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Ativismo judicial

STF evita opinião pública em julgamento virtual que deve legalizar aborto

STF
Juristas lembram que não cabe ao STF mudar a legislação e que o Congresso não tem sido omisso sobre o aborto. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Com o aparente interesse em “deixar um legado” sobre o tema do aborto durante a atuação como presidente do STF, a ministra Rosa Weber pautou o julgamento da ADPF 442, ação que trata sobre a descriminalização do aborto. A decisão que pode permitir o abortamento de fetos até a 12ª semana de gravidez está prevista para ocorrer em sessão que começa na próxima sexta-feira (22), e se dará em plenário virtual, sem discussão ou transmissão pela TV.

Em julgamentos no plenário virtual, os ministros da Suprema Corte não se reúnem presencialmente, depositando apenas os votos escritos no sistema. A votação na plataforma on-line impossibilita discussões e transmissões pela TV Justiça e tende a minimizar manifestações públicas sobre o tema. Outra questão acerca do formato on-line é que o processo acaba sendo mais rápido.

A resolução 642 de 2019, que dispõe sobre os julgamentos em sessões presenciais e virtuais do STF, aponta que a única forma de levar o caso ao plenário presencial seria por um pedido de destaque, realizado por um ministro da corte ou uma das partes. Os mais prováveis em realizar o feito seriam os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados do ex-presidente Bolsonaro. Nos bastidores, os amici curiae contrários ao aborto, como a CNBB e a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, já estão procurando todos os ministros para uma conversa.

Para Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, o plenário virtual limita a discussão e a explicação dos argumentos de cada lado. “No plenário virtual acaba-se tendo uma cognição da questão toda que, por vezes, fica muito fragmentada. No plenário presencial, a própria maneira de expor e de emitir o voto é muito mais completa”, reforça.

O professor comenta que o pedido de destaque pode ser visto pelos ministros como um veto, já que aumenta o tempo e a necessidade de uma discussão mais detalhada. A solicitação não é vista com muita simpatia pelos colegas, mas também não chega a ser considerada uma ofensa.

O Instituto Brasileiro de Direito e Religião, amicus curiae da ADPF 442, apresentou uma petição para fazer sustentação oral e que a ação seja julgada no ambiente presencial. Em vídeo, Thiago Rafael Vieira, presidente do instituto, falou que “o IBDR não concorda que essa ação seja julgada em ambiente virtual, trata-se de uma das ações mais importantes do século, que tem como objeto uma situação muito complexa que é a vida da mãe e a vida da criança que está no ventre”.

As sessões virtuais realizadas possuem duração de seis dias úteis, mas as de caráter extraordinário podem ter uma duração ainda menor. Primeiro, o relator publica o relatório e o voto e, em seguida, os outros ministros se manifestam com quatro opções de voto. São elas: acompanhar o relator, acompanhar com ressalva de entendimentos, divergir do relator ou acompanhar a divergência.

“Dada a importância dos temas tratados, eu acho que merecia uma maior deferência da parte dos ministros e deveria ser colocado em julgamento presencial”, pondera o professor. O plenário presencial também possibilita presença do público, o que para Chiarottino tem um efeito positivo. “Um dos princípios que foi colocado na Constituição é o da publicidade. Poderiam dizer que o plenário virtual também é público, mas eu diria que é menos público do que o plenário presencial”, compara.

Juristas afirmam que matéria cabe ao Congresso Nacional

Lília Nunes, advogada e mestre em Direitos Humanos, lembra que não cabe ao STF alterar a legislação brasileira em matéria criminal. “A competência legislativa é uma competência privativa do parlamento brasileiro, em especial quando se trata de questões referentes a práticas criminosas. O aborto é considerado crime no Brasil e ele só pode deixar de sê-lo ou só pode vir a ser legalizado se houver uma alteração na legislação”, explica Nunes.

O tema do aborto também não tem sido ignorado pelo Congresso. O projeto de lei 1.335/1991, que propunha a legalização do aborto ao suprimir os artigos do Código Penal que tratam sobre o tema (o mesmo que solicitou o PSOL na petição da ADPF 442), por exemplo, foi arquivado em 2012 por ter sido rejeitado nas comissões que passou. O texto, apresentado pelo ex-deputado federal Eduardo Jorge, na época integrante do PT, teve pareceres pela rejeição aprovados na Comissão de Seguridade Social e Família e na Comissão e Justiça e de Cidadania em 2008.

Lília Nunes comenta a atuação do parlamento sobre o tema: “o Congresso vem atuando constantemente para impedir e frear qualquer de tentativa de legalização do aborto no Brasil”. Para ela, ao longo desses anos não há o que falar sobre omissão do parlamento, que procura rechaçar projetos de lei que tentam descriminalizar o aborto.

O professor Chiarottino também acredita que a matéria cabe ao Congresso Nacional. “Eu diria que é uma matéria que é tipicamente ao Congresso. É possível que até tenha uma movimentação entre os parlamentares, especialmente no Senado, de descontentamento caso haja uma decisão pelo Supremo”, detalha.

Durante um seminário do STF sobre Combate à Desinformação e Defesa da Democracia, o ministro Luiz Fux justificou as últimas decisões do órgão dizendo que a Constituição Federal impediria o Supremo de “dizer não julgo”. Fux citou um dispositivo da Carta Magna que assegura que nenhuma lesão ou ameaça a direito escape da apreciação do Judiciário.

“Eles poderiam receber a ação e julgar dizendo que o STF decide que cabe ao Poder Legislativo decidir sobre aquela questão. Isso é um julgamento”, explica Chiarottino. Ele esclarece que apesar de não ser possível o non liquet, que impossibilita o Judiciário de não apreciar alguma questão, isso não impede um exame que aponte o poder ao qual compete.

Lília Nunes elucida que, ainda que houvesse omissão do parlamento, a ação cabível para provocar o Congresso Nacional a exercer a competência de enfrentar a matéria seria a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. “É por meio dessa ação que o requerente propõe ao STF que, analisando a questão apresentada, possa provocar o Congresso a atuar nas situações que existem omissão ou brechas na legislação”, conclui Nunes.

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