Começa nesta sexta-feira (29) o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de um pedido de habeas corpus protocolado pela defesa do jornalista Allan dos Santos, fundador do Terça Livre.
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O jornalista, investigado no inquérito 4.784, que corre em segredo de justiça, é alvo de pedido de prisão preventiva e de uma série de medidas cautelares que incluem, por exemplo, o bloqueio de todas as suas contas bancárias. Como consequência do bloqueio financeiro, a empresa de comunicação do jornalista precisou ser fechada, o que gerou o desligamento de cerca de 50 funcionários. Em paralelo, o ministro Alexandre de Moraes também determinou a suspensão de contas de Allan dos Santos em todas as redes sociais e, mais recentemente, o bloqueio do site que o jornalista usava para fazer publicações.
O julgamento ocorrerá em plenário virtual, e os ministros terão até 6 de maio para apresentar seus votos.
Inquérito é conduzido por ministros que são, em tese, as vítimas dos supostos crimes
O inquérito em questão, assim como o chamado “inquérito das fake news” (4.781), são investigações sigilosas conduzidas pelo Supremo, que apuram crimes que teriam sido cometidos contra os próprios ministros – o que os coloca, ao mesmo tempo, como vítimas, investigadores e julgadores, comprometendo a isenção das decisões tomadas. Advogados de investigados nesses inquéritos alegam que estão impossibilitados de ter acesso integral aos autos do processo, o que prejudica a defesa e fere a Súmula Vinculante 14, do próprio STF.
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No caso específico de Allan dos Santos, o habeas corpus protocolado em novembro de 2021 - que pedia a suspensão da decisão de Moraes pela prisão preventiva e aplicação de medidas cautelares, o acesso integral aos autos do processo e o trancamento do inquérito 4.784 - foi rejeitado pelo ministro Edson Fachin, relator do processo.
A justificativa apresentada por Fachin foi de que há jurisprudência na Corte no sentido de não admitir questionamentos contra decisões monocráticas de ministros do Supremo. A defesa, então, interpôs um agravo regimental, uma espécie de recurso, pedindo a reconsideração da decisão a fim de que o habeas corpus seja apreciado.
Na decisão de Moraes que determinou a prisão de Allan dos Santos, o ministro cita que o jornalista “integra organização criminosa voltada à prática dos crimes de ameaça, incitação à prática de crimes, calúnia, difamação, injúria e outros, com o objetivo de auferir vantagem econômica oriunda da monetização e de doações e tendo como consequência a desestabilização do Estado Democrático de Direito”.
A investigação, no entanto, se arrasta desde julho de 2021 e até o momento os ministros não apresentaram denúncia contra Santos ou qualquer outro investigado. Situação semelhante ocorre no inquérito 4.781, também sigiloso, que se arrasta há mais de dois anos sem nenhum indiciamento, porém com diversas medidas cautelares questionáveis em andamento contra os investigados.
Dado o peso das atuais penalizações, a defesa de Santos aponta que Alexandre de Moraes está promovendo uma “antecipação de pena”. “Além de prisão decretada, todas as contas bancárias foram bloqueadas e a empresa dele precisou ser fechada. Ele não dispõe de nenhuma renda por causa dessas decisões. Mas tudo isso está ocorrendo dentro da etapa de investigação. Não tem nem condenação para se falar em pena”, afirma Renor Oliver Filho, advogado responsável pela defesa de Allan dos Santos e do Terça Livre.
Sem acesso aos autos, defesa soube de decisões de Moraes pela imprensa
No dia 12 de outubro do ano passado, as contas do Terça Livre em todas as redes sociais foram bloqueadas. A empresa de comunicação foi informada que a medida se deu em cumprimento de ordem judicial em processo sigiloso, sem qualquer outro detalhe. Os advogados do Terça Livre não sabiam do ocorrido porque a decisão não havia sido anexada nos autos do inquérito.
No dia seguinte, um jornal de grande circulação publicou uma matéria citando que a decisão havia partido dos autos do processo e mencionou, inclusive, o período exato em que a determinação havia sido proferida. Dias depois, a defesa ficou sabendo pela imprensa que o bloqueio das redes sociais, assim como as outras medidas, que incluíam a prisão preventiva do jornalista, haviam sido determinadas no início do mês de outubro.
Os advogados alegam que as decisões não foram disponibilizadas à defesa, mas acabaram vazadas à imprensa e publicadas na íntegra em alguns jornais. “Havia um parecer contrário da Procuradoria-Geral da República quanto à prisão preventiva que não foi vazado à imprensa”, ressalta Oliver Filho.
Para o advogado, o pedido de prisão do jornalista e o consequente fechamento do Terça Livre sem que tenha havido condenação ou comprovação do cometimento de qualquer crime viola a liberdade de imprensa. “O decreto de prisão manifestamente ilegal e abusivo tem como consequência a cassação de direitos fundamentais de expressão, opinião e crítica do jornalista, sendo inconcebível que o regime democrático não ofereça mecanismos de proteção contra essas ilegalidades e abusos”.
OAB diz que entrará no caso
Após receber as denúncias sobre a violação das prerrogativas dos advogados, a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) pediu esclarecimentos ao ministro Alexandre de Moraes, que ignorou os pedidos. Diante disso, a seccional pediu o agendamento de uma audiência com o ministro para tratar do caso – Moraes negou a solicitação.
Como consequência, o presidente da comissão da defesa de prerrogativas da OAB-SP, Luiz Fernando Pacheco, acionou a entidade nacional pedindo que entrasse no caso. No último dia 19, o presidente da Comissão Nacional de Defesa das OAB, Ricardo Ferreira Breier, informou à seccional paulista que prestaria o apoio necessário para solucionar o que o presidente da comissão paulista definiu como “grave problema”. Até o momento, no entanto, não houve nenhuma ação concreta por parte da OAB Nacional.
Sanções do STF a Allan dos Santos e ao Terça Livre
O Terça Livre e seu fundador acumulam uma série de sanções sofridas desde o ano passado:
- No dia 22 de abril, Alexandre de Moraes determinou à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que retirasse do ar o site www.allandossantos.com, que pertence ao jornalista Allan dos Santos. Apesar da ordem expedida, o site ainda se encontra disponível.
- Em fevereiro, Santos teve três contas bloqueadas pelo aplicativo de mensagens Telegram. A empresa resolveu acatar o pedido do ministro Alexandre de Moraes, que chegou a suspender temporariamente o serviço de mensagens porque empresa não tinha bloqueado as contas do jornalista.
- Em outubro de 2021, além de ter decretado a prisão preventiva do jornalista, Moraes bloqueou todas as contas bancárias atreladas ao nome de Santos. O bloqueio financeiro deixou “cerca de 50 colaboradores do Terça Livre TV sem salário”, de acordo com o próprio site, que acabou encerrando suas atividades por causa da sanção. Como o jornalista mora nos Estados Unidos, o ministro também acionou o Ministério da Justiça para que iniciasse um processo de extradição.
- Na mesma decisão, de outubro de 2021, Moraes determinou que Twitter e Instagram removessem as contas mantidas por Allan dos Santos nas plataformas.
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