Na última semana de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal lançou o programa "STF na Escola” que, segundo a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, tem como objetivo aproximar o Supremo do ambiente escolar e combater a “desinformação” contra o Judiciário.
A iniciativa faz parte do Programa de Combate à Desinformação do STF, criado em 2021 durante a gestão de Luiz Fux na presidência, que conta com 56 instituições parceiras, dentre ONGs, associações representativas, agências de checagem e universidades públicas. A ideia é que essas instituições repliquem o STF na Escola nos estados para ampliar seu alcance.
Estão previstos no programa palestras com servidores e até ministros do STF, distribuição de materiais impressos, concursos de redação e visitas de estudantes à Corte.
Ao discursar no evento de lançamento do programa, a ministra Rosa Weber mencionou os episódios de vandalismo aos prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro, e disse que o STF na Escola tem como objetivos “quebrar a corrente da desinformação”, “contribuir para o fortalecimento da imagem institucional do Supremo e ampliar a credibilidade do Tribunal junto à sociedade”.
“O programa foi criado para reagir às práticas direcionadas a afetar a confiança das pessoas neste Supremo Tribunal Federal, minando-lhe a credibilidade, inclusive com a distorção ou alteração do significado de suas decisões, bem como para combater ações de diversas naturezas que colocam em risco os direitos fundamentais e tensionam a estabilidade democrática”, disse a ministra.
Segundo Rosa Weber, a atuação do Judiciário contra a desinformação teve início em 2018 após se intensificarem as críticas às urnas eletrônicas utilizadas no Brasil. O STF, segundo ela, também virou alvo, e algumas decisões da Corte teriam sido deturpadas ou distorcidas. “Só se ama o que se conhece”, emendou a ministra ao defender o estreitamento da Corte junto à comunidade escolar.
Apesar do apelo da desinformação, a medida também compõe uma estratégia para atenuar a imagem negativa que a maioria da população brasileira tem da Corte. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em dezembro do ano passado, apenas 31% dos brasileiros aprovam o trabalho do STF. Em 2020, a aprovação chegou a marcar apenas 19%, o que tem motivado uma série de iniciativas por parte do Tribunal para reverter o quadro.
Extrapolação de funções do Judiciário
Na avaliação do professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (SP), Antônio Jorge Pereira Júnior, a medida representa uma “extrapolação evidente” das funções do Judiciário, uma vez que políticas públicas relacionadas à educação são atribuição do poder Executivo. “Estão sendo dedicadas verbas do Judiciário para uma função que não compete a esse poder executar. Além disso, o uso da verba pública está ocorrendo no sentido de tentar forçar uma leitura favorável de um órgão a estudantes”, afirma o jurista.
Para Pereira Júnior, há um erro de interpretação do Supremo, de que as críticas vêm sendo direcionadas ao órgão em si. Segundo ele, questionamentos diversos são direcionadas não à instituição, mas a condutas vistas como reprováveis de alguns de seus membros. “Há muitas críticas quanto a abusos do poder institucional que estão sendo cometidos. Em vez de buscarem correção sobre esses apontamentos, querem perpetuar o erro criando algum tipo de roupagem argumentativa para justificá-los”, aponta.
Por fim, o jurista destaca que a excessiva preocupação de ministros em conduzirem a opinião pública sobre diversos assuntos compromete a própria produtividade da Corte. Ao final do ano passado, o STF somava mais de 22 mil processos em tramitação, alguns deles aguardando decisão há décadas.
O ex-deputado federal Paulo Martins (PL-PR), que é crítico do ativismo judicial abraçado por parte dos ministros, também destaca a extrapolação de funções no STF na Escola. “O Tribunal está completamente fora de seu escopo de atuação e assume uma postura proativa em busca de apoio popular. O objetivo disso é ampliar ainda mais o poder da própria Corte”, diz.
Martins ressalta, ainda, que causa estranheza a contundente busca de apoio popular por um órgão do Judiciário. “A impressão que passa é que estão em busca de uma ligação direta com a população, em atropelo às forças representativas eleitas. Não há nenhum caso análogo na história. A democracia precisa de equilíbrio entre poderes e não da construção de um superpoder”.
Já a deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP) avalia que a iniciativa não configura extrapolação de funções, desde que seja institucional e não política. “Apesar de toda a atuação política de alguns ministros do STF ultimamente, não acho que esse programa foi pensado para ser um instrumento político. Acho que foi uma bola-dentro do STF”, diz a parlamentar. “Caberá aos professores, diretores escolares e aos pais, na conversa em casa, saber o que foi dito – se houve educação, ou se houve ‘lavagem cerebral’”.
Lançamento do "STF na Escola" gera críticas e preocupação com abordagem
Os comentários nas redes sociais do STF sobre o lançamento do programa, compostos quase que integralmente de críticas à iniciativa e à atuação da Corte, mostram que a medida encontra resistência popular significativa. Parte das mensagens mencionam os sucessivos “atropelos” dos ministros à própria Constituição, com desrespeito ao devido processo legal para avançar pautas de interesse dos membros da Corte ou contrárias a seus desafetos, e expressam preocupação com o conteúdo a ser ministrado aos estudantes.
