Uma questão bastante controversa do Direito Penal será analisada em breve de maneira definitiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a reincidência como agravante da pena. Ou seja, os ministros vão decidir se a pena de um condenado pode ser aumentada pelo fato de ele ter antecedentes criminais, como ocorre hoje. Esse tema será objeto de reflexão no STF porque os ministros da corte reconheceram, no início deste mês, a repercussão geral da matéria em dois recursos extraordinários contra decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Segundo o ministro Cezar Peluso, relator dos dois casos, a corte deve refletir sobre a punição criminal de alguém "pelo fato de já ter sido anteriormente condenado".
O tema é espinhoso, apesar de, aparentemente, soar óbvio que um indivíduo condenado anteriormente, ao sofrer uma nova condenação, tenha sua pena agravada afinal, já teve uma "segunda chance". Mas é aí que reside o problema: não há outra chance. "A passagem do sujeito pelo sistema tem um efeito criminogênico. Ao invés de recuperar, de reabilitar o sujeito, a prisão o faz piorar, torna-o assocializado", diz o advogado Juarez Cirino dos Santos, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A reincidência a que o criminalista paranaense se refere é a reincidência real, aquela em que o indivíduo cumpriu a pena anterior. O Código Penal, contudo, não exige o cumprimento da pena para que se considere o sujeito reincidente. O trânsito em julgado de uma sentença que tenha condenado o indivíduo por um crime anterior basta para que esteja configurada a reincidência, caso ele cometa um novo crime. É a reincidência ficta. "A reincidência ficta é um indiferente penal, não significa nada. O trânsito em julgado de uma condenação anterior indicaria uma presunção de periculosidade, mas esse é um conceito carente de conteúdo científico", afirma Cirino dos Santos.
A questão fica ainda mais difícil porque a reincidência não só funciona como agravante genérica da pena, mas também tem diversos efeitos que complicam a situação do reincidente, como o impedimento à aplicação de pena alternativa e o aumento do prazo para a concessão de livramento condicional.
Dupla punição?
Uma das alegações dos que se insurgem contra a constitucionalidade da reincidência é a de que o instituto feriria um dos princípios norteadores do ordenamento jurídico: o de que ninguém pode ser julgado e punido duas vezes pelo mesmo fato (conhecido no meio jurídico como non bis in idem).
É o que defende Cirino dos Santos, que considera a reincidência inconstitucional. "Ela representa, sim, uma dupla punição. Se o sujeito já cumpriu a pena por um crime anterior, já pagou sua dívida com o Estado", garante o advogado. Ou seja, o fato de um crime pelo qual o indivíduo já foi punido pesar para agravar uma nova pena, configuraria a dupla punição. Cirino dos Santos vai ainda mais longe. Para ele, a reincidência deveria funcionar de maneira inversa, como atenuante, colaborando para a diminuição da nova pena. "Afinal, a função ressocializadora da prisão não foi cumprida. A reincidência é um atestado do fracasso do Estado", completa.
Já o advogado René Ariel Dotti, também professor da UFPR, defende que o instituto é constitucional. "Não há inconstitucionalidade, porque o indivíduo não está sendo julgado duas vezes pelo mesmo crime. Trata-se de um evento do passado que influencia no aumento da pena, da mesma forma que influenciam para a redução da pena os bons antecedentes", explica Dotti.
Assim como Dotti, o Supremo, até agora, vem decidindo que não há violação àquele princípio. O informativo do STF nº 476, de agosto do ano passado, afirma que o instituto da reincidência foi recepcionado pela Constituição. "A majoração da pena resultante da reincidência não configura violação ao princípio do non bis in idem", relata o documento.