava automaticamente excluído. A adoção por casais homossexuais também é facilitada, na medida em que eles são reconhecidos como unidade familiar.
Desembargadora aposentada e uma das principais juristas do país sobre direito homoafetivo, Maria Berenice Dias argumenta que a deliberação do STF é uma "resposta à omissão do Legislativo". "A insegurança jurídica acabou. Casais homoafetivos não ficam mais sujeitos a um juiz dizer que a união entre eles não existe", disse.
Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Adriana Hapner, a decisão do STF uniformiza a jurisprudência. Apesar da conquista, ela argumenta que se a iniciativa tivesse partido do Congresso seria mais ampla, porque o Brasil ainda não terá uma legislação sobre o assunto.
Presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira lembra que o reconhecimento do STF legitima o que ocorre na realidade. "É uma vitória de mais de 30 anos dos movimentos sociais." Ele acredita que além das conseqüências jurídicas, a resolução dos magistrados fará com que mais pessoas assumam publicamente a homossexualidade.
Pela ordem de votação, veja a opinião de cada um dos ministros que votaram a favor da união homoafetiva:
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