Nos últimos anos, as acusações de atuação inconstitucional por parte de ministros têm crescido, sobretudo a partir de 2019, quando o Supremo abriu, de ofício, um inquérito sigiloso para apurar supostas notícias falsas, ameaças e crimes contra a honra que estivessem relacionadas aos ministros da Corte e a seus familiares. Nesse processo, o STF assumiu as posições de acusador, vítima e juiz, funções que deveriam ser tomadas por agentes diversos para garantir a lisura do processo legal, como está previsto na Constituição.
De lá para cá, a Corte, sem pedido do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República ou de autoridade policial, como também está previsto na Constituição (o STF não poderia agir sem ser provocado), ordenou bloqueios de perfis nas redes sociais, prisões e mandados de busca e apreensão de materiais eletrônicos de investigados críticos a conduta dos membros do STF.
Em maio desde ano completará três anos que advogados dos investigados no inquérito das fake news (4.781) e em alguns de seus desdobramentos, como o inquérito das mídias digitais (4.874), estão sem acesso à íntegra dos autos desses processos, o que fere a Súmula Vinculante 14, do próprio STF.
Os arroubos dos ministros são, frequentemente, defendidos por políticos, ativistas e parte da imprensa alinhada à esquerda sob a ótica da defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito, e críticas ao órgão costumam ser apontadas genericamente como “desinformação”, “discurso de ódio” ou “ataques à democracia”. Por outro lado, juristas renomados brasileiros e operadores do Direito têm tentado chamar a atenção aos excessos. No exterior, alguns dos principais jornais do mundo vêm demonstrando grande preocupação com os rumos tomados pela Corte brasileira.
A conduta excessivamente linha-dura de Moraes contra dezenas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que são investigados em inquéritos tocados pelo próprio STF, é alvo de questionamentos diversos quanto à sua legalidade. Recentemente reportagem do New York Times, principal jornal norte-americano, questionou ações do ministro e definiu parte delas como “alarmantes”.
Mais recentemente, durante a campanha eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é presidido por Moraes e conta com outros ministros do STF na composição, atribuiu a si próprio poder de polícia para remover da internet, sem provocação de qualquer parte ou do Ministério Público, perfis e canais nos quais considere haver “desinformação sistemática”. A determinação era válida apenas durante as eleições 2022, mas ainda está vigente, o que tem permitido que o Tribunal siga censurando desde usuários comuns até políticos eleitos mesmo sem nenhum processo em andamento, comprometendo o direito constitucional de liberdade de expressão.
No início deste ano, preocupações sobre as decisões da alta cúpula do Judiciário reverberaram com intensidade inédita na opinião pública internacional. Além de nova matéria no The New York Times, veículos como os norte-americanos Washington Post e Wall Street Journal, e o espanhol El País, foram alguns a denunciar as medidas.
Um dos riscos para o programa é que casos como esses sejam transmitidos aos estudantes como legítimos, sem espaço para o contraditório. Um dos pontos que Rosa Weber mencionou como elementos de desinformação, a serem eliminados, durante o lançamento do STF na Escola foi justamente “a distorção do significado das decisões” de ministros.
Riscos de levar ideologia política às salas de aula
O risco de politização do programa STF na Escola é outro ponto de preocupação, segundo fontes ouvidas nesta reportagem. Nos últimos meses, os episódios de envolvimento de ministros da Corte com grupos políticos se multiplicaram, como mostrado aqui pela Gazeta do Povo.
No mês passado, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski compareceu a um evento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que mantém sólida ligação com o Partido dos Trabalhadores. Tal medida rompe o distanciamento necessário entre magistrados e atividades político-partidárias, preconizado pela Constituição e pelos Códigos de Ética da Magistratura e do STF.
No escopo do Programa de Combate à Desinformação, o STF firmou parceria com uma entidade integrada por organizações radicais de esquerda, a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD). Como já mencionado, as instituições parceiras desse programa conduzirão o programa direcionado aos estudantes em conjunto com o Supremo.
Várias das organizações que compõem a RNCD possuem clara pauta ideológica à esquerda. A lista de organizações afiliadas inclui o Sleeping Giants, que tem um longo histórico de perseguição a grupos conservadores e de intimidação de patrocinadores, e o Brasil de Fato Pernambuco – que apoia declaradamente pautas da esquerda radical. O Instituto Vero, outro membro da rede, tem o youtuber e militante de esquerda Felipe Neto como cofundador.
Outro parceiro da iniciativa do STF é o site “Vaza, Falsiane”, cuja autodescrição é “um curso online ultrapop para entender e combater fake news e desinformação”. Além do curso, o “Vaza, Falsiane” – conduzido por sócios ativistas de esquerda, como o jornalista Leonardo Sakamoto – costuma fazer palestras sobre desinformação em instituições de ensino, sindicatos e órgãos governamentais com uma visão de “combate à desinformação” que estimula a censura a posicionamentos conservadores ou considerados de direita – o que é inconstitucional.
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