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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deferiu liminares para assegurar que duas pessoas, com necessidades médicas, possam cultivar Cannabis Sativa sem o risco de qualquer sanção criminal por parte das autoridades. O deferimento foi apresentado pelo vice-presidente do STJ, ministro OG Fernandes.
Com a decisão, o ministro despreza os argumentos em discussão no Congresso sobre os riscos para a saúde e de segurança pública em permitir a plantação da Cannabis no Brasil. Entre eles estão a falta de evidências científicas sobre os benefícios medicinais de produtos com elementos da maconha (com exceção de alguns indícios para certas enfermidades), a dificuldade de fiscalização por parte do poder público de plantios clandestinos, entre outros.
De acordo com os recursos submetidos ao STJ, as duas pessoas informaram que possuem problemas de saúde tratados com substâncias extraídas da Cannabis, como transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, dor crônica e distúrbios de atenção. Eles apresentaram laudos médicos para comprovar as condições de saúde relatadas, além da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação excepcional de produtos medicinais derivados da Cannabis.
Os pacientes com uso da Cannabis ainda relataram dificuldades para conseguir o tratamento, devido o custo do “medicamento” ser elevado e não estar disponível no mercado.
Todos os pedidos para cultivo da Cannabis foram rejeitados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que julgaram os casos, e entenderam que a autorização de plantio e cultivo dependeria de análise técnica cuja competência não caberia à Justiça, mas sim à Anvisa.
Em 2019, a Anvisa liberou a importação dos extratos de canabidiol e THC, retirados da cannabis, para a fabricação de produtos no Brasil. Na época, a agência definiu que esses compostos seriam marcados com tarja preta devido ao risco de dependência, aumento de tolerância (necessidade de ingerir quantidades cada vez maiores para ter o mínimo efeito desejado) e intoxicação.
Precedentes
Ao derrubar as liminares dos tribunais, o ministro Og Fernandes apontou que os interessados apresentaram documentos comprovando os problemas de saúde e “evidências de que os tratamentos médicos tradicionais não obtiveram êxito semelhante aos resultados objetivos como o uso do óleo canabidiol”.
Fernandes também usou precedentes do STJ para defender a conduta de cultivar a planta para fins medicinais, que não é considerada crime, em virtude da falta da regulamentação prevista no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Com essa interpretação, apontou, diversos acórdãos já concederam salvo-conduto para permitir que pessoas com determinados problemas de saúde pudessem realizar o cultivo e a manipulação da Cannabis.
Como consequência, o ministro reconheceu a viabilidade jurídica dos pedidos e julgou ser mais prudente proteger o direito à saúde dos envolvidos até o julgamento de mérito dos recursos ordinários pelas turmas competentes no STJ.
STJ e as decisões pró-cultivo da Cannabis
A aplicação de precedentes concedendo habeas corpus a pacientes que precisam cultivar cannabis sativa para tratamento de diferentes doenças se tornou frequente, por meio de decisões monocráticas no STJ.
Uma das decisões que baseou o ministro Og Fernandes foi de março do ano passado, quando o STJ assumiu o poder de decidir sobre a liberação da plantação de cannabis no país, em uma ação ajuizada pela empresa DNA Soluções em Biotecnologia, interessada no uso comercial da planta.
Para assumir o poder de decidir sobre o assunto, o tribunal deu seguimento a uma proposta de Incidente de Assunção de Competência (IAC). Um IAC é a declaração de que um determinado tema, relevante e de repercussão social, necessitaria de análise do colegiado do STJ para fundamentar decisões em outros tribunais no país.
Em junho do ano passado, a Terceira Seção do STJ, por maioria de votos, concedeu salvo-condutos para garantir que pacientes não sofram sanção criminal pelo cultivo doméstico de cannabis sativa destinado à extração do óleo com finalidade medicinal.
Ao analisar a decisão do STJ, advogados e cientistas políticos temem a interferência do Poder Judiciário em questões que deveriam ser definidas e discutidas pelo Congresso Nacional. Ao invés de respeitar o andamento do Legislativo, que pode manter a proibição do plantio de Cannabis a partir de argumentos de razoabilidade e de segurança pública, o Judiciário força o Legislativo a decidir ou ele mesmo tenta mudar a lei durante os julgamentos, sem competência para isso.