O surpreendente anúncio de que o coral do Palácio Avenida, tradicional evento natalino de Curitiba, é alvo de investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) por suspeita de exploração da mão de obra das crianças trouxe à tona uma questão: afinal de contas, o que caracteriza o trabalho infantil? O banco HSBC, responsável pelo coral, garante que a apresentação não passa de uma manifestação artística, mas especialistas discordam.
A mestre e doutora em Direito do Trabalho e professora do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) Érika Paula de Campos explica que, pela Constituição Brasileira, é proibido que pessoas com menos de 16 anos trabalhem. As únicas exceções são feitas para adolescentes entre 14 e 16 anos que sejam registrados em empresas como aprendizes. Érika diz que a avaliação do que caracteriza trabalho segue o que está apresentado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ou seja, empregado é aquele que presta serviço não eventual e segue uma hierarquia, mesmo que não receba remuneração.
Acesso à educação
Segundo a lei, no caso dos aprendizes, é preciso garantir que o adolescente esteja frequentando a escola e fazendo aulas complementares, como cursos de línguas ou informática. "O importante é que ele tenha horários diferenciados, trabalhe em condições adequadas que não firam sua moral e o trabalho funcione como forma de ampliar a educação dessa pessoa, e não explorá-la", explica a procuradora do MPT Cristiane Lopes. De acordo com a denúncia feita ao MPT, as crianças do coral estariam chegando muito cansadas por causa da rotina de ensaios e apresentações.
A professora Jucimeri Isolda Silveira, do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que a identificação da exploração do trabalho infantil passa pela avaliação da existência de dano para o desenvolvimento da criança ou do adolescente. "Principalmente, se a atividade é motivo de danos físicos ou problemas psicológicos."
Trabalhos artísticos
A procuradora Cristiane Lopes explica que há questões específicas envolvidas nos trabalhos artísticos, classificação usada para o caso do coral do HSBC. "Trabalhar com arte não deixa de ser trabalho e as pessoas precisam ter proteção. Considerar que manifestações artísticas não são trabalho é o mesmo que dizer que artistas de circo, teatro e tevê não são trabalhadores", afirma.
Ela cita o exemplo das crianças que trabalham em novelas, peças de teatro ou atuam como modelos em desfiles e anúncios publicitários. "Esses trabalhos são possíveis, mas devem ser monitorados para que não causem consequências às crianças envolvidas. A criança pode fazer novela, mas a empresa precisa provar que ela não tem prejuízos na escola ou em sua vida pessoal."
Nesses casos, a noção de trabalho artístico leva em conta se o resultado da ação gera apropriação e, possivelmente, lucro a terceiros, o que parece ser o caso do banco. "Se a criança faz parte do grupo de dança da escola e se apresenta com ele, não há terceiros se beneficiando. Agora, se ela faz isso para que uma empresa ganhe dinheiro ou visibilidade na mídia com as apresentações, a situação é totalmente diferente."
Segundo Jucimeri, o ideal no caso do coral do HSBC seria que o trabalho gerasse acesso a aulas de canto, dança ou outras ações que fomentassem a educação das crianças. "O interesse superior continua sendo o da criança que está se apresentando e é preciso garantir que a atividade tenha impactos positivos em seu desenvolvimento."