Pré-candidatos à presidência da República que se posicionam como alternativas à polarização do eleitorado entre o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o pleito de 2022 têm uma dificuldade pela frente com eleitores conservadores: convencê-los de que, em temas fundamentais da vida e questões de costumes – como religião, aborto, armas, drogas e família –, eles não atuarão com viés ideológico esquerdista.
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A questão tem preocupado os presidenciáveis da terceira via. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), por exemplo, publicou em junho um vídeo falando sobre suas visões sobre o cristianismo, para tentar se desassociar da imagem de ateu. Já o ex-juiz Sergio Moro abordou em seu discurso de filiação ao Podemos sobre a importância de “uma sólida formação moral”, de “proteger a família brasileira contra a violência, contra a desagregação e contra as drogas”, e dos “valores cristãos” para uma economia mais solidária.
Em geral, no entanto, pré-candidatos considerados representantes da terceira via, como Ciro, Moro, João Doria (PSDB) e Luiz Felipe D’Ávila (Novo) costumam falar pouco sobre as pautas de costumes.
A Gazeta do Povo reuniu o que eles já disseram sobre questões do tipo.
Sergio Moro
Em relação a assuntos como defesa da vida, ideologia de gênero e posse de armas – as chamadas “pautas de costumes” –, Moro costuma ser vago e reservado. Na sua filiação ao Podemos, ele chegou a tocar mais diretamente em uma dessas pautas, ao falar no problema da dependência de drogas: “Precisamos proteger a família brasileira contra a violência, contra a desagregação e contra as drogas que ameaçam nossas crianças, jovens e adultos”, afirmou ele. “Propomos incentivar a virtude e não o vício, uma sólida formação moral e cidadã”, acrescentou.
Moro também falou em “valores cristãos” ao abordar a necessidade de uma economia mais solidária. “O nosso senso de comunidade impede que adotemos um capitalismo cego, sem solidariedade ou compaixão. O nosso senso de justiça, os nossos valores cristãos e que são compartilhados pelas outras religiões, exigem que as grandes desigualdades econômicas sejam superadas.”
Além disso, no início do discurso, fez uma possível alusão crítica à forma como o atual governo aborda a questão do armamento, ao dizer que “nossas únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça”.
Em uma live de agosto de 2020 no canal do YouTube da Necton Investimentos, Moro respondeu a uma questão direta sobre seu posicionamento em temas de costumes.
“Sou casado com a mesma esposa há mais de 20 anos, tenho família, tenho filhos. Então, em geral, sou uma pessoa conservadora. Não sou dado a grandes comportamentos diferenciados. Sou uma pessoa de família. Agora, eu acho que no âmbito de costumes a tolerância é importante. Vivemos uma democracia, e discursos de ódio contra minorias, inclusive minorias decorrentes de opções sexuais, não são aceitáveis. Acho que nós não podemos incorrer nestes erros que temos visto de discursos de ódio, principalmente em redes sociais”, afirmou.
Em duas ocasiões diferentes em que falou sobre aborto – uma em 2002 e outra em 2020 –, Moro deixou entrever um positivismo jurídico em sua forma de abordar a questão. Em trecho de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele comenta a decisão da Suprema Corte norte-americana que legalizou o aborto nos Estados Unidos durante os três primeiros meses de gestação.
O ex-juiz elogiou tecnicamente a decisão: “Diga-se em seu favor que ela, de certa forma, representa uma solução intermediária para a questão do aborto, satisfazendo em parte as duas correntes absolutamente opostas sobre o tema”. É preciso ressaltar, contudo, que a tese foi entregue há quase duas décadas, em 2002.
Uma impressão mais recente de Moro relacionada ao aborto foi manifestada também na live do YouTube da Necton Investimentos em agosto de 2020. Um dos entrevistadores questionou o ex-juiz sobre o caso da menina de 10 anos vítima de estupro que realizou um aborto, e Moro sugeriu que o certo, no caso em questão, era fazer o procedimento:
“Essa interrupção foi realizada nos termos da lei. A lei autoriza o aborto em caso de risco à vida da mãe e em caso de estupro. Foi um procedimento legal. Algumas pessoas discordam em absoluto, mesmo nessas circunstâncias. Outras entendem que são circunstâncias razoáveis. Eu sou um seguidor da lei, basicamente”, disse o ex-juiz.
