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Amanda Guimarães, uma das duas modelos negras que participaram do Crystal Fashion, realizado nesta semana, em Curitiba | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Amanda Guimarães, uma das duas modelos negras que participaram do Crystal Fashion, realizado nesta semana, em Curitiba| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

Com a palavra, os modelos

Clarissa Caetano já estava acostumada a ser a única modelo negra nas passarelas paranaenses e concursos de beleza. "Isso nos torna poucos e únicos para qualquer trabalho. Mas ainda assim, trabalho menos que uma modelo branca no meu perfil", comenta a curitibana de 27 anos, há dez contratada pela DM. Jaqueline Confortin, 24 anos, também da DM, teme um preconceito maior com as cotas. "Acho que a conscientização não vem pela obrigatoriedade."

A maranhense Amanda Ribeiro, 23 anos, que só começou a carreira com o diploma universitário debaixo do braço, diz nunca ter sentido preconceito, mas reconhece que o mercado é restrito. "A única negra que ganhou projeção de verdade foi Naomi Campbell. Mas isso não é só na moda. Na minha turma de faculdade, eu era a única negra", afirma.

Jonny Silva, 22 anos, da Ford, diz que o próprio mercado regula as cotas. "As grifes pedem um ou dois modelos negros. Na publicidade é diferente. Hoje há uma procura maior por modelos negros para comerciais de tevê e fotos publicitárias. O problema é o fashion e eu acho que as cotas podem melhorar isso." (LJ e Danielle Brito)

  • Johnny Silva: mercado regulador
  • Jaqueline Confortin: não às cotas
  • Clarissa Caetano: perfil único

Primeiro o Ministério Público implicou com o raquítico IMC (índice de massa muscular) das modelos brasileiras. Agora, quer ver a diversidade nacional representada nas passarelas. E lá vão os juristas discutir de novo com o povo da moda. Desta vez, sobre as cotas raciais sugeridas nesta semana pela promotora Déborah Kelly Affonso, do grupo de atuação especial de inclusão do Ministério Público. O assunto veio à tona depois que o jornal Folha de São Paulo publicou na série de reportagens sobre a São Paulo Fashion Week – o principal evento de moda da América Latina – um controle diário da magérrima participação de modelos negros no evento de janeiro do ano passado. A Promotoria não gostou do que viu e abriu um inquérito para apurar a prática de racismo na SPFW.

O evento divulgou nota esclarecendo que não exerce qualquer tipo de interferência na criação das marcas e estilistas, seja em cenário, coleção ou casting (escolha dos modelos), mas assume que vai participar das discussões sobre o assunto. Como já o fez, aliás. O diretor do evento, Paulo Borges, sentou com a promotora e um grupo de estilistas e agentes para conversar sobre o assunto. Atualmente, a média é de um modelo negro por desfile, cerca de 3% do casting geral. No Brasil, 49,7 % da população é composta por negros e pardos, segundo o último censo do IBGE (de 2007). No Paraná são 28,58% e, em Curitiba, 25,05%. Enquanto não vem o acordo de inclusão social – que estabeleceria um número mínimo de modelos negros a desfilar na SPFW –, o burburinho em território fashion já começou. Para o produtor de moda Paulo Martins, que assina a direção artística do Crystal Fashion, em Curitiba, a medida seria uma forma de equilibrar a participação negra nas passarelas nacionais. "Eu sempre coloco um modelo negro nos desfiles, mas já sofri recusa de dono de marca. A alegação era que o consumidor negro não tinha perfil para usar o produto", comenta.

Quanto às alegações de que as cotas poderiam atrapalhar os conceitos dos desfiles – muitos estilistas dizem que a escolha dos modelos pode servir para reforçar uma ideia –, Paulo avisa que desfile é performance e negócio – para o resto existem elementos cênicos e maquiagem. "O que não dá para esquecer é que modelos obedecem a um padrão de medidas. Quem estiver fora disso, não entra. Nem para cumprir cota."

Para a procuradora da Universidade Federal do Paraná e membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFPR, Dora Lúcia de Lima Bertulio, o principal benefício desta ação seria alçar o negro a um espaço de valorização da sua imagem. "Achei preconceituoso o comentário da estilista Glória Coelho (em matéria da Folha de São Paulo) dizendo que já há muitos negros trabalhando no mercado da moda, como costureiros e modelistas. Por que não podemos ter modelos negros?", questiona ela, que aponta as cotas como oportunidade de emprego para muitos jovens, que hoje se sentem desestimulados pelo preconceito. Já o diretor da agência DM, Aguinaldo de Campos Cardoso, vê a cota como discriminação e não reconhecimento. "Fica aquela ideia de que a pessoa não conquistou o lugar por merecimento, mas por imposição", diz. Com relação ao mercado, ele contraria a informação de que modelos negros trabalham menos que os brancos de mesmo perfil. "O fluxo é maior para modelos de pele clara, mas os modelos negros que eu tenho trabalham muito. Já os asiáticos sofrem discriminação", diz ele, que tem no casting da agência 45 negros, em um total de 650 profissionais.

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As cotas vão garantir a valorização da beleza negra?

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