STF voltará a julgar se porte de drogas para uso pessoal deve ser liberado.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quarta-feira (24), após quase oito anos de intervalo, um julgamento para definir se o porte de drogas para consumo próprio é uma infração penal. A Corte decidirá se as penas previstas para quem porta drogas para uso pessoal, que já são brandas, devem ser consideradas inconstitucionais e deixar de valer, o que poderia derrubar o último constrangimento legal para a compra das substâncias ilícitas.

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Atualmente, a detenção por mero porte de drogas inexiste no Brasil. As penas para essa infração, tipificadas no artigo 28 da Lei Antidrogas de 2006, são prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e o comparecimento em um curso educativo.

O julgamento da matéria foi interrompido em 2015, com pedido de vista do então ministro Teori Zavascki, morto em janeiro de 2017. Alexandre de Moraes herdou sua vaga e, em 2019, liberou o processo para ser pautado.

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Três ministros já votaram em 2015, todos a favor de derrubar a tipificação penal do porte de drogas. Há, no entanto, uma divergência sobre os tipos de drogas a serem liberados. Gilmar Mendes, relator do caso, considerou que a mudança deve valer para todas as drogas, enquanto Edson Fachin e Luís Roberto Barroso opinaram que ela deve se restringir ao caso da maconha.

Para Rodrigo Chemim, doutor em Direito do Estado e professor de Direito Processual Penal, o STF está usurpando as funções do Legislativo ao tentar descriminalizar o porte de drogas, já que não há, no artigo 28 da Lei Antidrogas, nada que justifique uma leitura de inconstitucionalidade. "Pessoalmente, sou favorável à descriminalização do porte de drogas, mas não cabe ao Supremo decidir sobre isso. Só que, infelizmente, o Supremo tem tomado decisões sobre todo tipo de assunto nos últimos tempos."

A Corte extrapola ainda mais suas funções, segundo ele, ao levantar uma discussão sobre quais tipos de drogas poderiam ser descriminalizados. Esse tipo de diferenciação, destaca Chemim, não é estabelecido pela Lei Antidrogas, e o Congresso seria a única instância legítima para deliberar sobre isso.

Na segunda-feira (22), em pronunciamento no Plenário do Senado, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) criticou a judicialização do caso e a falta de reação dos parlamentares. "É muito triste ver, participar de um Senado que está ajoelhado para o Supremo Tribunal Federal fazendo o trabalho que é nosso. E são poucas as vozes aqui que repercutem que está errado", afirmou.

Artigo 28 já é pouco aplicado; fim do constrangimento legal poderia aumentar consumo de drogas

O processo que desembocou no julgamento do STF, ganhando repercussão geral, refere-se ao caso de um presidiário que foi flagrado, em 2009, com maconha para uso pessoal em uma cadeia em Diadema (SP). Ele foi condenado a prestar serviços à comunidade pelo incidente.

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Na prática, o resultado de uma decisão para acabar com as punições previstas para o porte de drogas seria o fim de qualquer constrangimento do ponto de vista legal ao usuário comum. Hoje, embora não seja preso, quem é enquadrado no artigo 28 deixa de ter a ficha criminal limpa.

Para o advogado Dário Júnior, doutor em Direito Processual pela PUC Minas, seriam privilegiados com essa nova interpretação da lei especialmente os usuários de drogas de classe média alta, que "vão deixar de ser fichados, de ser constrangidos, e vão continuar com a ficha limpa".

"O efeito que vai ter não é para beneficiar os pobres e oprimidos", ironiza. "Na prática, o que vai acontecer é que eles vão deixar mais livre para esses usuários de classe média alta. O grande foco é esse. Eles não vão ter anotação de ficha criminal. O constrangimento que eles tinham era esse: ser levado para uma delegacia, ser fichado e, por causa desse fichamento, perder a possibilidade, por exemplo, de fazer um concurso público mais adiante."

Segundo o advogado criminalista João Rezende, os casos em que o artigo 28 é aplicado atualmente se resumem, em sua maioria, a flagrantes de compra do usuário com traficantes. "As circunstâncias são quase sempre muito parecidas: os policiais sabem onde há um ponto [de venda de drogas] e ficam fazendo campana – às vezes filmam, às vezes só ficam observando. Quando eles constatam que está havendo a transação, quem vende é enquadrado no artigo 33 [que se refere ao tráfico], e a pessoa que está comprando para consumo próprio é enquadrada no artigo 28. A pessoa do [artigo] 28 vai ser encaminhada para essas sanções [de prestação de serviços e educação sobre drogas], e a do 33 vai enfrentar ação penal mesmo, com instrução, com comprovação, depoimentos e a condenação."

Na maior parte desses casos, o único alvo real da polícia é o traficante, mas, como o comprador está envolvido no mesmo flagrante, ele também é penalizado. De acordo com Rezende, outras situações comuns em que o portador de substâncias ilícitas é autuado são festas em que há revista dos participantes e diligências contra crimes maiores, como roubos de carros em que o ladrão é flagrado com drogas.

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Rezende acredita que uma eventual decisão do STF derrubando as penas atuais seria um estímulo ao consumo de drogas. "Hoje [o usuário] ainda tem uma dor de cabeça, porque a pessoa que geralmente nunca teve contato com o ambiente de delegacia fica constrangida por estar nesse ambiente. Tem também a questão da lavratura do termo circunstancial de ocorrência, o encaminhamento para que a pessoa receba a advertência ou vá assistir a uma 'palestrinha'… Tem esse constrangimento. Não tendo nada nesse sentido, havendo uma carta branca por parte do Estado em relação a essa conduta, eu vejo como um estímulo, sim", diz.

Para Dário Júnior, a lei atual trata a questão com proporcionalidade, dando uma pena leve a pessoas que, mesmo que em pequena medida, trouxeram um dano à coletividade ao fomentar o mercado das drogas. Com a mudança que o STF pode promover, a lei passaria a ignorar esse dano.

"O porte sempre foi considerado lesivo, porque implica a pessoa circular com a droga, eventualmente perder aquela droga, alguém achar, a pessoa entregar aquela droga para um amigo, compartilhar... Uma pessoa que vai, por exemplo, até a boca de fumo para buscar a droga está incentivando a existência de boca de fumo, está fomentando a oferta. A minha opinião é que a situação como está hoje já trata bem essa questão, porque não prevê nem prisão simples, nem detenção, nem reclusão", comenta.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]