Já em 2 dezembro, em entrevista à Jovem Pan, Moro afirmou que é contra o aborto e defendeu a permanência da legislação atual sobre a questão. “A legislação também prevê [possibilidade de abortar] caso a concepção tenha sido produto de estupro. É muito pesado você obrigar [a mulher a seguir com a gestação]. Se a mãe quiser manter a gravidez, se for uma decisão pessoal dela, é algo legítimo, absolutamente legítimo. Mas, forçar ela a continuar [a gerar o bebê], eu acho muito pesado o Estado fazer isso. É exigir um sacrifício muito grande. Se a pessoa quiser, tem que vir do íntimo dela. É algo que ela tem com a consciência pessoal dela, com os valores que ela tenha, eventualmente, perante Deus e a própria consciência”, afirmou o pré-candidato do Podemos.
O ex-juiz não costuma dar pistas sobre sua própria crença religiosa. Sabe-se que Deltan Dallagnol, figura pública mais próxima de Moro, também é cristão – o ex-procurador é da Igreja Batista.
Sobre as causas LGBT, Moro nunca falou diretamente, mas, em julho deste ano, parabenizou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), por ter revelado sua homossexualidade publicamente. “É importante quebrar barreiras e preconceitos”, afirmou via Twitter.
Em temas relacionados à segurança pública, Moro tem alguns posicionamentos parecidos com o do governo Bolsonaro, mas também algumas divergências que teriam facilitado sua saída do governo.
Ele já se manifestou, por exemplo, a favor da redução da maioridade penal para crimes gravíssimos de 18 para 16 anos, em acordo com um projeto que tramita no Congresso. Essa pauta também é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Sobre o acesso a armas, Moro é favorável a uma mudança menos ampla do que a proposta defendida por Bolsonaro, apesar de não ter contrariado o presidente em relação ao decreto sobre armas enquanto era ministro. Em entrevista à GloboNews posterior à sua saída do governo, o ex-ministro disse: “Talvez eu pudesse ter me insurgido mais em relação a isso”.
Moro disse que “concorda até determinado nível” com o decreto, e acha que “flexibilizar a posse de arma em casa é algo mais aceitável”, mas que, acima de determinado ponto, começa-se a “gerar uma política perigosa”. “Esses armamentos podem ser desviados para o crime e você não tem rastreamento adequado”, disse o ex-juiz e ex-ministro à GloboNews.
Ciro Gomes
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), pré-candidato a presidente, postou em junho um vídeo em suas redes sociais em que segura a Bíblia em uma mão e a Constituição na outra, pelo qual foi acusado de hipocrisia e oportunismo eleitoreiro por alguns internautas e figuras públicas.
Na peça, ele diz que “se formou no berço do cristianismo" e que dois aspectos da mensagem cristã “devem falar fundo no coração de qualquer brasileiro”: o da “superação” e o da “solidariedade”.
Apesar disso, ao ser questionado sobre sua religião, Ciro costuma ser vago. Em 2008, quando foi perguntado diretamente sobre o tema pela Folha de S. Paulo, ele disse que tem “uma crença em Deus” e que admira São Francisco de Assis.
“Admiro a figura de São Francisco de Assis. Tenho uma crença em Deus. Crescentemente discordo da ritualística em que o amor a Deus deve ser materializado. Exemplos: o neopentecostalismo nos EUA, essa ideia de intromissão em nome de Deus no mundanismo da vida social, um garoto acreditar que vai para o paraíso se imolando, matando inocentes. É uma tragédia”, afirmou à Folha.
Ciro já foi alvo de polêmica com cristãos por caso do trecho de um vídeo de uma palestra sua de 2017 no Brazil Forum UK. Um membro da audiência pergunta se ele quer a estatização de empresas. Ciro responde: “Não, não quero estatização nenhuma. Eu quero o controle social. E o fim da ilusão moralista católica. O fim da ilusão. A humanidade precisa de controle. Não adianta alguém imaginar que um anjo vingador vai descer do céu, estalar o chicote e resolver o problema nacional brasileiro. Não vai”.
