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Liberdade de expressão

STF decide extinguir ações de juízes contra jornalistas da Gazeta do Povo

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O julgamento da ação de juízes contra jornalistas da Gazeta do Povo terminou com o placar de 9 votos a 2. (Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu extinguir mais de 40 ações idênticas ajuizadas por juízes contra jornalistas da Gazeta do Povo, em 2016. O julgamento terminou na sexta-feira (29), em plenário virtual, por 9 votos a 2.

Em 2016, após a publicação de reportagens sobre remunerações acima do teto constitucional recebidas por magistrados, promotores e procuradores do Paraná, o jornal e os profissionais responsáveis pelas matérias foram alvos das demandas em juizados de 19 municípios espalhados pelo Estado.

A pulverização dos processos a diferentes municípios do Paraná foi vista por entidades que representam a imprensa como uma forma de dificultar o trabalho de suas defesas, de tornar o processo mais oneroso e de intimidar o veículo de comunicação e os jornalistas, o que fere a liberdade de imprensa. O jornal, então, apresentou uma reclamação ao STF para pedir a extinção das ações.

Em seu voto, a relatora do caso, ministra Rosa Weber, recordou decisões em que o Supremo ressaltou que restrições à liberdade de imprensa não são compatíveis com direitos garantidos pela Constituição Federal, principalmente o de informação, previsto no artigo 220.

“No Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão tornou-se a regra e sua restrição é admitida somente em situações excepcionais e nos termos da lei”, escreveu. Segundo a ministra, “o núcleo essencial e irredutível do direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento compreende não apenas os direitos de informar e de ser informado, mas também os direitos de ter, de emitir opiniões e de fazer críticas.” Para ela, a redução da atividade jornalística à mera divulgação de informações equivaleria a reduzir o seu papel social.

Sobre a reportagem da Gazeta do Povo, a ministra lembrou que o STF já decidiu, em repercussão geral, “que a divulgação nominal e detalhada de salários recebidos por servidores não viola a intimidade ou a vida privada, uma vez que os dados são de interesse público”.

A ministra refutou ainda a tese dos juízes ao pedirem indenização moral. Para os magistrados, ainda que restasse comprovada a veracidade da notícia, o conteúdo ultrapassava o dever de informar e narrar fatos, por conter opinião e ser acompanhado de uma charge. Rosa Weber afirmou que, além de inconstitucional, esse raciocínio ofendia decisões consolidadas pelo STF.

Rosa Weber considerou ainda importante ressaltar a gravidade do fato de várias ações terem sido impetradas em diferentes locais no Paraná contra os jornalistas. Para ela, houve "exercício disfuncional – e ilegítimo – do direito de ação" pela Justiça, "com o propósito intimidatório da imprensa". "O abuso do direito de ação com a finalidade de se obter vantagem colateral – ‘chilling effect’ – dos órgãos de imprensa não pode ser chancelado pelo Judiciário", afirmou a ministra.

A ação orquestrada também foi condenada pela ministra Cármen Lúcia, por ser intimidatória e tentar afastar do debate público “potencial descumprimento do teto remuneratório dos servidores públicos”. Ela reforçou ainda que nenhuma autoridade ou agente público está a salvo de receber críticas, muitas das quais pelo atuar da imprensa.

“A atuação da imprensa livre, independente e forte é essencial à democracia. Sem liberdade de imprensa e garantia de ótimas condições de desempenho de suas atividades o profissional da imprensa não pode desempenhar suas funções e trabalhar pela democracia do País. O mais é mal-estar de quem tem algo impermeável ao olhar legítimo do cidadão”, escreveu. 

Ao divergir de Rosa Weber, Alexandre de Moraes não analisou o objeto da questão, mas apenas seu aspecto processual. Para ele, a reclamação não deveria ser julgada procedente por ter sido ajuizada antes das decisões nas instâncias inferiores. Seu entendimento foi acompanhado por Nunes Marques.

Para Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais, o resultado é importante para evitar novas ameaças a jornalistas e veículos de comunicação. “O resultado não é apenas uma grande vitória da liberdade de imprensa neste caso que envolveu a Gazeta do Povo. É um sinal forte de que o STF não está mais disposto a aceitar o uso abusivo do próprio Judiciário nas chamadas litigâncias predatórias como forma de intimidar jornalistas e veículos de comunicação”, afirmou.


Em conjunto com a Reclamação Constitucional 23.899, levada ao STF pela própria Gazeta do Povo, o STF iniciou a análise de outras duas ações abordando a mesma questão: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7055, proposta pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e a ADI 6792, ajuizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, pediu vista (mais tempo para análise) das duas ações em 22 de setembro, e tem prazo de 90 dias para devolução.

Na ADI 7055, a Abraji sustenta que a pulverização de ações contra jornalistas caracteriza assédio judicial e pede ao STF para estabelecer que o foro competente nos casos que lidam com a liberdade de imprensa é o domicílio do réu. Outro pedido é que processos conexos nesses casos sejam processados e julgados em conjunto.

Na ADI 6792, a ABI afirma que decisões judiciais no país estão provocando um "efeito silenciador da crítica pública", ameaçando a subsistência de profissionais de comunicação. A entidade pede que o STF coíba o emprego abusivo de ações de reparação de danos na Justiça contra a imprensa.

Na mesma ação, a ABI cita exemplos recentes de assédio judicial, como o da jornalista Elvira Lobato, processada por mais de cem pessoas em diversas cidades do país; do escritor João Paulo Cuenca, que foi alvo de mais de 150 processos ao mesmo tempo; do economista Ricardo Sennes, que teve mais de 90 processos movidos contra ele por pessoas que se sentiram ofendidas com um comentário seu; e o próprio caso da Gazeta do Povo, que, nas palavras da ABI, "sofreu assédio judicial por parte de diversos funcionários públicos, que não se conformaram com uma reportagem em que suas remunerações foram divulgadas".

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