Prós e contras
Confira os argumentos sobre a liberação da interrupção ou não da gravidez de fetos anencéfalos:
Favoráveis:
- Anencéfalo significa "sem cérebro". E sem cérebro não há vida em potencial, já que critério de morte no Direito brasileiro é a morte encefálica;
- O tempo de vida de um anencéfalo geralmente não ultrapassa 72 horas, já que não há atividade cerebral que suporte funções mais complexas exigidas pelo corpo;
- A interrupção não configuraria aborto. Para ser considerado aborto, o feto teria de ter vida em potencial. Não sendo aborto, a interrupção não pode ser considerada crime;
- Se a interrupção for considerada aborto, ela constitui uma forma menos grave do que aquelas já permitidas pelo Código Penal: em caso de estupro e risco de morte para a mãe. Isso porque no caso dos anencéfalos não há vida em potencial, ao contrário das duas exceções;
- A gravidez de feto anencéfalo pode trazer complicações (não chega a haver risco de morte para a gestante);
- Os pais têm o direito de decidir se querem a gravidez;
- A gravidez de fetos anencéfalos oferece maior probabilidade de depressão pós-parto;
- Sem a permissão do aborto, fere-se o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana em relação à gestante.
Contrários:
- Anencéfalo não significa "sem cérebro". Fetos anencéfalos tem uma má-formação grave, mas não quer dizer que não tenham vida em potencial. A expectativa de vida é curtíssima, mas existe. Desse modo, não se pode aplicar o critério da morte encefálica;
- Há uma corrente que denomina o aborto de anencéfalos de "eutanásia pré-natal". Ou seja, decide-se pela morte de alguém mesmo antes de seu nascimento;
- Não há uma determinação exata do tempo de vida dos fetos - geralmente, não ultrapassa 72 horas. No entanto, há casos de crianças que sobreviveram por tempo maior, convivendo com sua família;
- De acordo com o depoimento de alguns casais, a curta existência de bebês anencéfalos não foi impeditivo para que deixassem a marca de suas vidas nas famílias.
- Um aborto não aliviaria a dor da família;
- A família não tem o direito de decidir sobre a vida ou morte do feto;
- Com o aborto, fere-se o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana em relação ao feto.
- A liberação do aborto abriria brecha para outros tipos, como fetos com síndrome de down, por exemplo.
Sete anos depois de ser proposta, a ação que discute a liberação de aborto de anencéfalos deve finalmente entrar na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), no segundo semestre deste ano. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 54, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), pretende assegurar o direito de a gestante decidir pela interrupção da gravidez de feto anencéfalo, sem precisar entrar em uma corrida judicial contra o tempo. "Mesmo quando a Justiça autoriza, grupos religiosos impetram habeas corpus em favor do feto e alguns tribunais concedem. Isso gera um quadro de grande incerteza jurídica. Uma decisão do STF, em âmbito nacional, vincularia todos os juízes", afirma Luís Roberto Barroso, advogado constitucionalista, que representa a CNTS.
Com um tema tão delicado na mesa, nem mesmo o Supremo conseguiu dar uma resposta final sobre o assunto até hoje. Proposta a ADPF em junho de 2004, um mês depois o relator Marco Aurélio concedeu uma liminar liberando o aborto de anencéfalo. Três meses depois, por sete votos a quatro, a liminar foi cassada. Diante da "derrota", Marco Aurélio engavetou a ação. Três anos após a proposta da ação e do STF liberar as pesquisas com células-tronco, Marco Aurélio prometeu desengavetar a ADPF por considerar que o Supremo, naquele momento, estava maduro para julgar a ação.
