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Um inquérito instaurado de maneira ilegal e com diversos vícios processuais serviu de base para tornar o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) alvo de um mandado de busca e apreensão. O parlamentar foi alvo da 27ª Operação Lesa Pátria, que investiga a participação de crimes relacionados aos atos do 8 de janeiro. Especialistas afirmam que, além da investigação do parlamentar estar baseada em um inquérito ilegal, a ação demonstra, mais uma vez, um desequilíbrio entre os poderes.
Na manhã desta quinta-feira, Carlos Jordy acordou com a Polícia Federal (PF) em sua residência. Os agentes também tiveram acesso ao gabinete do deputado em Brasília. Ao menos cerca de mil reais, uma arma e o celular do parlamentar foram apreendidos.
“A situação é complexa porque está se usando um inquérito ilegal para investigar um parlamentar por crimes que não existiram”, afirmou o doutor em Direito, Alessandro Chiarottino. “O grande problema não está na busca e apreensão em si na casa do parlamentar, isso poderia acontecer, mas o problema são todos os vícios que cercam esse inquérito instaurado de forma irregular e que vem sendo mantido de forma irregular”, complementa.
MPF investiga Jordy como instigador dos atos do 8/1
O Ministério Público Federal (MPF) considerou o parlamentar como possível instigador dos atos do 8 de janeiro. O mandado de busca e apreensão se baseou na interceptação de trocas de mensagens de Jordy com um agente político de Campos dos Goytacazes (RJ), que teria organizado bloqueios em rodovias na cidade.
“Bom dia meu líder. Qual direcionamento você pode me dar? Tem poder de parar tudo”, disse o agente ao parlamentar, em 1° de dezembro de 2022, referindo-se às manifestações após as eleições. Para Alexandre de Moraes, houve um pedido de orientação que aponta fortes indícios de envolvimento de Jordy através de “auxílio direto na organização e planejamento” de bloqueios em estradas e na suposta existência de uma organização criminosa que, para o ministro, queria dar um golpe de Estado.
“Ainda que o deputado estivesse induzindo ou orientando qualquer paralisação, qualquer manifestação, ela não se enquadra nos verbos abolir, exterminar ou destruir o Estado Democrático de Direito”, afirmou Fabio Tavares Sobreira, professor de Direito Constitucional, listando os crimes mencionados pela Procuradoria-Geral da República para justificar a investigação contra o parlamentar.
“Não parece haver nada que leve a conclusão de um golpe de Estado, pelo menos nos trechos citados”, disse Chiarottino. Ele ainda relembra que o bloqueio de rodovias como forma de protesto é crime, porém não teria relação com um possível golpe de Estado.
O jurista ainda considera como um equívoco a Corte tratar as invasões e depredações aos prédios públicos como uma tentativa de golpe de Estado. “Equivocada porque qualquer tentativa de crime, para ser caracterizada, precisa ser idônea, senão o crime é impossível. Mesmo se eles tivessem a intenção, aquelas pessoas desarmadas, desorganizadas e sem um comando central nada poderiam fazer evidentemente para ameaçar a ordem institucional, então é um crime impossível”, explica.
“Caça às bruxas”
O professor Sobreira esclarece que o ordenamento jurídico chancela a busca e apreensão se houver o risco de desaparecimento de provas. “A busca e apreensão não se justifica [nesse caso]. Se havia um risco de desaparecer ou ocultar provas, isso já ocorreu porque já passou mais de um ano”, acrescenta.
“Essa medida, com todas as vênias possíveis ao ministro que a determinou, é uma caça às bruxas. É tentar acha pelo em ovo, tentar achar alguma prova que justifique o andamento de uma ação penal”, diz Sobreira. “O mandado é, sim, arbitrário, é ilegal, é inconstitucional. Isso não é um posicionamento de direita ou de esquerda, mas baseado na Constituição Federal”, destaca.
Desequilíbrio entre os poderes
Chiarottino reitera que a medida de busca e apreensão deve ser analisada do ponto de vista jurídico, onde há uma série de problemas técnicos, mas que acaba adentrando ao campo político. “Não se trata de uma situação habitual. Nós estamos vivendo um momento que existe um grande desequilíbrio entre os poderes do Estado, grande desrespeito às prerrogativas do Legislativo”, afirma.
“Nesse contexto, nós podemos apontar que o STF determinar a entrada da polícia nas dependências da Câmara dos Deputados é mais uma medida indicativa desse cenário de desequilíbrio”, diz Chiarottino.
“Nós estamos falando de um deputado e aqui precisamos falar da Câmara dos Deputados. A partir do momento que a Câmara dos Deputados flexibilizou a própria imunidade dos deputados [no caso do ex-deputado Daniel Silveira], o Supremo Tribunal Federal vem exorbitando o seu poder e ultrapassando os limites da Constituição Federal”, concorda Fabio Sobreira.
O STF assumiu os processos criminais relacionados aos atos alegando que havia participação de pessoas com foro privilegiado, como parlamentares e chefes do Executivo. Mais de um ano após o acontecimento, o deputado Carlos Jordy é o primeiro parlamentar alvo de investigação. Neste período, a Corte chegou a ser duramente criticada por continuar como a responsável pelas investigações, principalmente após a afirmação do ministro Alexandre de Moraes de um suposto plano para enforcá-lo na Praça dos Três Poderes, o que o tornaria suspeito, segundo especialistas, para seguir como juiz desses processos.