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Há seis meses, o motorista Dirceu Moro Conque percebeu uma ferida na boca que não cicatrizava: de lá para cá, tenta marcar uma consulta com um oncologista | Dirceu Portugal/ Gazeta do Povo
Há seis meses, o motorista Dirceu Moro Conque percebeu uma ferida na boca que não cicatrizava: de lá para cá, tenta marcar uma consulta com um oncologista| Foto: Dirceu Portugal/ Gazeta do Povo

Descaso

Angústia de lutar contra a doença sem a ajuda do sistema público

Mesmo com o resultado de uma biópsia que indica carcinoma (tumor maligno que se expande), o motorista Dirceu Moro Conque, de 53 anos, não sabe quando terá sua primeira consulta com um oncologista – muito menos quando iniciará o tratamento. Morador de Ponta Grossa, ele é vítima de uma sequência de falhas no atendimento a pessoas com câncer.

Há seis meses, procurou o médico pela primeira vez, queixando-se de uma ferida na boca. Recebeu como resposta que era apenas um machucado em consequência do uso de prótese dentária. Como a dor não passava, foi ao postinho de saúde mais duas vezes, mas do mesmo médico só conseguia pomadas anestésicas e nenhum diagnóstico.

Quando buscou ajuda pela quarta vez, uma médica intuiu que o caso era mais sério e o encaminhou para o serviço de emergência, mas, no pronto-socorro, conseguiu apenas remédio para a dor. A essa altura, já faltava tanto ao trabalho que pediu para ser demitido.

Por indicação de um amigo, procurou o serviço de atendimento gratuito da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). Lá, a avaliação foi de que a ferida nada tinha a ver com a dentadura. O dentista sugeriu que Conque fosse a um laboratório e pagasse por uma biópsia para confirmar o diagnóstico, alegando que no sistema público iria demorar demais para agendar o exame. Foi o que o motorista fez, desembolsando R$ 240 do acerto trabalhista.

Demora

Mas o resultado indicando câncer, obtido no mês passado, não foi suficiente nem mesmo para agilizar a consulta com o oncologista. Quando procurou o médico pela primeira vez, a ferida tinha o tamanho de uma bolinha de sagu. Hoje já é como uma azeitona. Sem se alimentar direito, Conque está cada dia mais magro e fraco. Tem noites que a dor é tanta que ele não consegue dormir.

O motorista avalia a possibilidade de vender seu único bem – a casa onde mora – para pagar o tratamento e só não tomou essa decisão ainda porque não acha justo desassistir a família. A prefeitura de Ponta Grossa informou ao Ministério Público que há 199 pessoas na fila de espera por uma consulta oncológica e que a cota é de 55 consultas por mês.

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem fracassado nas ações para atender pacientes com câncer. A estimativa do Tribunal de Contas da União (TCU) é que 58 mil tratamentos de radioterapia e 81 mil cirurgias deixaram de ser feitos no ano passado. No Paraná, de cada cinco pacientes com indicação para radioterapia, um não teve acesso ao tratamento gratuito. Já para procedimentos cirúrgicos, um a cada quatro não foi operado. E, mesmo para quem consegue, a espera é longa: na média, a primeira sessão de radioterapia pelo SUS acontece cerca de três meses após a confirmação do diagnóstico.

Mesmo com problemas localizados, a rede de procedimentos de quimioterapia atende além da demanda. Graças à qualidade de algumas unidades públicas, usuários de planos de saúde acabam recorrendo ao tratamento quimioterápico do SUS. Por causa disso, 151% da de­­manda brasileira e 136% da necessidade dos paranaenses que de­­pendem do sistema público estariam sendo atendidas.

O relatório do TCU destaca que a incidência de câncer tem crescido no Brasil, acompanhando a mu­­dança do perfil etário da população, e atualmente representa a segunda maior causa de morte no país (17% dos óbitos). Os gastos pú­­blicos para combater a doença também subiram e passaram de R$ 1,48 bilhão em 2008 para R$ 1,92 bilhão em 2010, com previsão de R$ 2,2 bilhões em 2011.

