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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu uma série de condições para que a polícia possa fazer operações nas favelas do estado do Rio de Janeiro. No julgamento, iniciado no ano passado e encerrado nesta quinta-feira (3), os ministros acolheram algumas medidas solicitadas pelo PSB e outras entidades de direitos humanos, mas rejeitaram outras.
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A decisão é um desdobramento de uma liminar proferida ainda em 2020 pelo ministro Edson Fachin, segundo a qual as incursões das forças de segurança em comunidades pobres para prender suspeitos só deveriam ocorrer em “situações excepcionais”. Não haviam ficado claras, porém, que circunstâncias permitiriam as operações e que limites elas deveriam observar.
Nesta quinta, os ministros fixaram as regras. Entenda abaixo:
Regras para uso das armas de fogo
Entre as medidas aprovadas, está a determinação para que o governo do Rio de Janeiro elabore, em até 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança. Ele deverá conter “medidas objetivas, cronogramas específicos e a previsão dos recursos necessários para a sua implementação”.
Até que esteja pronto, o estado terá de seguir uma série de princípios internacionais sobre o uso de armas de fogo. Eles orientam o uso da força letal somente quando exauridos todos os demais meios, inclusive os de armas não-letais; a necessidade de “proteger a vida ou prevenir um dano sério”; e a existência de “ameaça concreta e iminente” para a vida de alguém.
Apesar de aprovada, essas medidas foram relativizadas durante os debates no plenário do STF. Fachin propôs inicialmente que elas fossem aplicadas de maneira rígida. Mas após uma divergência aberta por Alexandre de Moraes, que ponderou que caberia somente às polícias definir quando e como as armas de fogo deveriam ser empregadas, dependendo de cada situação concreta, elas acabaram sendo atenuadas.
Ficou estabelecido que “caberá às forças de segurança examinarem diante das situações concretas a proporcionalidade e a excepcionalidade do uso da força, servindo os princípios como guias para o exame das justificativas apresentadas”.
Buscas domiciliares
Em relação às buscas e apreensões que adentrem nas casas dos moradores de favelas, o STF também aprovou uma série de restrições. Essas diligências só poderão ser realizadas durante o dia e deverão ser justificadas e detalhadas num auto circunstanciado, que posteriormente será analisado por um juiz se houver prisões.
Além disso, durante as operações, as polícias não poderão usar imóveis particulares como base operacional, a não ser que sejam previamente requisitados. Essas exigências foram aprovadas por unanimidade.
A maioria dos ministros, no entanto, rejeitou uma proposta defendida por Fachin que proibia que as buscas fossem realizadas apenas com base em denúncias anônimas. Para ele, elas deveriam necessariamente estar acompanhadas de outros elementos que a corroborassem.
Todos os demais disseram que isso poderão não apenas inviabilizar as operações e até deixar pessoas desprotegidas. “Em determinados momentos, é impossível não se beneficiar de tais denúncias”, disse Luís Roberto Barroso. “As denúncias anônimas até protegem aqueles que vivem numa determinada comunidade dominada pelo crime”, acrescentou Ricardo Lewandowski. Fux disse que as denúncias anônimas protegem testemunhas e informantes.
Câmeras, ambulâncias e prioridade para investigar mortes de crianças
Uma das medidas mais debatidas e imposta pela maioria foi a exigência de que todas as viaturas e fardas de policiais que entram nas favelas tenham câmeras de vídeo e rastreadores de GPS, cujas gravações e dados deverão ser depois disponibilizados ao Ministério Público.
Nos últimos dias, o governo do Rio de Janeiro comunicou aos ministros que já estaria implementando essa medida, que passará agora a ser obrigatória. A maioria deles concordou, e divergiram apenas André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Além disso, por unanimidade, os ministros impuseram a disponibilização de ambulâncias em operações policiais em que haja a possibilidade de confrontos armados.
Outra medida consensual foi a “priorização absoluta” nas investigações que resultem na morte de crianças e adolescentes.
Por fim, os ministros também aprovaram a criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã, formado por representantes do Judiciário, pesquisadores, membros das polícias e de entidades da sociedade civil para supervisionar a atuação das forças de segurança fluminenses nas operações.
Abertura dos protocolos das operações foi rejeitada
Além da proibição de operações apenas com base em denúncias anônimas, também foram rejeitadas outras medidas pedidas pelo PSB e defendidas por Fachin. A mais importante delas era a suspensão do sigilo dos protocolos seguidos pelas polícias nessas operações.
Fachin argumentou que os procedimentos dos policiais deveriam se tornar públicos, para que todos conhecessem, por exemplo, quando uma prisão deveria ser feita, por quem e a quem o preso deveria ser entregue, e também como isso seria registrado no sistema de dados.
A maioria, no entanto, rejeitou essa proposta, por entender que ela poderia colocar em risco o sucesso das operações. Parte dos ministros considerou que poderiam ser mantidos em sigilo, por exemplo, somente os protocolos de inteligência. Mesmo assim, essa proposta intermediária também foi rejeitada e todos os protocolos, portanto, permanecerão fechados.
Também foram rejeitadas duas propostas que afetariam o Ministério Público do Rio de Janeiro. Uma delas previa que o Conselho Nacional do Ministério Público fiscalizasse o controle da promotoria fluminense sobre as operações. Outra permitia descolar para o MP Federal as investigações sobre o descumprimento das regras impostas pelo STF para as incursões. A maioria dos ministros considerou que isso feria a autonomia do MP do Rio.