Falas da última quarta-feira (5) do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, revelam uma visão equivocada do ministro sobre o ativismo judicial, de acordo com juristas consultados pela Gazeta do Povo.
O ministro afirmou que "o Supremo tem pouquíssimas decisões ativistas em sentido técnico" e definiu o ativismo desse tipo como "a decisão pela qual um juiz interpreta um princípio vago para reger uma situação que não foi contemplada nem pelo legislador nem pelo constituinte". Esse seria um tipo de medida legítima da Corte, ressaltou Barroso.
De acordo com os juristas, há, de fato, a possibilidade de ativismo nesse sentido, mas o que faz o STF vai muito além dessa previsão.
"O Supremo pode praticar um ativismo em sentido técnico, como qualquer tribunal faz, mas, no Brasil, isso tem sido feito de uma forma exacerbada. Não é em sentido técnico. E um exemplo muito contundente é um inquérito cujos atos têm sido, aqui e ali, ratificados pelo colegiado, com uma série de restrições à liberdade de expressão, e à atuação nas redes e mídias sociais, inclusive", comenta Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito e especialista em Direito Eleitoral, em referência ao inquérito das fake news.
Para exemplificar o que seria um ativismo admissível no sentido técnico, o ministro citou o julgamento das uniões homoafetivas, de 2011. “Não havia lei regendo a matéria; alguns aplicavam sociedade de fato, outros achavam que deviam aplicar união estável, e o Supremo interveio e decidiu que vai reger na união homoafetiva as mesmas regras da união estável. Essa foi uma solução criativa, não havia regra e o Supremo criou. Mas fora isso foram raríssimos os casos [de ativismo judicial]"", disse o ministro.
Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, critica a sugestão de Barroso de que o ativismo no Brasil só tem ocorrido para suprir lacunas legislativas. Na opinião do jurista, o que se tem observado no país vai muito além disso.
"Nós vemos o Supremo determinando prisões de pessoas, definindo o que é liberdade de expressão de uma forma com a qual grande parte das pessoas da área jurídica e de outras áreas não concorda, falando em nomeação de servidores pelo Executivo… O Supremo não tem se limitado a atuar quando não existe norma e o cidadão ficaria descoberto do Direito, como disse o ministro Barroso. O Supremo tem se imiscuído em inúmeras questões, tem aberto processos criminais por atos cometidos fora do âmbito do tribunal, tem determinado prisões, tem redefinido conceitos que são fundamentais no Estado de Direito, como liberdade de expressão, e, mais além do que isso, tem ido até o ponto de definir o que são o gênero e o sexo, como fez o ministro Celso de Mello, naquele famoso julgamento sobre as uniões homoafetivas", diz.
STF tem mesmo "poder político", mas não pode abandonar autocontenção, dizem juristas
Sobre a declaração de Barroso de que o Supremo é um "poder político", e não meramente um departamento técnico, os juristas dizem que, em si mesma, ela não está equivocada – já que, entre outras coisas, a Corte é intérprete da Constituição, que estabelece as normas para o funcionamento político do país. Eles destacam, contudo, que o fato de ser um poder político não deve ser confundido com permissão para a ingerência do Judiciário nos outros poderes da República.
"O Poder Judiciário é, sim, um dos poderes da República e, como tal, um poder político – como o são o Legislativo e o Executivo. Não há problema nenhum nisso. É assim na França, na Itália, nos Estados Unidos, na Alemanha, mas isso não se confunde com uma ação do Poder Judiciário para fora das balizas da Constituição, de ingerência nos outros poderes. São coisas diferentes. Eu concordo quando ele diz que é um poder político, mas é preciso contenção, é preciso deixar o Legislativo e o Executivo com os seus papéis. No ritmo em que nós estamos hoje, quem corre o risco de virar um órgão meramente técnico são o Legislativo e o Executivo", comenta Chiarottino.
Soares da Costa afirma que o STF, na sua história republicana, "sempre teve um papel político na medida de ser o intérprete da Constituição". Com o tempo, especialmente com a deslegitimação dos outros poderes diante de escândalos de corrupção, acabou se tornando foco de atenção e começou a ser provocado por partidos, associações e minorias.
"Isso fez com que o Supremo passasse a ser chamado para tratar todas as questões. E isso passou, na prática, a transformá-lo, muitas vezes, num substituto não eleito do Parlamento. O ministro [Barroso] dá o exemplo da união homoafetiva, do ponto de vista de equiparar à união estável, mas ele se esqueceu de dizer que o Supremo Tribunal Federal criou um tipo penal para transfobia e homofobia por analogia in malam partem [isto é, prejudicial ao réu, algo que não é admitido no Judiciário brasileiro], equiparando-o ao crime de racismo e, por aí, ferindo o princípio da legalidade estrita, dos tipos penais, tomando para si uma competência que é exclusiva do Congresso nacional", critica o jurista.
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