| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Reações à vacina contra o rotavírus, indicada para a prevenção de gastroenterites graves em bebês, vêm gerando desconfiança Brasil afora. É na internet que relatos sobre casos de crianças que tiveram problemas após receber uma das doses do imunizante ganham força por meio de abaixo-assinados, blogs e comunidades. Por usa vez, médicos rebatem as teses e garantem que a vacina é segura, além de ter papel importante na redução de hospitalizações e mortes de bebês no país. A presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIM), Isabella Ballalai, afirma que não há relação entre óbitos, alergias e a vacina contra o rotavírus. (Leia mais sobre o que dizem os médicos abaixo.)

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Nas redes sociais, circulam histórias de crianças que, após entrarem contato com a substância preventiva, teriam desenvolvido quadros de alergia à proteína do leite de vaca, intolerância à lactose, forte diarreia e vômito. Alguns são mais expressivos e citam até a morte de recém-nascidos.

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Somente o grupo “Contra a vacina rotavírus”, criado no Facebook, tem quase 2 mil membros. As mães usam a plataforma para trocar apoio, relatos, dúvidas sobre os efeitos da imunização e orientações sobre higiene, a fim de evitar a contaminação dos bebês pelo vírus. A infecção é transmitida por via oral-fecal.

De Guarulhos (SP), a fotógrafa e arquiteta Eliza Mazzuca, 33 anos, se voltou para o assunto depois de perder a filha Laura, de dois meses. A menina, segundo ela, estava bem até ser vacinada contra o rotavírus. Seis dias depois da primeira dose, o bebê começou a apresentar um quadro de diarreia, seguido de desidratação. Foram quatro dias de internação até o óbito. “Os médicos dizem que o risco é 0,5%, por exemplo, mas esse risco representou 100% da minha alegria”, define Eliza.

Hoje, ela faz parte de um grupo de 300 mães de crianças que apresentaram algum tipo de reação adversa e que, agora, buscam se mobilizar para, ao menos, alterar a aplicação da vacina nos bebês brasileiros. Elas seguem na expectativa para que um abaixo-assinado solicitando a suspensão e revisão do imunizante alcance 2 mil assinaturas e possa chegar até o Ministério da Saúde.

A petição online já tem 1,8 mil apoiadores. Ainda assim, lamenta Eliza, faltam pesquisadores que queiram se debruçar sobre o problema. “Para que tenhamos algo científico, precisamos que alguém se interesse em estudar o assunto. É complicado porque não temos muito apoio dos médicos. Alguns dizem que as crianças já teriam esses problemas”, afirma.

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Uma das alternativas, acredita a mãe, seria a possibilidade de vacinar os bebês depois dos primeiros meses de idade, quando o organismo já estivesse mais resistente a uma possível reação. Outro ponto seria o direcionamento das doses para regiões onde houvesse falta de saneamento básico ou outras condições que colocassem as crianças potencialmente em risco, em relação ao rotavírus. “Não quero assustar outras mães, dar ou não a vacina é uma decisão pessoal delas. Devem seguir seu coração. Só não quero que sofram o que eu passei. Não somos lenda”, diz Eliza.

Coincidência temporal, dizem os médicos

Nos consultórios, contudo, a adesão à vacina contra o rotavírus é praticamente unanimidade entre os médicos.

Primeiros casos de rotavírus surgiram na década de 1970

A vacina contra o rotavírus protege contra diarreia grave, frequentemente associada à febre e ao vômito. O rotavírus é um vírus da família Reoviridae, um dos maiores agentes causadores de gastroenterites e mortes de crianças menores de 5 anos no mundo.

Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, a primeira detecção de gastroenterite aguda causada pelo vírus ocorreu em Belém, no Pará, em 1976. Foi o resultado de um estudo envolvendo 25 crianças hospitalizadas ou com atendimento ambulatorial, com quadro diarreico agudo.

A vacina contra o rotavírus é constituída por vírus vivos atenuados - vivos, porém enfraquecidos. São duas aplicações – aos 2 e 4 meses de idade, na rede pública, e três, na particular, neste caso, aos 6 meses de idade também.

O presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, defende que reações como alergia à proteína do leite de vaca ou diarreia são coincidências temporais. “Como no primeiro ano de vida são dadas várias vacinas, há uma associação dos leigos quase que inevitável de que a reação será por conta da vacina. Mas, na maior parte das vezes, é uma coincidência”, enfatiza.

Kfouri observa ainda que qualquer vacina pode causar efeitos colaterais como febre e mal-estar, mas que os sintomas não se comparam à doença a que se pretender evitar. “A vacina do rotavírus, eventualmente, mexe com o intestino um pouco, mas é coisa leve, passageira”, diz ele, ao reforçar que não possibilitar que crianças sejam imunizadas contra o rotavírus não tem justificativa. O imunizante, segundo ele, reduziu significativamente hospitalizações e mortes de bebês no país, nos últimos anos, e tem sua oferta baseada em estudos seguros. “A vacina já mostrou sua eficácia, tanto que é usada na rotina de países do mundo todo”, sustenta.

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Para a presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIM), Isabella Ballalai, também não há relação entre óbitos, alergias e a vacina contra o rotavírus. “São milhares de doses aplicadas no Brasil todo, desde 2007. Isso fez uma grande diferença entre as crianças”, argumenta.

A especialista segue o raciocínio da SBP. Quando a incidência de problemas citados pelas mães não aumenta após a oferta da vacina, pode-se dizer que as situações não foram provocadas pelo imunizante, mas por coincidência temporal. Os casos que ocorreram com crianças entre 2 e 4 meses de idade, submetidas às doses da vacina, aconteceriam com ou sem imunizante.

“Dizemos que o resultado com a vacinação acaba se tornando o maior inimigo da vacina. A grande maioria das mães hoje não conhece o que é uma diarreia por rotavírus. Mas há dez anos, que mãe não se lembraria e gostaria da vacina?”, questiona a médica, que acredita que , hoje, o que move a vacinação é o medo de novas contaminações.