Problemas

A conclusão do relatório é de que a rede de atenção oncológica não es­­tá suficientemente estruturada pa­­ra prestar o atendimento adequado à totalidade dos pacientes. O TCU indica ainda a demora entre o diagnóstico e o início dos procedi­­mentos buscando a cura. Ao contrário de outros países que são céleres no atendimento (veja infográfico), no Brasil o tempo de espera por radioterapia gira em torno de três meses. Para tratar uma doença que avança rapidamente, apenas 16% dos brasileiros dependentes do SUS conseguiram fazer a primeira sessão de radioterapia no prazo de um mês.

O levantamento indica que a demora em diagnosticar e tratar o câncer pode gerar consequências, como a diminuição das chances de cura e do tempo de sobrevida. Além disso, um tratamento realizado tardiamente pode trazer prejuízos à qualidade de vida dos pa­­cientes e culminar no aumento de gastos com tratamentos mais caros e prolongados.

Espera

A promotora Luciane Maria Duda, que trabalha no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública, conta que avaliação dos serviços oncológicos em Curitiba revelou que o prazo médio para início de radioterapia é de 32 dias e que 37% dos pacientes do interior do estado que são encaminhados para o Hospital Erasto Gaertner, referência no tratamento à doença, deveriam ser atendidos em unidades mais próximas da cidade de origem.

Por falta de equipe técnica em um hospital de Umuarama, desde junho 170 pacientes precisam viajar até Cascavel, distante 180 quilômetros, para fazer o tratamento on­­­cológico. Aline Copceski, 26 anos, conseguiu transferir para Maringá os cuidados médicos contra um linfoma. Mas não antes, segundo a médica que agora a atende, de ter complicações pela descontinuidade do tratamento. Ela não conseguiu a cura e teve de reiniciar as aplicações.

PR tem 21 centros de referência

A superintendente de gestão da Secretaria de Estado de Saúde, Marcia Huçulak, destaca que o Paraná tem centros de referência nacional em atendimento a pacientes com câncer e que está bem melhor que a média do Brasil. A avaliação do governo estadual é de que já há capacidade para dar conta da demanda e que estaria faltando apenas racionalizar alguns serviços, remanejando forças. Por exemplo, a aparelhagem de radioterapia já funciona no limite em Curitiba, atendendo inclusive a pacientes das regiões de Londrina e Pato Branco, onde estariam sobrando vagas.

"Não é um serviço para estar em todas as cidades. São aparelhos de R$ 3 milhões, que estão sempre evoluindo. Então, além de ser caro, não dá para instalar em um local que não terá profissional em condições técnicas para cuidar dos pacientes", explica. O Paraná tem 21 serviços de atendimento a pacientes com câncer, distribuídos nas cidades de Curitiba, Campo Largo, Campina Grande do Sul, Ponta Grossa, Guarapuava, Pato Branco, Foz do Iguaçu, Cascavel, Londrina, Maringá, Apucarana, Campo Mourão e Arapongas.

Marcia confirma que o ideal é que o tratamento seja iniciado o mais breve possível e que o diagnóstico precoce é fundamental para garantir condições de cura ao paciente. No Paraná, quase metade dos casos de câncer são descobertos quando o que resta a fazer são cuidados paliativos. "Infeliz­mente, muitos dos diagnósticos acontecem no setor de emergência do hospital, quando a pessoa chega com sangramento, e não em consultas, como deveria ser", diz.

Ministério

Marinez Gadelha, assessora técnica do Ministério da Saúde, afirma que algumas das recomendações apontadas pelo relatório do Tri­­bunal de Contas da União (TCU) já estão em andamento e reforça que a pesquisa foi feita com base numa estimativa de novos casos de câncer. "Então, não significa que o brasileiro não esteja sendo tratado. Nós acreditamos que o déficit é bem menor", diz.

Ela enfatiza o aumento, ano a ano, dos investimentos e comenta que os planos privados de saúde estão sendo cobrados pelos atendimentos que acabam recaindo no sistema público. O governo prevê até 2014 a doação de 37 equipamentos de radioterapia para centros de referência – nenhum para o Paraná.

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