A fala, no entanto, foi tirada do contexto quando viralizou nas redes sociais: o ex-ministro estava comparando Brasil e Estados Unidos quanto às visões que cada país tem sobre a relação entre poder econômico e poder político, e usou a expressão “moral luterana” para se referir à visão norte-americana, e “moral católica” para se referir ao contexto brasileiro. A plataforma #TodosComCiro, que promove uma campanha pelo projeto de Ciro para a presidência do Brasil, fez em sua seção “anti fake news” uma ponderação detalhada sobre o contexto dessa declaração.
Embora raramente fale sobre suas convicções religiosas, Ciro Gomes começou a abordar o tema da utilidade social da religião em diversas entrevistas a partir de 2018. A noção de que a religião cumpre um papel de pacificação das comunidades pobres, por exemplo, é frequente em declarações suas mais recentes, principalmente depois da eleição de Bolsonaro.
“Ai do nosso povo se não fossem as igrejas evangélicas! A Igreja Católica tem o seu papel. Mas, modernamente, os pastores que estão na periferia de Fortaleza cumprem um papel de ajudar o poder público a recuperar jovens das drogas que ninguém sabe fazer”, disse em julho de 2020 à emissora TVMaster, da Paraíba.
Em outra entrevista de 2020, ao programa Canal Livre, da emissora Band, Ciro afirmou que as igrejas neopentecostais estão “fazendo uma mitigação essencial na falência do Estado brasileiro”. “Sabe para quem que a mão desesperada de um garoto que está devendo para o traficante de droga e que vai morrer depois de amanhã está indo pedir dinheiro? Para o pastor. Sabe quem está fazendo encontro para o desempregado que ainda não caiu no mundo da droga, para ir para o mercado de trabalho? É o pastor”, disse.
No seu canal do YouTube, Ciro também tem demonstrado a intenção de se aproximar dos evangélicos. Em 2020, ele convidou o pastor Alexandre Gonçalves para uma live com o tema “Fé e política”. “A intuição do divino, a intuição da transcendência da alma humana, a intuição de Deus é uma presença em todas as quadras da história da humanidade”, afirmou no começo da conversa.
É frequente que Ciro Gomes seja questionado por meios de comunicação sobre seu posicionamento em pautas de costumes, e dois assuntos costumam ser suscitados junto com o tema da religião: o aborto e as causas LGBT. Ciro é favorável à legalização do aborto e à união entre homossexuais.
Em 2017, em entrevista à BBC, Ciro afirmou que respeita “a sociedade brasileira como ela é”, mas logo depois chamou a Igreja Católica de “criptoconservadora”. A fala se deu num contexto em que o jornalista questionava Ciro sobre seu posicionamento em questões de costumes. “Temos uma Igreja Católica que é extremamente solidária com os pobres, mas extremamente criptoconservadora nesses termos de costumes. O chefe de Estado tem que entender isso, tem que compreender e respeitar isso. Mas, evidentemente, ninguém vai contar com minha opinião para estigmatizar seja quem for diferente, seja por qual razão”, disse.
Numa entrevista de 2017 ao jornal El País, Ciro também foi questionado sobre as dúvidas da esquerda identitária em relação a sua opinião sobre pautas como as dos grupos LGBTs e das feministas. O político disse que não quer ser um “esquerdista guru de costumes” e que foi alertado para não cair nessa lógica por “muita gente boa”.
“Eu me esforço para ser um estadista. Eu não quero ser um esquerdista guru de costumes. Percebi, de um tempo para cá, que um presidente da República não é um guru de costumes. Muita gente boa me alertou disso. Qual é minha opinião sobre a união homoafetiva? "Considero justa toda forma de amor" - para usar o verso do grande Lulu Santos. E a comunidade LGBT do Ceará me conhece de perto. Muito de perto. Muito. Apoio financiamento para concurso miss gay, tudo! Zero problemas! Muito recentemente fui num show lá numa boate gay, maravilhoso”, afirmou.
Sempre que questionado sobre o aborto, Ciro tem uma resposta política na ponta da língua: começa enfatizando a gravidade do aborto, acenando ao público pró-vida, para depois reproduzir ideias de defensores da legalização do aborto, como a noção de que o bebê seria meramente uma parte do corpo da mulher e que, por isso, ela deveria ter aval do Estado para tomar qualquer decisão relacionada ao bebê, inclusive a de tirar sua vida.
