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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (6) o julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal. Já existem cinco votos para declarar inconstitucional o artigo da Lei de Drogas que prevê punição penal para o usuário. Se apenas mais um entre cinco ministros que ainda não votaram se posicionar neste sentido, haverá maioria de seis, entre os 11 integrantes da Corte, favoráveis à descriminalização.
A tendência é que a Corte fixe uma quantidade para diferenciar o usuário do traficante, que continuará com a atividade criminalizada. Até o momento, a sugestão mais aceita dentro da Corte foi feita pelo ministro Alexandre de Moraes, que indicou um limite entre 25 e 60 gramas, ou de seis plantas fêmeas, no caso do cultivo caseiro.
O próximo ministro a votar é André Mendonça, que em agosto do ano passado pediu a interrupção do julgamento para ter mais tempo para analisar o processo. Depois dele votam Kassio Nunes Marques, Luiz Fux, Dias Toffolli e Cármen Lúcia. Há grande chance de que ao menos um vote pela descriminalização.
Uma decisão nesse sentido deve provocar reação imediata do Congresso, que está dividido sobre o tema, com uma provável maioria contrária à descriminalização.
PEC que criminaliza porte de maconha e outras drogas é analisada no Senado
O senador Efraim Filho (DEM-PR) anunciou, no começo da semana, que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado votaria, também na quarta-feira, uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para manter o porte como crime. Contudo, o próprio Pacheco declarou nesta terça-feira (5) que o Senado não votará a proposta antes de uma decisão do STF sobre o tema.
O senador mineiro voltou a reforçar que é contra a descriminalização das drogas e que o "Brasil não pode se permitir a uma liberação ou descriminalização sem uma discussão de política pública pelo Congresso".
O texto da PEC diz que a "lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes ou drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre o traficante e o usuário, aplicáveis a este último penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência".
Mas a proposta ainda pode ser retirada da pauta do Senado se o STF não votar pela descriminalização no julgamento desta quarta.
Pacheco acabou de confirmar em coletiva de imprensa que pretende aguardar a decisão do STF para depois pautar a PEC das drogas
Para ser promulgada, a PEC 45/2023 ainda precisaria passar por duas votações no plenário do Senado, com ao menos 49 votos favoráveis, ou seja, 3/5 entre os 81 senadores, e também no plenário da Câmara, com pelo menos 308 votos entre os 513 deputados federais.
Ministros do STF defendem a descriminalização para acabar com discriminação social e racial
Dentro do STF, o principal argumento pela descriminalização é o fato de parte dos usuários serem enquadrados como pequenos traficantes, e com isso, acabarem presos. A lei atual diz que o porte de maconha e outras drogas para consumo pessoal não leva à pena de prisão, mas à advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.
Para boa parte dos ministros, no entanto, a polícia acaba prendendo pessoas com baixa quantidade de droga como traficantes por discriminação social e racial, ou seja, pretos e pobres.
Por isso, a proposta é livrar de qualquer processo criminal quem portar maconha abaixo de determinada quantidade. A pessoa só seria enquadrada como traficante, independentemente da quantidade, ainda que baixa, se houver indícios de que pretendia vender a droga, como a presença de dinheiro, pequenas embalagens, balança e esconderijo, por exemplo.
Proposta alternativa foi feita por Cristiano Zanin, que defendeu a manutenção do porte como crime, mas a definição de uma quantidade para diferenciar usuário, que continuaria sujeito às penas alternativas, do traficante, que continuaria sujeito à pena de prisão.
Em entrevistas recentes, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que votou a favor da descriminalização em 2015, tem ressaltado que a Corte irá apenas fixar uma quantidade de drogas que diferencie o usuário do traficante.
Os cinco votos dados até o momento, no entanto, deixam claro que quem porta maconha não seria mais submetido a um procedimento criminal, que envolve uma investigação, denúncia e ação penal na Justiça. Há sugestões de que usuários sofram as mesmas sanções da atual lei, mas em caráter administrativo, ou seja, aplicadas pela própria polícia ou outro órgão público encarregado do caso.
Opositores veem intromissão do STF em decisão do Congresso no tema
Parlamentares que se opõem à descriminalização do porte de maconha dizem que a punição criminal é uma opção do Legislativo, confirmada não apenas em 2006, quando foi aprovada a Lei de Drogas, também em 2019, quando ela foi atualizada.
Uma descriminalização via STF seria, na visão do grupo, mais um caso de ativismo judicial e intromissão dos ministros num assunto do Congresso. Eles se opõem à descriminalização por entenderem que a medida vai acentuar o uso da droga e fortalecer ainda mais o tráfico.
