O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta quarta-feira (29) que jornais poderão ser responsabilizados por declarações “comprovadamente injuriosas” de entrevistados contra terceiros. Os ministros definiram a tese ao analisar uma ação apresentada pelo ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, morto em 2017, contra o jornal Diário de Pernambuco.
Em 1995, o veículo divulgou uma entrevista com o delegado Wandenkolk Wanderley, também já morto, que acusou Zarattini de participar do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, em Recife, que causou a morte de três pessoas em 1966. A defesa do ex-deputado apontou que a acusação não era verdadeira e pediu uma indenização na Justiça. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou o pedido, mas o jornal apresentou um recurso e o caso passou a tramitar no STF.
O tema tem repercussão geral, com isso, a tese aplicada pela Corte deverá ser apreciada em julgamentos semelhantes nas instâncias inferiores. A análise do caso concreto teve início no plenário virtual, mas foi levado para o plenário presencial, após os ministros divergirem sobre a fixação da tese. O relator do caso, o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, e a também ministra aposentada Rosa Weber se manifestaram contra a condenação do Diário de Pernambuco.
Na sessão desta tarde, os demais ministros decidiram apoiar a tese apresentada por Alexandre de Moraes, que uniu trechos dos votos apresentados pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e por Edson Fachin. A tese vencedora cita que a proteção à liberdade de imprensa “é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização”.
Durante a discussão da tese, a ministra Cármen Lúcia pediu que fosse destacada no texto a proibição da censura prévia contra os veículos de imprensa. Já o ministro Cristiano Zanin solicitou a inclusão da possibilidade de remoção de conteúdos “comprovadamente injuriosos” das plataformas.
Moraes aceitou as propostas e a tese foi definida da seguinte forma: “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.
“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”, concluiu.
Entidades apontam risco de censura por decisão do STF
Entidades que representam a imprensa demonstraram preocupação com o julgamento no Supremo. Para a categoria, “uma decisão do STF que indiscriminadamente responsabilize o jornalismo pelo que dizem seus entrevistados terá consequências enormes em termos de autocensura e para a veiculação de informações que servem ao interesse público”.
“Não se trata de uma preocupação vazia. O assédio judicial, como prática abusiva de usar o Judiciário como forma de intimidar jornalistas e comunicadores, também tem crescido no país. Dados do projeto Ctrl+X, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), registraram, nos últimos dez anos, mais de 6.000 casos em que houve tentativa de cerceamento de um conteúdo jornalístico pela via judicial”, diz um trecho do manifesto chamado de "O risco para a imprensa nas mãos do STF" divulgado nesta terça-feira (28).
"No caso de questionamentos posteriores, a própria Constituição Federal prevê o direito de resposta. Mas isso não pode ser confundido com a permanente ameaça de processos resultantes de um dos formatos e instrumentos mais importantes para o jornalismo: as entrevistas", apontaram as entidades.
"Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, por exemplo, a ter que fazer um controle prévio das respostas de seus entrevistados ou então a deixar de entrevistar, principalmente ao vivo, muitas pessoas, sob risco de terem que enfrentar posteriormente ações judiciais que podem esgotar os recursos do meio de comunicação ou do próprio jornalista processado", ressaltaram.
Assinaram o comunicado a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).
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