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Ministério Público investiga se há exploração de crianças em apresentações natalinas do banco | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
Ministério Público investiga se há exploração de crianças em apresentações natalinas do banco| Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo

Cultura

Para exemplificar a gravidade do trabalho infantil, a professora de Serviço Social Jucimeri Isolda Silveira, da PUCPR, cita um estudo mostrando que 92% dos trabalhadores identificados em situação de escravidão no Pará não tiveram acesso à educação porque trabalhavam quando eram crianças. Uma barreira ao combate da exploração é que a sociedade ainda acha natural que as crianças trabalhem e ajudem ou sejam responsáveis por todo o orçamento da família. "É aquela velha história de que é melhor trabalhar que roubar, mas o trabalho infantil não é algo natural e nem de longe é a melhor solução para prevenir outras situações de risco."

Cantores

Investigação seria forma de assegurar direitos das crianças

O coral do banco HSBC passou a ser investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) depois que educadores dos abrigos onde as crianças são mantidas denunciaram que as condições de alimentação e a carga horária das atividades durante ensaios e apresentações estariam prejudicando as crianças. Segundo a procuradora do MPT Cristiane Lopes, a intenção com a investigação não é acabar com as atividades do coral, mas tornar as regras transparentes de maneira que as crianças tenham seus direitos assegurados. "Precisamos determinar as características desse trabalho e fazer com que o Conselho Tutelar, a FAS e os órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente fiscalizem e possam fazer inspeções", diz.

A professora do curso de Direito do Unicuritiba Érika Paula de Campos concorda. "Pelas informações que li, há uma aura de trabalho infantil, sim, e essa investigação é importante para verificar as condições em que essas crianças desempenham as atividades."

Ela descarta, no entanto, que isso configure motivo para que as apresentações sejam suspensas. "Mesmo que se verifique que as crianças não tiveram prejuízos, será importante para garantir que os direitos são respeitados e as condições se tornem cada vez melhores."

O surpreendente anúncio de que o coral do Palácio Avenida, tradicional evento natalino de Curitiba, é alvo de investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) por suspeita de exploração da mão de obra das crianças trouxe à tona uma questão: afinal de contas, o que caracteriza o trabalho infantil? O banco HSBC, responsável pelo coral, garante que a apresentação não passa de uma manifestação artística, mas especialistas discordam.

A mestre e doutora em Direito do Trabalho e professora do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) Érika Paula de Campos explica que, pela Constituição Brasileira, é proibido que pessoas com menos de 16 anos trabalhem. As únicas exceções são feitas para adolescentes entre 14 e 16 anos que sejam registrados em empresas como aprendizes. Érika diz que a avaliação do que caracteriza trabalho segue o que está apresentado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ou seja, empregado é aquele que presta serviço não eventual e segue uma hierarquia, mesmo que não receba remuneração.

Acesso à educação

Segundo a lei, no caso dos aprendizes, é preciso garantir que o adolescente esteja frequentando a escola e fazendo aulas complementares, como cursos de línguas ou informática. "O importante é que ele tenha horários diferenciados, trabalhe em condições adequadas que não firam sua moral e o trabalho funcione como forma de ampliar a educação dessa pessoa, e não explorá-la", explica a procuradora do MPT Cristiane Lopes. De acordo com a denúncia feita ao MPT, as crianças do coral estariam chegando muito cansadas por causa da rotina de ensaios e apresentações.

A professora Jucimeri Isolda Silveira, do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que a identificação da exploração do trabalho infantil passa pela avaliação da existência de dano para o desenvolvimento da criança ou do adolescente. "Principalmente, se a atividade é motivo de danos físicos ou problemas psicológicos."

Trabalhos artísticos

A procuradora Cristiane Lopes explica que há questões específicas envolvidas nos trabalhos artísticos, classificação usada para o caso do coral do HSBC. "Trabalhar com arte não deixa de ser trabalho e as pessoas precisam ter proteção. Considerar que manifestações artísticas não são trabalho é o mesmo que dizer que artistas de circo, teatro e tevê não são trabalhadores", afirma.

Ela cita o exemplo das crianças que trabalham em novelas, peças de teatro ou atuam como modelos em desfiles e anúncios publicitários. "Esses trabalhos são possíveis, mas devem ser monitorados para que não causem consequências às crianças envolvidas. A criança pode fazer novela, mas a empresa precisa provar que ela não tem prejuízos na escola ou em sua vida pessoal."

Nesses casos, a noção de trabalho artístico leva em conta se o resultado da ação gera apropriação e, possivelmente, lucro a terceiros, o que parece ser o caso do banco. "Se a criança faz parte do grupo de dança da escola e se apresenta com ele, não há terceiros se beneficiando. Agora, se ela faz isso para que uma empresa ganhe dinheiro ou visibilidade na mídia com as apresentações, a situação é totalmente diferente."

Segundo Jucimeri, o ideal no caso do coral do HSBC seria que o trabalho gerasse acesso a aulas de canto, dança ou outras ações que fomentassem a educação das crianças. "O interesse superior continua sendo o da criança que está se apresentando e é preciso garantir que a atividade tenha impactos positivos em seu desenvolvimento."

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