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Resumo desta reportagem:
- O STF retomará julgamento virtual de ação que pede que mulheres transgênero possam cumprir pena em presídios femininos.
- Em 2021, a Corte iniciou o julgamento da ação, suspenso após empate em 5 votos favoráveis e 5 contrários. Agora o caso será retomado com a participação do ministro André Mendonça, que pode desempatar o placar.
- Apesar disso, na prática o resultado trará poucas mudanças, já que em 2020 o CNJ criou uma resolução que permite a transexuais e travestis a livre escolha para cumprimento de pena em presídio masculino ou feminino.
- O caso é polêmico, já que em países em que existe maior flexibilização sobre a alocação de trans em presídios há episódios de estupros de mulheres biológicas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará nesta sexta-feira (4) julgamento que decidirá se mulheres transexuais e travestis, que são homens biológicos, podem ou não optar por cumprir pena em presídios femininos, em alas e celas comuns à população carcerária feminina. O julgamento da ação, proposta pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) ocorrerá em modo virtual, e os ministros terão até o dia 14 de julho para apresentar seus votos.
Em setembro de 2021, o Supremo havia iniciado julgamento virtual da medida, que foi suspenso após a votação ter empatado em cinco votos favoráveis à livre escolha contra cinco votos contrários – na ocasião, o ministro Marco Aurélio havia deixado recentemente a Corte, que ficou temporariamente com número par de ministros.
O voto do relator, Luís Roberto Barroso, mantinha os termos de uma liminar de sua autoria em vigor desde 2019 que permite que mulheres transexuais possam escolher entre cumprir pena em presídio feminino ou masculino. Segundo os termos do voto, a alocação dos detentos em área reservada, separada dos demais detentos, se aplica somente aos presídios masculinos.
Na época, o ministro Ricardo Lewandowski divergiu de Barroso apontando que a ação teria se tornado desnecessária após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter criado, em outubro de 2020, uma resolução que já prevê que mulheres trans possam escolher em qual tipo de presídio desejam ficar.
Com a retomada do julgamento, o ministro André Mendonça, que assumiu a cadeira no STF após o julgamento de 2021, poderá desempatar o placar, ou ainda apresentar voto com visão contrária à medida. Na prática, entretanto, o resultado trará poucas mudanças, uma vez que tanto o voto de Barroso quanto a resolução do CNJ apontam para que haja a livre escolha do tipo de presídio.
A medida é polêmica, já que as diretrizes do CNJ preveem que a simples autodeclaração basta para que a pessoa seja vista pela Justiça como pertencente a outro sexo, dispensando a existência de cirurgia e tratamentos para redesignação sexual.
O núcleo brasileiro da ONG Declaração Internacional das Mulheres (Women's Declaration International), por exemplo, opõe-se à medida apontando riscos diversos às detentas quando homens biológicos têm a permissão de ficar alojados em suas celas.
Resolução do CNJ sobre detentos trans se aplica até mesmo a adolescentes
A resolução do CNJ mencionada por Lewandowski inclui até mesmo adolescentes que cometeram ato infracional e comprem medida socioeducativa e que se autodeterminem como parte da população LGBTI. O documento tem sido usado exaustivamente pela defesa de transgêneros que encontram resistência de juízes para serem alocados em presídios femininos.
O ministro Barroso, em decisão de julho deste ano na qual mencionou a resolução, reforçou que não é necessária cirurgia de redesignação sexual para que homens biológicos que se autodeclaram mulheres possam cumprir pena junto com detentas.
"A cirurgia de transgenitalização não é requisito para reconhecer a condição de transexual. Nesse contexto, entendo que o simples fato de esta pessoa não ter passado pelo ato cirúrgico não é fundamento válido à negativa de transferência para unidade prisional feminina", disse o ministro.
Apesar de a norma do CNJ estabelecer a possibilidade de que, caso desejem, detentos transexuais fiquem em celas ou alas separadas do restante das presas, isso sequer seria possível na prática: de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) somente 3% das unidades prisionais brasileiras possuem alas destinadas ao público LGBTI.
Grupo de proteção a mulheres diz que medida “destrói direitos das mulheres encarceradas”
O núcleo brasileiro da Women's Declaration International – uma organização internacional de defesa do direito das mulheres fundada no Reino Unido e atuante em mais de 30 países – lançou a campanha “Protege STF” ainda em 2021 a fim de reforçar a importância de manter os espaços separados por sexo nos presídios.
A entidade enviou manifesto a todos os ministros do Supremo apresentando riscos às detentas caso não haja mudanças de votos. Para o grupo, permitir indiscriminadamente que homens biológicos estejam nas mesmas celas e alas que as detentas “destrói o direito das mulheres encarceradas”.
“Caso os votos permaneçam como estão, causarão danos irreversíveis, assim como os que já aconteceram a presas e agentes em outros países. E criarão jurisprudência para ações similares como as relativas a banheiros, vestiários, provadores de loja, salas de amamentação, abrigos para vítimas de violência doméstica e/ou sexual, alas hospitalares e alas psiquiátricas”, diz comunicado da entidade.
Em 2021, o grupo chegou a acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo a suspensão da decisão liminar de Barroso que permitia a livre escolha de presídios. A petição, de aproximadamente 60 páginas, acompanhava uma longa lista de casos de violência cometidos contra pessoas vulneráveis por homens que se identificavam como mulheres.
“A nossa campanha sabe que presos correm riscos em penitenciárias masculinas, ainda mais quando estão fora do padrão. Porém, a solução não é transferir esse risco para as mulheres e sim criar espaços específicos nas próprias penitenciárias masculinas e combater a violência dentro delas”, afirma Thársila di Britto, uma das integrantes da organização que assinam o pedido.
Abusos sexuais em países com leis flexíveis para alocação de trans em presídios
Há uma série de episódios de violência sexual dentro de presídios e abrigos em países que possuem políticas mais flexíveis para a alocação de transgêneros nesses locais. Um dos casos de grande repercussão internacional que ilustra o risco de violência é o de Karen White, uma mulher trans inglesa nascida com o nome de Stephen Wood e sexo biológico masculino, que em 2018 abusou sexualmente de duas presas em um presídio feminino.
Na época do crime, Karen ainda não havia se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nem mudado seu registro civil de homem para mulher. O caso teve o agravante de que Karen estava presa justamente por ter estuprado uma mulher dois anos antes. Além disso, já havia sido presa em 2001 por molestar sexualmente uma criança.
Em abril deste ano, no Canadá, uma transgênero denominada Desiree Anderson foi presa por ter abusado sexualmente de uma mulher em um abrigo destinado a mulheres pobres ou vítimas de violência. Em agosto de 2022, a transgênero Shane Jacob Green foi presa também sob a acusação de estupro dentro de um abrigo feminino no Canadá. Segundo a Fox News, em julho de 2020 uma canadense que reclamou da presença de homens biológicos em abrigos foi despejada sob a acusação de “transfobia”.
Outro caso de grandes proporções ocorreu recentemente na Escócia. Em janeiro, a transgênero denominada Isla Bryson foi condenada pelo estupro de duas mulheres que aconteceram em 2016 e 2019, antes da mudança de sexo. Após a sentença, a ordem judicial foi para que Bryson cumprisse pena em um presídio feminino.
A ex-primeira-ministra da Escócia Nicola Sturgeon chegou a intervir no caso para impedir que a pena fosse cumprida no local. Durante o julgamento, o advogado de Bryson disse que ela não era um "predador masculino", mas sim uma seria uma "vulnerável".
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