O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, que pode derrubar a tese da legítima defesa da honra, utilizada nos tribunais do júri para pedir a absolvição de réus acusados de feminicídio. Na semana passada, o ministro Dias Toffoli considerou o argumento "odioso" e inconstitucional, e baixou liminar para proibir sua utilização por advogados.
Embora não prevista na Constituição, a legítima defesa da honra se vale da prerrogativa de ampla defesa concedida aos réus nos tribunais de júri, que podem apelar a qualquer argumento pela absolvição, incluindo a clemência. Um caso emblemático envolvendo o argumento ocorreu em 1976 no julgamento de Doca Street, assassino confesso da socialite Ângela Diniz.
A ação que questiona a tese foi apresentada pelo PDT em janeiro após o partido apresentar um levantamento que identificou o uso da legítima defesa da honra em diversos tribunais do júri desde 1991. "A plenitude da defesa não significa poder deturpar fatos e incitar preconceitos em prol de uma absolvição quando o Direito demanda pela condenação: quem matou sem excludente de ilicitude deve sofrer as penas legais proporcionais à gravidade do delito", afirmou o advogado Paulo Roberto Iotti, que assina a ação pelo PDT.
O advogado-geral da União José Levi Mello Amaral Júnior também é a favor da derrubada da legítima defesa da honra. Para ele, admitir o uso do argumento é "consentir com o uso de um instrumento público - o processo - para a reiteração da violência". "Considerando os parâmetros constitucionais aqui apresentados, pode-se afirmar com absoluta clareza: a denominada "legítima defesa da honra" é um artifício anacrônico e odioso, que não apenas garante a impunidade de uma prática nefasta e historicamente arraigada em nossa sociedade - a violência contra a mulher -, mas que também em muito contribui para a sua legitimação social e naturalização no âmbito familiar", afirmou o representante da AGU.
Votos dos ministros do STF no julgamento
O ministro Dias Toffoli, relator do processo, proferiu o primeiro voto para proibir o uso da tese da legítima defesa da honra por considerá-la inconstitucional, além de "odiosa, cruel e desumana". "Apesar da alcunha de "legítima defesa", instituto técnico-jurídico amplamente amparado no direito brasileiro, a chamada "legítima defesa da honra" corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de femicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil", afirmou Toffoli.
Além de Toffoli, apenas o ministro Gilmar Mendes já apresentou o seu voto. Ele também votou para abolir a tese jurídica da legítima defesa da honra. "A tese de "legítima defesa da honra" aflora nas discussões e em alguns casos de julgamentos por jurados para justificar (manifestamente de modo absurdo e inadmissível) atos aberrantes de homens que se sentem traídos e se julgam legitimados a defender a sua honra ao agredir, matar e abusar de outras pessoas", disse Mendes.
O julgamento ficará aberto até as 23h59 desta sexta (12). O caso pode ser suspenso ou adiado caso algum ministro peça vista (mais tempo de análise) ou destaque (o que levaria o processo para discussão no plenário físico da Corte, hoje realizado por videoconferência).
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