O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.| Foto: Flickr/TSE
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O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, entregou ao Congresso na terça-feira (25) propostas de emendas aditivas ao projeto de lei das Fake News. Segundo o próprio ministro, as ideias são inspiradas na experiência da atuação do tribunal durante as eleições de 2022.

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A proposta recorda textualmente as decisões de Moraes durante a corrida eleitoral, que incluíram censura a veículos de comunicação, como a própria Gazeta do Povo. Fala-se, por exemplo, na necessidade de coibir "fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados" contra a "integridade do processo eleitoral".

Artigos jornalísticos com fatos de veracidade incontestável, como a boa relação política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o ditador Daniel Ortega, da Nicarágua, foram encaixados em rótulos como esses durante a corrida eleitoral do ano passado.

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Para o advogado Igor Costa Alves, mestre em Direito pela Universidade de Lisboa, um dos problemas do que propõe o presidente do TSE é "a quantidade de termos genéricos que constam na sugestão". "Isso aumenta a margem de discricionariedade judicial. O Poder Judiciário tem uma margem de arbitrariedade muito grande com esses termos genéricos. Em tempos em que se discutem alguns excessos – nomeadamente do Poder Judiciário –, é bastante temerário que artigos de lei tragam termos como 'informações sabidamente inverídicas', fatos 'descontextualizados' etc.", comenta.

Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito e autor do livro "Instituições de Direito Eleitoral", também critica "a utilização de expressões demasiadamente vagas, porosas, abertas para descrever condutas ilícitas". "O que são fatos gravemente descontextualizados? No processo eleitoral de 2022, o candidato Lula foi blindado de responder sobre fatos verdadeiros, sobre falas e posições suas: que ele e o seu partido eram a favor do aborto; que ele era ligado politicamente a ditadores latino-americanos como Maduro e Ortega, além da ditadura cubana. Esses fatos eram verdadeiros, são de conhecimento notório, mas foram tratados como desinformação. Na prática, houve censura prévia e a imunização de uma candidatura de ser escrutinada por suas escolhas e posições políticas", observa.

Para Costa Alves, também chama a atenção que o fascismo e o nazismo sejam explicitamente mencionados no texto, mas o comunismo seja deixado de lado – Moraes sugere que as redes sociais ajudem a coibir "ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo". "Os grandes autores de Direito Constitucional, quando mencionam o perigo das ideologias para a democracia, citam as três ideologias totalitárias que foram mais famosas no século 20: fascismo, nazismo e comunismo. E, no texto da sugestão legislativa, não consta expressamente essa terceira ideologia."

Costa Alves ressalta ainda que a sugestão de Moraes ameaça a garantia prevista pelo artigo 220 da Constituição sobre a liberdade de informação. "Antes de surgir esse assunto das fake news, que ganhou foco nos últimos anos, a jurisprudência pacífica do Supremo era de que as informações equivocadas – e até mesmo as que porventura fossem consideradas mentirosas – estavam dentro da liberdade de expressão e dentro da liberdade de informação, inclusive quando fossem cometidas – e foram cometidas diversas vezes – pelos grandes meios de comunicação de massa."

Justiça Eleitoral teria o poder de definir o que é ou não verdade, dizem juristas

Para Soares da Costa, a sugestão de Moraes "positiva as normas editadas inconstitucionalmente pelo TSE para as eleições de 2022" e "concede à Justiça Eleitoral o poder de interferir no núcleo do debate político, de arbitrar e impor aos eleitores o que é e o que não é a verdade, que passa a ser pasteurizada, mediada por censores, como em ditaduras e regimes de exceção". "Na prática, a livre circulação de ideias que qualifica a democracia está sendo proscrita em favor da disciplina das ideias e fatos admitidos pelo selo oficial da Justiça Eleitoral", afirma.

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Costa Alves também reprova o excesso de poder que a Justiça Eleitoral teria se a sugestão do TSE fosse acatada. "Quão temerária não é a determinação, por juízes, do que é verdade e do que é mentira – em qualquer contexto, e ainda mais no calor de um processo eleitoral? Quantas violações à cláusula democrática constitucional não existem, potencialmente, nessa previsão? A Justiça Eleitoral começaria a dizer o que é verdade e o que é mentira, o que é descontextualizado e o que não é, o que é desinformação e o que não é. Isso seria, sem dúvida, um absurdo", observa.

Outro impacto das sugestões de Moraes, segundo Costa Alves, "seria a institucionalização de duas camadas de censura: uma pelas redes sociais e outra pelo aparato público".

Para Soares da Costa, a proposta transforma as plataformas privadas em executoras da censura chancelada pelo Estado. "Vimos como isso funcionou durante a pandemia. As redes sociais foram censoras de médicos, de cientistas e de vozes referenciadas que não endossavam as medidas tomadas", recorda. "A censura foi utilizada de modo a impedir qualquer questionamento legítimo feito por fontes legítimas", acrescenta. Na visão dele, o projeto está criando no Brasil "uma máquina de moer opositores políticos".

Uma potencial consequência negativa do PL das Fake News que pode ser exacerbada pela proposta de Moraes é o fechamento de canais para o exercício da livre manifestação no país. Na avaliação de Costa Alves, pesar a mão na exigência de que as redes sociais censurem os seus usuários pode ter, a médio prazo, o efeito de afastar algumas plataformas do Brasil. "Se elas são solidariamente responsáveis, civilmente, pelo que seus usuários postam, e se, depois de determinado momento, verificarem que não conseguem fazer um controle muito efetivo, e começarem a ter um decréscimo patrimonial por causa disso, elas vão acabar saindo do Brasil", diz.