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Segundo o diretor Renato Geffer, da Escola José Elias, as empresas “terceirizadas”, contratadas irregularmente, estariam sem receber há 60 dias | Wagner Alves/Gazeta do Povo
Segundo o diretor Renato Geffer, da Escola José Elias, as empresas “terceirizadas”, contratadas irregularmente, estariam sem receber há 60 dias| Foto: Wagner Alves/Gazeta do Povo

Falta de regularidade dos ônibus deixa crianças fora da escola

Aline Peres

Quem precisou de transporte ontem para ir à escola em pelo menos 15 localidades da zona rural de Rio Branco do Sul, na Grande Curitiba, ficou na mão. Só na Escola Estadual José Elias, no Distrito de Açungui, cerca de 200 alunos faltaram à aula pela manhã. Segundo o diretor Renato Geffer, os problemas no transporte escolar não são de hoje. O início do ano letivo teve que ser adiado em uma semana, por causa da falta de fretamento.

Ele diz que ficou sabendo que as empresas terceirizadas estariam há 60 dias sem receber o pagamento pelo trabalho, por isso não havia ônibus. À tarde, ele estava na expectativa se os alunos da noite viriam ou não às aulas. Os faltosos terão de repor o conteúdo perdido, mas ele não diz saber quando, já que o problema do transporte está indefinido. Ao todo, a escola tem 740 alunos.

O colégio é tido como o mais distante na área rural. Está há 18 quilômetros do asfalto que leva ao centro do município. Levantamento da escola estima que somente 5% dos alunos moram a menos de dois quilômetros e o restante depende única e exclusivamente do fretamento. Diariamente, são 32 ônibus e 29 alimentadores, entre vans e kombis, que atendem um raio de 30 quilômetros e moradores de 15 localidades. A escola atende alunos de Cerro Azul, Castro e Itaperuçu, também.

Tristeza

Para Mara Faria, tia de Diego, 16 anos, um dos alunos que não foi para escola ontem, a situação é triste. Quem vai para o grupo escolar, que fica no bairro São Vicente, tem de ir a pé, caso a professora da pequena escola não venha buscar os alunos. Porém, os sobrinhos que moram no mesmo terreno e estão no ensino fundamental precisam do ônibus escolar. Elas afirma que tem ônibus, mas os veículos não trabalham com frequência. "Se chover, aí sim que não vem".

A filha de Lídia Machado, moradora no Alto Açungui, também foi uma das crianças que esperou o ônibus, mas ele não chegou. A mãe, no entanto, já imaginava por causa dos boatos. O extrator de pinus Mario Teixeira também reclama. Segundo ele, os ônibus são ruins, muito deles velhos e chegam a não aparecer por dias. Na semana passada, a filha dele, de 8 anos, ficou três dias sem ir à escola.

Uma denúncia de fraude em licitações de transporte escolar na região metropolitana de Curitiba levou duas pessoas à prisão ontem. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MP) do Paraná, cumpriu 14 mandados de busca e apreensão nas cidades de Rio Branco do Sul e Itaperuçu, inclusive dentro das prefeituras, durante a Operação Caminho Certo.Segundo o MP, as irregularidades estão comprometendo o transporte de 13.894 alunos das redes estadual e municipal. Mais de vinte pessoas podem estar envolvidas em um esquema que burlou regras das concorrências, avaliadas em R$ 4,6 milhões. Na operação foram detidos os empresários Louri Manoel da Silva e Wágner Luis da Silva, pai e filho.

O promotor de Rio Branco do Sul, Ivan Barbosa Mendes, diz que as frotas das empresas Nenetur Transporte Ltda e Ntur Transporte Ltda, vencedoras das licitações em Rio Branco do Sul e Itaperuçu, respectivamente, não conseguem atender a demanda por transporte nos municípios. Para isso, de acordo com o MP, elas estariam "terceirizando" o serviço em subcontratos com outras empresas de parentes e "apadrinhados" de vereadores, prefeito, ex-prefeito e secretários municipais. Uma prática proibida pela Lei das Licitações (8.666/93), nos artigos 90, 92 e 96.

Segundo o MP, a Nenetur teria apenas três veículos registrados no Departamento de Trânsito (Detran) do Paraná e a Ntur possuiria 17, sendo duas motocicletas. O principal exemplo de fraude, informa Mendes, teria ocorrido no contrato firmado entre a Nenetur e a prefeitura de Rio Branco do Sul. A licitação previa 104 linhas, com um veículo para cada uma. "Eles não tinham estrutura e procuravam outras pessoas para prestar o serviço", diz o promotor. Os proprietários das duas empresas chegavam a pagar R$ 3 mil para terceiros por transporte até 100 quilômetros, conforme acusação do Gaeco. Segundo o MP, embora a Nenetur e a Ntur tenham donos diferentes, quem gerenciaria as empresas seria Louri Silva.

Segundo o promotor Denilson Soares de Almeida, do Gaeco, há denúncias de que as duas empresas tenham participado das mesmas licitações juntas. Além disso, os promotores suspeitam que as vitórias nas concorrências podem ter ocorrido mediante pagamento de propina. "Há suspeita ainda de fraudes em outras licitações", relata.

O caso começou a ser investigado há menos de um mês, quando uma denúncia anônima teria revelado o problema aos promotores. Os dois suspeitos podem ser indiciados por formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, crime contra processo licitatório e até sonegação fiscal. A prisão temporária dos detidos expira em cinco dias e poderá ser prorrogada por mais cinco. Os advogados deles foram procurados pela reportagem, mas preferiram não se pronunciar. Representantes das prefeituras e das câmaras municipais não foram localizados para comentar o caso.

Testemunha

Uma testemunha, próxima dos donos das empresas, que pediu para não se identificar, disse que um mecânico teria sido usado como "laranja" para que a Ntur fosse aberta em seu nome. O funcionário, que não receberia nem R$ 1 mil por mês, teria assinado diversos documentos sem ter conhecimento do conteúdo para que a empresa fosse registrada. Há cerca de um ano, a NTur teria sido repassada para o nome do filho do proprietário da Nenetur. A testemunha informa que o mecânico é responsável pela manutenção dos veículos das empresas. Ele teria parentesco com um dos prefeitos das duas cidades citadas.

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