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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir, até 7 de agosto, se há omissão do Poder Legislativo em ainda não ter criado uma lei sobre a duração da licença-paternidade para trabalhadores. Se esse for o entendimento da Corte, o Congresso será obrigado a regulamentar a questão em no máximo 18 meses.
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O julgamento começou em 2020, com três votos a favor de provocar o Congresso e um contra. A ação foi levada ao STF há mais de uma década, em 2012, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Sua análise em plenário virtual foi retomada no último dia 30 e tem fim agendado só para agosto porque a Corte está em recesso.
A questão da licença-paternidade está em aberto desde 1988, quando a Constituição afirmou que esse é um direito dos pais, mas não estabeleceu de forma definitiva um tempo para a licença, deixando espaço para a regulamentação.
No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – uma espécie de anexo à Constituição, também elaborado em 1988, destinado a estabelecer regras de transição para a implementação da nova ordem constitucional –, os legisladores estabeleceram que, até que uma lei fosse feita para disciplinar a questão, o prazo da licença-paternidade seria de cinco dias.
Em 2020, o relator do caso era o ex-ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou em 2022. Ele votou para rejeitar o pedido, alegando que o ADCT já regulamentou o tema provisoriamente, e que não há lei dando um prazo ao Legislativo para se manifestar sobre a questão.
Os outros três ministros que votaram – Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Edson Fachin – divergiram do relator, todos eles estabelecendo um prazo de 18 meses para o Congresso se manifestar. Toffoli e Gilmar propuseram que, até lá, a licença de cinco dias continue sendo o padrão.
Fachin propôs que durante o período de lacuna legislativa haja uma equiparação da licença-paternidade com a licença-maternidade – ou seja, os pais passariam imediatamente a ter 120 dias de licença, assim como as mães, até que o Congresso se manifestasse.
O julgamento foi paralisado em 2020 com um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, que, à época, sugeriu que votará a favor de provocar o Congresso.
Como está a discussão no Congresso sobre o tema
Caso o STF obrigue o Legislativo a se posicionar sobre o assunto, a pauta não chegaria totalmente crua ao Congresso. Quem tem avançado a discussão sobre o assunto é a Secretaria da Mulher da Câmara, em um grupo de trabalho coordenado pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
A deputada Amanda Gentil (PP-MA), relatora do grupo de trabalho, afirma que, embora o assunto esteja sendo mais encampado pela bancada feminina, o objetivo é dialogar com todos os interessados – inclusive com o setor produtivo, que pode ser especialmente resistente ao aumento da licença-paternidade.
"Nosso objetivo é escutar toda a sociedade civil, todos os órgãos, para desenvolver da melhor forma possível um relatório para abranger e abraçar todos, até os que possam discordar. A gente quer sentar com todo mundo para fazer um relatório, para chegar a um acordo com todos", diz Amanda.
Para ela, o projeto pode trazer benefícios para as famílias brasileiras, com uma participação mais ativa dos pais no início da vida de seus filhos. "A gente pode impactar positivamente na vida das nossas crianças, que vão ter um melhor desenvolvimento. A gente sabe que o momento inicial da vida faz toda a diferença na relação do pai, da mãe e do filho e até no próprio relacionamento com o cônjuge", afirma a deputada.
Amanda diz que o grupo de trabalho ainda não definiu um prazo ideal para a licença-paternidade ampliada, e que essa discussão precisará ser feita de forma mais ampla com deputados de diversas vertentes. O importante, na visão dela, é "entregar para as nossas crianças o que é de fato de direito delas, que é uma casa em harmonia, uma casa com desenvolvimento da melhor forma possível, com igualdade entre os pais, em que ela não leve marcas psicológicas negativas para o futuro".
Segundo Amanda, é preciso "combater o estereótipo que está enraizado na nossa sociedade de que o cuidado com os filhos é um dever só da mulher". "Essa responsabilidade precisa ser compartilhada entre os genitores. A gente precisa que os dois sejam responsabilizados por isso."
Quanto à possibilidade de prejuízo profissional para os pais, a deputada diz que será necessário discutir medidas para garantir "que o trabalhador usufrua da licença e não seja penalizado". "Alguns homens têm o receio de tirar a licença e, quando voltar, não ter mais o espaço dele na empresa, porque alguém vai ter ocupado o lugar dele", exemplifica.