Uma audiência pública sobre o assunto foi realizada em agosto de 2008 e a expectativa era de que o julgamento acontecesse no fim daquele ano ou em 2009. A verdade é que só agora, depois de mudanças na composição do STF, Marco Aurélio dá indícios de colocar o assunto novamente em pauta. "O relator avaliou o momento em que ele se sente mais confortável para fazer o julgamento. Não é comum demorar tanto tempo, mas não é comum também haver uma causa assim. Essa passagem do tempo se justifica pela complexidade do debate", diz Barroso. Os ministros Carlos Velloso, Eros Grau e Nelson Jobim, que haviam votado contra a liminar de Marco Aurélio, aposentaram-se neste meio tempo.
Julgamento
Se a composição dos ministros do STF mudou em sete anos o que pode influenciar no resultado do novo julgamento , o que não mudou foram os argumentos de quem é contra ou a favor da liberação da interrupção da gravidez de feto anencéfalo (texto ao lado). A professora de microbiologia na Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, diz que o termo "anencéfalo" leva a um entendimento equivocado. "O feto tem encéfalo [composto por cérebro, cerebelo e bulbo]. A diferença é que o encéfalo não vai se desenvolver. Não podemos dizer que é um feto sem cérebro, sem vida, mas, sim, que apresenta uma lesão grave."
O professor de bioética da Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, Cícero Urban, reitera a importância de se entender corretamente o termo. "Anencefalia não é ausência de cérebro. É, na verdade, a má-formação mais grave do sistema nervoso central, incompatível com a vida a longo prazo", explica. "O feto anencefálico sobrevive por algum tempo, de fato curto, mas o certo é que, enquanto ele está vivo, está vivo, respira por conta própria", completa Lenise. Já Urban, defende que o feto anencéfalo deve ser tratado como um paciente terminal. "Ele não deve ser reanimado, nem levado à UTI. Deve-se deixar que [a morte] aconteça de forma natural."
O médico geneticista e diretor da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, por sua vez, tem opinião contrária. "Não há dúvida de que anencefalia é a não formação do cérebro", pontua. Ele defende o direito de o casal decidir pela interrupção ou não da gravidez nesses casos. "Nos últimos um milhão de casos, os bebês com anencefalia não viveram mais que um minuto. Acho que a decisão de interromper essa situação de luto é da família e não do Estado", diz. Raskin lembra que no caso da menina Marcela de Jesus, que fora apontada como exemplo de anencefalia em que a criança viveu mais de um ano, ficou comprovado que se tratava de outra doença.
Ação baseia-se em três teses
Representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), Luís Roberto Barroso explica os três argumentos finais apresentados pela entidade ao STF para pedir a liberação do aborto de feto anencéfalo.
"Nossa primeira tese é de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não se constitui aborto e, portanto, é um fato atípico, ou seja, não é previsto como crime. O aborto só ocorre quando existe uma potencialidade de vida e feto anencéfalo não é vida em potencial. Ele não tem sequer início de vida cerebral porque o cérebro não se forma." De acordo com Barroso, este tipo de feto não teria vida, já que o critério de morte legal é o da morte encefálica.
A segunda tese é que, mesmo que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seja considerada aborto, ainda assim seria um procedimento menos gravoso do que os já permitidos pelo Código Penal: aborto em caso de risco de morte para a mãe e de gravidez decorrente de estupro. "Numa interpretação evolutiva, a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é menor que essas duas exceções que já existem, porque, nestes outros dois casos, o feto tem potencialidade de vida."
Por fim, o CNTS defende que deve ser levado em conta o princípio constitucional da "dignidade da pessoa humana" em relação à gestante. "Obrigar a levar adiante uma gravidez como essa impõe imenso sofrimento físico, psíquico e inútil à mulher", diz Barroso.
Contra-argumentos
As teses do CNTS encontram contra-argumentação nos grupos oposicionistas ao aborto. Eles entendem que o feto anencéfalo apresenta encéfalo, com má-formação, mas com potencialidade de vida, mesmo que curta. Assim, eles rebatem o argumento de que se pode usar o critério de morte encefálica. "O feto anencefálico tem o funcionamento do tronco encefálico, portanto, não preenche todos os requisitos de morte encefálica", diz o vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, Cícero Urban. Por fim, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana também é invocado em defesa do feto.
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