O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar, na sessão de 2 de dezembro, um pedido de esclarecimentos feito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) do julgamento já terminado da ação que restringiu o uso de helicópteros em ações policiais no Rio de Janeiro, proibiu a entrada de agentes públicos nas favelas durante a pandemia e incluiu uma série de exigências às corporações.
Em embargos de declaração, o PSB quer a confirmação de que a decisão do STF inclui medidas criticadas por policiais que atuam nas favelas do Rio de Janeiro: a suspensão do sigilo de todos os protocolos de atuação policial no Rio de Janeiro, que o Ministério Público tenha prioridade nas investigações com mortes de adolescentes e que o estado do Rio de Janeiro elabore um plano de redução de letalidade provocada por policiais em 90 dias.
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Até o momento, apenas o relator, ministro Edson Fachin, apresentou o seu entendimento sobre os embargos de declaração protocolados pelo PSB. O ministro não só acatou as reivindicações do PSB, como a quebra de sigilo de operações policiais, mas foi além, voltando a incluir temas que já tinham sido indeferidos no julgamento da ação. Fachin listou a exigência de “investigação imparcial” do Ministério Público (MP) para a execução de ações policiais de risco e outras determinações em seu voto sobre o pedido do PSB, tais como:
- criação de um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã, formado por representantes do STF, “pesquisadores e pesquisadoras”, representantes das polícias e de entidades da sociedade civil, a serem “designados pelo Presidente do STF”, após aprovação de seus integrantes pelo Plenário da Corte;
- reconhecimento, “nos termos dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei”, que só se justifica o uso da força letal por agentes de Estado em casos extremos “quando, (i) exauridos todos os demais meios, inclusive os de armas não-letais, ele for (ii) necessário para proteger a vida ou prevenir um dano sério, (iii) decorrente de uma ameaça concreta e iminente”. “Em qualquer hipótese, colocar em risco ou mesmo atingir a vida de alguém somente será admissível se, após minudente investigação imparcial, feita pelo Ministério Público, concluir-se ter sido a ação necessária para proteger exclusivamente a vida – e nenhum outro bem – de uma ameaça iminente e concreta”;
- reconhecimento da obrigatoriedade de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados;
- deferir o pedido anterior do PSB, feito na abertura da ação já julgada, para determinar que o Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos.
O julgamento dos embargos começou em maio de 2021, mas acabou interrompido após pedido de vista de Alexandre de Moraes. O ministro devolveu o processo apenas em outubro, e só então os embargos de declaração da ação (ADPF 635) pôde ser encaminhada para ser pautada novamente no plenário do STF.
Decisão temerária
Segundo um estudo do Grupo de Estudos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), em 2020 foi registrado um decréscimo de 34% de mortes durante operações policiais, na comparação com 2019. Para os pesquisadores, a ação da retirada da polícia das favelas foi positiva só com o foco na redução da mortalidade.
Mas essa diminuição da ação policial e as restrições impostas aos policiais pela decisão do STF não seriam uma pacificação “artificial” na medida em que o Estado, ao invés de melhorar a eficácia das corporações, se retirou desses espaços ou restringiu a ação de agentes públicos, em exercer seu papel de impor a lei?
A Polícia Civil estima que existam, no Rio de Janeiro, 56,6 mil criminosos em liberdade portando armas de fogo de grosso calibre, um contingente maior do que os 44,3 mil policiais da Polícia Militar do estado (PMERJ), sendo que só metade atua efetivamente nas ruas. “Nesse cenário de conflagração, é frequente que os conflitos sejam inevitáveis. A polícia utiliza força desproporcional à ameaça”, avalia o especialista em segurança pública Olavo Mendonça.
“É temerário para a sociedade quando a força policial é impedida de cumprir seu dever de patrulhar determinada região. As comunidades estão ficando à mercê da criminalidade local, que está aterrorizando os moradores e acumulando força”, afirma Mendonça. A ADPF, diz, não era necessária. “Existem formas de apurar desvios de conduta”. E ela tem impacto devastador no longo prazo.
“Uma tentativa de retomada dos espaços ocupados pelo crime desde junho do ano passado vai ser muito difícil e perigosa para os policiais e as comunidades. Enquanto ela não é permitida por lei, mais crianças das favelas são aliciadas pelo tráfico e consomem drogas livremente”, afirma Mendonça.
Um policial que atua no Rio de Janeiro - e concedeu entrevista sob a condição de não ser identificado - descreve esse processo. Ele afirmou que foi o isolamento das comunidades que facilitou no passado o crescimento do crime organizado.
“A organização do tráfico de drogas com a dominação territorial no Rio de Janeiro para o processamento da cocaína, que possibilitou torná-la uma droga popular, começou justamente nas favelas, historicamente à margem do Estado”, afirma.
Bunkers intransponíveis
“E o tráfico se instalou ali, favorecido por isolamento, mas principalmente pela ideologia que o governo do início dos anos 80 adotava - mudar a política de repressão da polícia, chegando até mesmo a proibir incursões policiais em favelas”.
Em outras palavras, esse erro já foi cometido antes. “Com o fim dessa política, veio também a multiplicação dos grupos organizados de traficantes, disputando os pontos de processamento e venda de drogas. Começou assim a guerra de facções, que naturalmente levou as gangues de traficantes a se organizarem em grupos paramilitares”.
Do ponto de vista de quem patrulhas as ruas do Rio de Janeiro, diz ele, a ADPF 635 agrava a ocupação das comunidades por parte dos criminosos. Esse controle se expressa, inclusive, de forma física. “Sem a remoção constante das barricadas e bunkers usados pelo tráfico para enfrentar a polícia, elas se tornaram cada vez mais numerosas e mais elaboradas. Algumas barreiras são tão resistentes e em locais de difícil acesso que as britadeiras portáteis não são suficientes, e o terreno não permite o acesso das máquinas pesadas para removê-las”.
Ainda assim, a recuperação dos espaços é possível. “Vários desses territórios já foram retomados com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora no passado. A invasão dos complexos da Penha e Alemão são os mais icônicos”, relata o agente da lei.
“Não é impossível para o Estado fazê-lo novamente, embora contra estruturas mais elaboradas certamente o número de policiais e inocentes mortos será consideravelmente maior. Agora os criminosos possuem estruturas para lhes dar mais confiança do que já tiveram em qualquer outra época”, destaca.
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