Outro ponto a ser discutido são estratégias para amenizar as dificuldades que serão enfrentadas, nesse âmbito, por trabalhadores informais e pelos microempreendedores individuais (MEIs). "A gente não pode deixar de pensar em quem trabalha informalmente. Tem que pensar no todo, não adianta pensar só nas empresas grandes", conclui.
Quais efeitos uma licença-paternidade mais ampla poderia trazer
O aumento da licença-paternidade costuma despertar preocupações não só por conta de estereótipos sobre os papéis do pai e da mãe, mas também por potenciais consequências negativas para o setor produtivo.
Há, entre outras questões, a dos custos que isso suporia para as empresas, a da queda na produtividade e, do ponto de vista do profissional homem, a do receio com o desenvolvimento de sua carreira.
Por outro lado, segundo Rodolfo Canônico, diretor-executivo da ONG Family Talks, estudos mostram que há grandes vantagens no aumento da licença-paternidade "para os homens, para as mulheres, para as crianças e para a sociedade".
"Os pais que têm a oportunidade de estar mais dias com os filhos no início de suas vidas tendem a ser pais mais participativos na vida da criança. Há uma série de benefícios que acontecem não só no momento do nascimento da criança, como posteriormente, de maior envolvimento paterno. E isso é muito importante. Hoje a gente tem uma crise de envolvimento paterno na vida das crianças, com muitos pais ausentes. Então, a medida teria efeitos mitigatórios desse problema", afirma.
Segundo Canônico, os estudos sobre o tema têm indicado um impacto positivo da proximidade do pai na primeira infância não só nessa fase da vida, mas ao longo de todo o desenvolvimento da criança. "O maior tempo de existência de licença-paternidade propicia um vínculo entre o pai e a criança mais forte e, a partir desse vínculo fortalecido, uma maior presença paterna no desenvolvimento da criança", explica.
Também há, observa Canônico, benefícios cientificamente comprovados para as mulheres e para o casal: em primeiro lugar, para a mãe que está se recuperando no puerpério; além disso, no fortalecimento do vínculo entre o pai e a mãe. "O fortalecimento desse vínculo ajuda até a prevenir casos de violência doméstica", afirma.
A presença do pai nos primeiros dias, além disso, fortalece o vínculo familiar, o que, segundo Canônico, tende a ser um fator de redução da violência, do uso de drogas e de outras mazelas sociais.
O maior envolvimento paterno, ressalta o especialista, também é um fator de redução das desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho. "O grande fator de desigualdade são as consequências negativas da maternidade para a empregabilidade das mulheres. Quando nós diminuímos essa desigualdade que existe no ambiente doméstico, melhoramos as condições das mulheres", diz.
Sobre a resistência do setor produtivo, o especialista reconhece que "há custos bastante relevantes da ampliação da licença-paternidade", mas defende que, como um bem social, a licença seja ao menos parcialmente paga pelo Estado.
Quanto ao novo prazo da licença, Canônico diz que será necessário chegar a um consenso aceito por todas as partes envolvidas, e que isso está necessariamente vinculado ao debate sobre como será financiada a licença-paternidade. "É preciso pensar se vai ser a mesma estratégia da licença-maternidade, com uma espécie de renúncia fiscal, ou se vai ter algum outro esquema, se vai ser um custeio feito parte pela empresa, parte pelo Estado etc. Considerando a situação fiscal do país, é um grande desafio", comenta.
Outra questão importante é a possibilidade de fraude ou do uso do direito por pais que abandonam os filhos. Para ele, "os pais que abandonam seus filhos deveriam perder, por escolha própria, o direito ao benefício". "Abandonar uma criança é simplesmente uma irresponsabilidade. Existe a discussão sobre como evitar fraudes, que ainda não está fechada, mas uma possibilidade seria que, para o usufruto da licença-paternidade, fosse obrigatória uma anuência da mulher. Essa é uma discussão e já existe essa proposta. Não é que evitaria todas as fraudes, mas poderia ser um mecanismo para reduzi-la", afirma Canônico.