Levantamento da prefeitura de Curitiba em parceria com o Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas (Comped) mostra que, de 49 comunidades terapêuticas localizadas em Curitiba e região, apenas quatro estão funcionando em completo acordo com a resolução da Anvisa (RDC 101-2001) que gere o funcionamento desse tipo de instituição. O relatório, elaborado pela conselheira e ex-presidente do Comped Beatris Kemper, mostra que 90% das instituições têm algum tipo de problema relacionado à documentação, estrutura ou pessoal. Em vários casos falta corpo clínico especializado (médicos, enfermeiras, psicólogos e terapeutas ocupacionais), o espaço físico é inadequado, apertado, pouco ventilado e não oferece atividades recreativas ou esportivas. Além disso, a maioria das comunidades não consegue obter a documentação exigida pelos diferentes órgãos da União, estado e município.
As comunidades terapêuticas fazem o atendimento extra ou pós-hospitalar de dependentes químicos. Na maioria das vezes, são ONGs ou associações sem fins lucrativos e têm ligações com igrejas. Apostam na convivência dos dependentes como base para a recuperação e costumam a usar pouco ou até mesmo evitar o uso de remédios entorpecentes ou psicotrópicos.
As comunidades terapêuticas representam a principal possibilidade de recuperação para pessoas carentes. "A maioria das famílias carentes não tem condições de pagar uma clínica particular. E mesmo famílias com mais dinheiro já tentaram tantas clínicas que buscam o internamento na instituição que aceitar. Muitas pessoas que já nem têm mais vínculos familiares acabam nas comunidades", diz Beatris.
O relatório está agora sendo analisado pelas secretarias Antidrogas, de Saúde e pela Fundação de Ação Social (FAS). De acordo com o secretário municipal Antidrogas, Fernando Francischini, a expectativa é criar para 2010 uma rede de comunidade terapêuticas, com apoio público e, dessa forma, aumentar o número de vagas para tratamento de dependentes químicos. "Percebemos que o tratamento unicamente ambulatorial não surte efeito com o crack. Por isso, os Caps (Centros de Atendimentos Psicossocial) não se mostraram efetivos na questão do crack. A pessoa passa o dia ali e de noite vai atrás da droga", diz.
O relatório mostra que as comunidades terapêuticas visitadas atendem 1.279 pessoas. Em boa parte dos casos, as famílias não pagam pela internação. "A regra é: quem pode pagar paga. Quem não pode não paga. Não deixamos alguém de fora porque não tem recursos. Se ela quer se recuperar, a pessoa entra", diz Francielly de Bastos Ormelez. responsável pela Comunidade Terapêutica Casa de Retorno ao Lar, no São Braz.
Por meio de convênios, a FAS garante o atendimento de 165 pessoas nas comunidades terapêuticas. Em centenas de outros casos, a FAS encaminha os pacientes de maneira informal. A expectativa é de que a rede possa oferecer mais 100 vagas já no ano que vem. Além do aumento no número de vagas, a ideia é estabelecer um padrão de qualidade para o atendimento. "Essas comunidades vão apresentar projetos para nós e nós vamos dar apoio. Esse apoio significa dinheiro sim, mas também significa ajuda técnica da Secretaria da Saúde e da FAS", diz Franschini.
Atualmente não é o que ocorre. A Comunidade Terapêutica Casa de Retorno ao Lar, no São Braz, é umas das instituições presentes no relatório. De acordo com o estudo, a comunidade precisa de corpo técnico fixo, material de construção, recursos para cobrir despesas fixas (aluguel, água e luz) e apoio para colocar a documentação em dia. A história da casa Retorno ao Lar é um resumo da situação das comunidades terapêuticas. Nasceu de uma iniciativa isolada, tem apoio de uma igreja (Igreja do Evangelho Quadrangular da Vila Real), conta somente com apoio de colaboradores, luta pra cumprir todas as exigências impostas pelo poder público e atende dependentes de álcool e crack. "Tudo aqui é difícil. Nem o documento para ter desconto na água e luz eu consigo."
Segundo ela, porém, a experiência mostra que é possível reintegrar os usuários de droga à sociedade. "Dizem que quem usa crack não se recupera, mas é mentira. Tem pessoas que chegaram aqui no fundo do poço, passaram os nove meses e hoje estão recuperadas. Tem família e emprego e fazem questão de nos ajudar."
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