O ministro do STF Gilmar Mendes deu cinco entrevista a meios de comunicação em cerca de um mês.| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão normalizando o expediente de mandar via imprensa recados que interferem no jogo político. Anonimamente ou em entrevistas, alguns magistrados têm deixado de lado o pudor de indicar parcialidade, de mostrar como deverão votar e até de ameaçar quem se opõe a suas decisões.

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Recados anônimos vindos dos ministros tornaram-se habituais nos últimos meses em grandes órgãos de imprensa. Em fevereiro, um ministro não identificado teria afirmado, de acordo com um colunista, que, se o ex-presidente Jair Bolsonaro dissesse um "ai" sobre o STF na manifestação de 25 de fevereiro, seria preso.

O mesmo recurso do recado anônimo foi usado no fim do ano passado durante a discussão sobre a votação da PEC contra decisões monocráticas, aprovada em novembro de 2023 no Senado. O magistrado em questão teria enviado uma mensagem de WhatsApp para uma jornalista afirmando: "A lua de mel com o governo acabou".

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A Constituição proíbe o anonimato, contudo, no jornalismo, a possibilidade do sigilo da fonte é reconhecida. O principal objetivo dessa exceção é proteger fontes de informações importantes contra potenciais retaliações, em nome do interesse público; mas, nos casos em questão, com frequência, o sigilo da fonte tem atendido a interesses dos próprios ministros.

Em uma tendência insólita em democracias, magistrados criaram linha direta com figuras célebres da imprensa televisiva e escrita no Brasil. Na segunda-feira (25), essa linha direta trouxe, surpreendentemente, uma boa notícia para o ex-presidente Jair Bolsonaro: uma colunista de um grande jornal publicou que o ministro Alexandre de Moraes "informou aos seus pares no Supremo que não dá bola para o 'asilo' de duas noites de Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria".

O Código de Ética da Magistratura é explícito quanto ao dever do magistrado de preservar o sigilo não só sobre os próprios votos, mas também sobre os votos dos outros membros do órgão colegiados. "Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o sigilo de votos que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo teor tomem conhecimento, eventualmente, antes do julgamento", afirma o artigo 28 do documento.

Para Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, a nova tendência é uma subversão do Código de Ética da Magistratura, que impõe, entre outras coisas, o dever de imparcialidade, transparência, segredo profissional, prudência e decoro no exercício da função de juiz.

"Não cabe ao ministro do STF entrar em contato com jornalistas, identificando-se ou não, para jogar notícia na imprensa com intenção de ameaça a quem quer que seja. O juiz, seja ele o ministro do STF, seja o juiz de primeira instância, deve se manifestar nos autos. Ponto", afirma.

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Sobre o caso em que um ministro não identificado ameaçou Bolsonaro caso dissesse algo contra o STF, Chiarottino lembra que há um elemento ainda mais grave do que o anonimato: o conteúdo do recado. "Como que um ministro do STF pode dizer a priori que fulano, beltrano, não pode dizer tal coisa numa manifestação pública? Estamos sacramentando o fim completo da liberdade de expressão no Brasil?", questiona. "Essas ameaças, não apenas na forma como são feitas, mas inclusive no seu conteúdo, que é um conteúdo de limitação à liberdade de expressão, são absolutamente inaceitáveis num Estado de Direito."

Ministros banalizam participações na TV e até antecipam votos em entrevistas

Em entrevistas a jornais e participações em programas de TV, os ministros também têm deixado de lado a discrição própria da função que exercem, chegando ao ponto de antecipar votos.

Já há, por exemplo, dois ministros que, em entrevistas, deixaram clara sua posição sobre eventual julgamento de anistia a presos do 8 de janeiro ou a Bolsonaro. "Anistia é um instituto que vem para dar um caráter humanitário a determinadas situações, nas quais as penas sejam consideradas indevidas, desumanas, ou já deixou de ser lei. Não, não me parece ser o caso", afirmou Cármen Lúcia em entrevista no dia 13 à Globo News.

Três dias depois, seu colega Gilmar Mendes afirmou ao veículo de extrema-esquerda Brasil 247 que a anistia em relação aos réus do 8 de janeiro é "incogitável" e também deixou claro seu voto em um eventual julgamento de Bolsonaro: para ele, depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas revelam "intentos golpistas" do ex-presidente após as eleições de 2022.

"Toda a sociedade brasileira que perfila o sentimento de democracia esperava e espera pela responsabilização não só dos autores materiais, o que já vem ocorrendo – acho que neste sentido as instituições brasileiras têm dado respostas até mais efetivas do que, por exemplo, os americanos para o seu 6 de janeiro do ano anterior –, mas também tem a resposta, sobretudo, para aqueles que conceberam toda essa trama e, obviamente, não faz sentido algum da perspectiva jurídica, da perspectiva política, falar-se em anistia. Isso tem que ser claramente repudiado", disse o ministro. "É incogitável que se fale em anistia para esses crimes", acrescentou.

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Rodrigo Marinho, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), recorda que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em seu artigo 36, proíbe ao juiz "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais", e diz que a fala de Gilmar poderia justificar seu impeachment.

"É passível de perda de mandato, porque ele estaria pré-julgando o caso fora dos autos. E há um princípio não escrito no Direito, que diz: 'o que não está nos autos não está no mundo'", afirma Marinho. "O juiz deve primar pela discrição. O pré-julgamento trazido à tona nesse caso é absurdo. Não deve acontecer. Na realidade, várias das coisas que acontecem no Supremo Tribunal Federal não deveriam acontecer."

Em um período de cerca de um mês, Gilmar deu entrevistas a cinco meios de comunicação diferentes – além do Brasil 247, a CNN, Globo News, Agência Brasil e Carta Capital. Desde 2016, o ministro já participou três vezes do programa "Roda Viva", da TV Cultura, que tem como praxe repetir pouco os entrevistados.

A verborragia, em alguns casos, leva o magistrado a dar com a língua nos dentes. Após Gilmar apontar caráter golpista no 8 de janeiro, usuários de redes sociais resgataram uma entrevista do ministro de um ano antes, em que ele contradiz sua atual opinião. “Certamente não houve de forma muito clara, não se pode dizer [que houve] uma tentativa de golpe, não houve quem quisesse assumir o Poder. Ocuparam o Supremo Tribunal Federal, ocuparam o Palácio do Planalto e ocuparam parte do Legislativo. Em seguida, as forças policiais atuaram e esses Palácios foram esvaziados, mas de qualquer forma causaram um imenso tumulto como nós estamos a ver e estamos a discutir inclusive no exterior”, afirmou o ministro no começo de 2023 à RTP, de Portugal.

A reação popular apontando a contradição do ministro é algo semelhante ao que costumam sofrer políticos, especialmente em épocas de eleições, quando contradizem falas antigas suas e são desmascarados. Para Marinho, essa é uma consequência normal da politização dos ministros do Supremo. "Quando o juiz não se porta como juiz – quando se porta como um político, como vem acontecendo –, acaba tendo sanções de políticos, que é o que explica a impopularidade do Supremo Tribunal Federal", diz.

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