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O “coquetel” de drogas contra o vírus HIV, causador da Aids, protege os pacientes e prolonga a vida, mas não chega a ser uma cura. Uma série de estudos recentes, publicados nas duas mais importantes revistas multidisciplinares de ciência do planeta, a americana “Science” e a britânica “Nature”, revelou que potentes anticorpos neutralizadores podem ter um efeito importante no controle da doença.

Os artigos, culminando com um divulgado nesta quarta (22) pela “Nature”, mostraram que os tais anticorpos “amplamente neutralizadores” protegeram pacientes que deixaram de tomar as drogas antirretrovirais e podem mesmo estar engajando o sistema de defesa do organismo a voltar a combater o vírus.

Essa linha de pesquisa poderá reverter no futuro um tratamento e uma forma de prevenção relativamente baratos para a doença, especialmente disseminada em países pobres da África.

“Os testes em modelos animais foram muito encorajadores, mostrando que os anticorpos podiam proteger contra a infecção”, disse ao jornal Folha de S. Paulo o pesquisador brasileiro Michel Nussenzweig, imunologista na Universidade Rockefeller, em Nova York, Estados Unidos. “Essa é uma área em grande movimentação”, diz o cientista. “Existe uma grande série de ensaios sendo feitos”.

Longo prazo

Nussenzweig é o líder do estudo publicado agora na “Nature” que revelou dados de um ensaio clínico com 13 pacientes infectados com o HIV-1. O anticorpo neutralizador usado é conhecido como 3BNC117. Pacientes que receberam quatro tratamentos com o anticorpo em intervalos de duas semanas experimentaram uma média de demora no retorno do vírus de 9,9 semanas, comparados com registros históricos que mostram uma média de 2,6 semanas.

O vírus HIV é notoriamente letal porque ataca justamente as células de defesa do organismo humano que deveriam impedir a infecção. É um tipo de “retrovírus”, muito simples geneticamente, mas perigoso especialmente por isso. Ele é capaz de múltiplas mutações e pode ficar dormente dentro de células humanas.

“As drogas antirretrovirais são ótimas e baratas, mas têm efeitos colaterais e não curam a doença”, diz o pesquisador brasileiro radicado nos EUA.

Em um estudo anterior, macacos receberam uma injeção de anticorpos que garantiu 23 semanas de proteção.

É esse efeito a longo prazo que Michel Nussenzweig e colegas procuram: obter terapias baratas e que possam ser aplicadas em locais com infraestruturas de saúde pública precárias, notadamente na África. “Esse é o objetivo da Fundação Bill e Melinda Gates, que patrocina esses ensaios”, diz o brasileiro, eleito em 2011 para a Academia de Ciências dos EUA.

Uma parte dos pacientes com Aids demonstrou atividade ampla de anticorpos contra o vírus HIV; algo já conhecido faz vários anos. Faltava tentar usar essa descoberta em termos práticos, algo que Nussenzweig e colegas têm aperfeiçoado.

Os superanticorpos são conhecidos pela sigla em inglês bNAbs, de “broadly neutralizing antibodies” (“anticorpos amplamente neutralizadores”). Eles atacam diferentes alvos em uma proteína na superfície do vírus, a gp160, que lembra uma série de pregos ou “espigões” grudados na esfera que constitui o vírus.

O pesquisador brasileiro desenvolveu um método particularmente eficaz para clonar esses superanticorpos.

O novo estudo é delicado em termos éticos, pois inclui substituir uma terapia que funciona -o coquetel antiviral- por outra ainda em pesquisa. Os participantes foram informados dos riscos, pois pararam com a medicação dois dias depois da primeira injeção de anticorpos.

Um grupo recebeu uma dose inicial do anticorpo 3BNC117 e outra 21 dias depois; outro grupo, além da dose inicial, recebeu doses semelhantes 14, 28 e 42 dias depois, desde que não houvesse o retorno do vírus. Se houvesse retorno do vírus acima de um limite especificado,a nova terapia seria descontinuada e a antiga restabelecida.

Os resultados mostraram que 30% dos participantes continuaram sem a volta do vírus mesmo quando as concentrações de anticorpos tinham caído muito, e em apenas um caso o vírus emergente parecia ter alguma forma de resistência ao 3BNC117. Como escreveram os autores do estudo na “Nature”, isso demonstrou uma “forte pressão seletiva” sobre os vírus emergindo de seus reservatórios.

Família

Michel é filho da dupla de parasitologistas Victor e Ruth Nussenzweig, dois renomados médicos e especialistas em malária, que se mudaram para os EUA por conta de perseguições políticas durante o regime ditatorial de 1964.

E por que Michel não seguiu nas pegadas dos pais, pesquisando malária”? “É algo mais limitado. O que eu faço é um problema muito grande e interessante”, diz o filho de Victor e Ruth.

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