“O artigo mais importante da Constituição é ‘todo poder emana do povo e em seu nome será exercido pelos seus representantes eleitos’. Quem são os representantes eleitos, para falar em nome do povo, já que 200 milhões de brasileiros não podem se reunir todos, em todo lugar para decidir? Quem representa o povo são os deputados e senadores. O Supremo não representa o povo brasileiro, é um órgão para vigiar o cumprimento da Constituição e das leis. Por isso que esse julgamento marcado para quarta-feira não deveria ser feito" diz Osmar Terra (MDB-RS), um dos maiores críticos da descriminalização.
"O pedido que fazemos é que o Supremo reflita sobre isso. Setenta por cento da população é contra a liberação de qualquer tipo de droga, em qualquer quantidade. O Congresso já decidiu duas vezes, nos últimos 18 anos, pela não liberação do porte de drogas. É crime, mesmo que não punido com prisão", continua o parlamentar.
O deputado se apoia em opositores do uso, como o médico psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. “Vai facilitar e muito o pequeno comércio e o crime organizado das drogas no Brasil”, afirmou, em vídeo divulgado na rede social X.
Propostas para uso medicinal têm apoio na Câmara e no Senado
Na Câmara, porém, há mobilização de deputados de esquerda para aprovar um projeto de lei na direção contrária, que legalizaria o cultivo da cannabis no Brasil, para fins medicinais e industriais (PL 399/2015).
Parlamentares favoráveis dizem que a produção de medicamentos com substâncias da planta (usados para aliviar alguns quadros de crises convulsivas, principalmente) é muito caro, uma vez que os insumos são importados de fora, por causa da proibição da maconha no Brasil. A produção interna, por empresas autorizadas, baratearia a compra. Mas a proposta vai além e prevê também a produção para uso em cosméticos, tecidos e papel.
“Esse não é um tema de um segmento político da sociedade brasileira, é um tema da ciência. O mundo inteiro já avançou na pesquisa sobre o uso medicinal da cannabis e nós não podemos ficar para trás por aspectos valorativos apenas morais, sabendo que nós estamos impedindo uma parcela da sociedade brasileira de ter medicamentos à base da cannabis”, disse, em setembro, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), em audiência pública sobre o tema na Câmara. Ex-deputado, ele é um dos entusiastas do projeto.
Parlamentares, autoridades de segurança e médicos contrários ao PL 399/2015 apontam risco de uma fiscalização fraca que acabe levando ao desvio da maconha para uso recreativo ou então a prescrições bastante flexíveis para o uso medicinal.
“Esse risco existe, inclusive a experiência de outros países, como o Uruguai, que seguiu um caminho parecido, mostra essa realidade. Lá se verificou o fenômeno que é chamado de ‘mercado cinza’, que é o mercado decorrente do desvio da maconha plantada nas fazendas autorizadas. Essa é uma preocupação muito relevante que não pode ser deixada de lado”, disse à Gazeta do Povo, em 2021, o procurador Lucas Gualtieri, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal em Minas.
Regulamentação da cannabis para fins medicinais é proposta em outros três projetos
No próprio Senado, há outro projeto mais recente, apresentado em novembro de 2023 pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que também permite e regulamenta a produção para fins medicinais e industriais.
“A proposta é abrangente e busca desburocratizar o acesso a quem busca medicamentos à base da planta, inclusive na medicina veterinária. Além da saúde, o texto traz diretrizes para a produção de cannabis em território nacional, incentivando nosso agronegócio e a pesquisa cientifica. Outra novidade é a possibilidade do autocultivo, com prescrição médica e todo controle de fiscalização”, disse à época.
O senador Paulo Paim (PT-RS) tem outro projeto de lei (PL 89/2023) para assegurar o direito ao medicamento, nacional ou importado, à base de cannabis, nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao SUS.
Outra proposta semelhante é o PL 5158/2019, do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que prevê a distribuição do canabidiol pelo SUS, mas não contempla outras substâncias medicinais produzidas a partir da maconha. Ele se opõe à descriminalização do porte de maconha, do modo como o STF pode decidir.
“Um mal que destrói vidas e famílias! Contra esse ativismo político-ideológico, que atropela prerrogativas de Poderes legitimamente constituídos – aliás o Congresso já se manifestou duas vezes pela tolerância zero (que é crime o porte) –, estamos agindo para que tal julgamento seja adiado, até que a PEC em tramitação na CCJ do Senado seja apreciada”, postou no X.