• Carregando...
Dias Toffoli, durante julgamento no plenário do STF
Dias Toffoli foi o relator da decisão que proibiu multar emissoras que exibissem conteúdo em horário inapropriado; ele enfatizou dever de informar sobre classificação indicativa| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A recente multa aplicada pelo governo às plataformas de streaming que disponibilizam a seus assinantes o filme Como se tornar o pior aluno da escola poderá, caso seja contestada na Justiça, vai encontrar um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe punir emissoras de TV que exibam conteúdo impróprio para crianças fora do horário recomendado.

>> Faça parte do canal de Vida e Cidadania no Telegram

Trata-se de uma decisão de 2016 da Corte que, embora trate de uma regra diferente das que foram usadas pelo Ministério da Justiça no caso atual, dá uma dimensão de como os ministros enxergam a questão, que envolve, de um lado, o direito à liberdade de expressão, e de outro, o dever do Estado de proteger crianças e adolescentes de toda forma de violência.

A polêmica atual em torno do filme ficcional, baseado em livro homônimo do humorista Danilo Gentili, surgiu no fim de semana, quando viralizou nas redes sociais vídeo de um trecho no qual o ator Fábio Porchat, interpretando um professor, tenta chantagear dois estudantes, exigindo que, dentro de sua casa, eles o masturbem, para não persegui-los na escola.

Políticos e militantes conservadores protestaram com veemência, pedindo a punição dos responsáveis, inclusive com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que criminaliza a divulgação de cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente – o trecho criticado não continha “atividades sexuais explícitas”, como exige o ECA para o crime.

A pressão, no entanto, levou o Ministério da Justiça a aplicar, na última terça-feira (15), em âmbito administrativo, uma multa diária de R$ 50 mil a Netflix, Globo, Google, Apple e Amazon, caso continuassem a oferecer o filme estrelado por Gentili em suas plataformas.

A decisão, no entanto, chamou a atenção por não se basear no ECA, mas no Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente num dispositivo que proíbe, entre outras práticas abusivas, o ato de “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

O despacho, publicado no Diário Oficial da União, não demonstra exatamente como a disponibilização do filme teria forçado crianças a consumir um produto ou serviço. Cita, porém, uma lei de 2016 que elenca diretrizes das políticas públicas para a primeira infância e que considera uma área prioritária “a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista”.

Há ainda o artigo 227 da Constituição, que diz ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, entre outros direitos, “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

No julgamento de 2016, o STF se limitou a julgar apenas a constitucionalidade de uma regra do ECA – não usada pelo governo – que permitia ao Ministério da Justiça multar TVs e rádios que exibissem conteúdo impróprio fora do horário recomendado pela própria pasta.

O entendimento adotado pela maioria dos ministros, que acompanharam Dias Toffoli, foi de que a classificação indicativa, também prevista na Constituição, busca apenas “esclarecer, informar, indicar aos pais a existência de conteúdo inadequado para as crianças e os adolescentes” – ela não permite que o Estado censure a obra ou multe a emissora que a exibir fora do horário recomendado.

“O exercício da liberdade de programação pelas emissoras impede que a exibição de determinado espetáculo dependa de ação estatal prévia. A submissão ao Ministério da Justiça ocorre, exclusivamente, para que a União exerça sua competência administrativa prevista no inciso XVI do art. 21 da Constituição, qual seja, classificar, para efeito indicativo, as diversões públicas e os programas de rádio e televisão, o que não se confunde com autorização. Entretanto, essa atividade não pode ser confundida com um ato de licença, nem confere poder à União para determinar que a exibição da programação somente se dê nos horários determinados pelo Ministério da Justiça, de forma a caracterizar uma imposição, e não uma recomendação. Não há horário autorizado, mas horário recomendado”, diz o acórdão da decisão.

“A liberdade de expressão também exige responsabilidade em seu exercício, devendo as emissoras resguardar, em sua programação, as cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil. Não obstante, são as próprias emissoras que devem proceder ao enquadramento horário de sua programação, e não o Estado”, afirmou Toffoli em seu voto.

O STF, no entanto, manteve a possibilidade de punição com multa caso a idade mínima, abaixo da qual aquele conteúdo é considerado impróprio, não seja informada. A informação sobre a faixa etária, deixou claro a decisão, é um dever das emissoras “antes e no decorrer da veiculação do conteúdo”, sob pena de multa estabelecida pelo ECA. Neste ponto, Toffoli também deixou claro que, além de multa aplicada pelo governo, a Justiça poderia até mesmo determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.

“É importante que se faça, portanto, um apelo aos órgãos competentes para que reforcem a necessidade de exibição destacada da informação sobre a faixa etária especificada, no início e durante a exibição da programação, e em intervalos de tempo não muito distantes (a cada quinze minutos, por exemplo), inclusive, quanto às chamadas da programação, de forma que as crianças e os adolescentes não sejam estimulados a assistir programas inadequados para sua faixa etária”, diz ainda a decisão.

O julgamento se dirigia apenas a emissoras convencionais, nas quais a programação define horários fixos para exibição de filmes e outros conteúdos. Como nas plataformas de streaming é o próprio telespectador quem define o momento no qual quer assistir determinada obra, não há sobre elas uma vinculação direta da decisão – ainda assim, como as TVs não podem ser punidas caso exibam a obra a qualquer momento, o mesmo poderia se aplicar às plataformas.

18 anos

Nesta quarta-feira (16), o Ministério da Justiça lançou uma nova decisão, desta vez para elevar a idade mínima da classificação indicativa do filme de Danilo Gentili, passando de 14 anos – idade estabelecida pela pasta em 2017 – para 18 anos.

Afirmou que a obra contém “tendências de indicação como coação sexual/estupro (16 anos), ato de pedofilia (16 anos) e situação sexual complexa (18 anos)”. “Recomenda-se, ainda, a sua exibição após as 23 (vinte e três) horas quando exibida em televisão aberta”, diz o despacho, assinado por José Vicente Santini, titular da Secretaria Nacional de Justiça.

A Globoplay, plataforma do Grupo Globo, que manteve o filme disponível, por considerar a determinação de suspensão inconstitucional, já atualizou a informação sobre classificação indicativa, para 18 anos, na página da obra e também em sua ficha técnica.

“Pedro e Bernardo não cumprem as regras da escola. Um dia, no banheiro, Pedro encontra o diário de um ex-aluno com dicas de como tocar o terror e se tornar o pior aluno do colégio. 18 - Drogas Lícitas, Linguagem Imprópria, Violência”, diz a descrição do filme na plataforma.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]