Em outubro de 2010, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ao comentar o uso político, nas eleições de 2010, da opinião da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sobre o aborto por parte de apoiadores do então concorrente à presidência da República José Serra (PSDB-SP), Ciro disse que os tucanos estavam trazendo “em socorro de sua débâcle eleitoral a calhordice da mistificação religiosa”. “É grave para o país. O Brasil tem uma tradição que o mundo inteiro admira, que é a tolerância religiosa, é o Estado laico. Aí a imundície está tomando conta, essa coisa do ódio religioso, da intolerância trazida para a política”, afirmou sobre o assunto.
Sobre o mesmo tema, ele ainda disse: “A questão é posta em si em termos calhordas, desonestos. Ninguém é a favor do aborto. Isso é um assunto da intimidade da mulher, da família, de seu conjunto de valores morais, éticos, religiosos e uma ação de saúde. Essa é a única discussão possível. O presidente da República tem zero poder nesse assunto. Só quem pode regulamentar esse assunto é monopolisticamente o Congresso”.
Em 2002, em uma entrevista veiculada na MTV, Ciro disse que “o aborto é uma tragédia humana, é morte”, mas também afirmou que “esse é um assunto da mulher, da família e não da política, do governo e, muito menos, da polícia”.
Em 2008, à Folha de S.Paulo, a resposta foi na mesma linha, começando com uma ênfase na gravidade da prática para depois reproduzir argumentos pró-aborto: “O aborto é um mal. Ponto. Para os religiosos, um pecado. Para uma jovem, uma tragédia. Criminalizar o drama de uma jovem pobre que engravidou de forma imprudente, incauta, ou porque lhe faltaram contraceptivos, só produzirá mais aborto, mais violência. O aborto deve ser uma decisão da mulher. O Estado não tem nada a ver com essa decisão”.
Em 2017, em entrevista ao jornal El País, Ciro disse que “o corpo da mulher a ela pertence, não é assunto de Estado, portanto o aborto é uma questão de saúde pública”.
João Doria
Desde que se assumiu como figura nacional de oposição ao presidente Jair Bolsonaro nas opções políticas relacionadas ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, o governador de São Paulo João Doria (PSDB) tem adotado posições confusas em relação ao público conservador.
Em fevereiro de 2021, por exemplo, ele barrou um projeto de lei estadual que previa estabelecer as celebrações religiosas como atividades essenciais durante a pandemia. Mas, pouco tempo depois, Doria assinou um decreto que reconheceu as atividades das igrejas como essenciais.
Apesar de, no começo da recente onda conservadora no Brasil, Doria ter se aliado ao conservadorismo, suas visões de mundo em relação aos temas fundamentais são pouco claras. Em 2010, ele disse ao Estadão que é católico, tem “muita fé”, e frequenta a igreja uma vez por mês. Contudo, é um preceito da Igreja Católica frequentar a missa todos os domingos.
Durante a campanha para o governo de São Paulo, Doria buscou se aproximar do eleitorado evangélico. Em fevereiro de 2017, por exemplo, ele visitou a Igreja Mundial do Poder de Deus, onde foi recebido pelo pastor Valdemiro Santiago, o fundador da denominação. O então prefeito deu seu testemunho de vida, da infância pobre ao sucesso econômico e político. No fim do culto, pediu que o pastor e a assembleia orassem por ele.
Em entrevista de 2017 à revista Época, Doria afirmou que é contra a descriminalização do aborto, e que a lei sobre aborto deve ser preservada como está. Na mesma entrevista, ele disse que também é contra a legalização das drogas.
Também afirmou que não tem “nenhuma objeção ao casamento gay ou à adoção de banheiros livres para transgêneros”. Sobre a liberação de posse de armas, ele disse que é contra.
Sobre a Parada Gay, que ocorre anualmente em São Paulo, Doria já demonstrou algumas vezes que apoia o evento. A parada é um dos maiores eventos de rua da cidade. "Vamos apoiar sim. Até mesmo porque é uma questão de respeito e cidadania”, disse Doria.
Em agosto de 2021, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Doria foi questionado sobre uma decisão sua de 2019 de recolher livros didáticos da rede pública de ensino que tratavam sobre a ideologia de gênero. Ele afirmou que essas questões “podem ser discutidas, mas não impostas”.
Luiz Felipe D’Ávila
O pré-candidato do Novo, Luiz Felipe D’Ávila, sustentará nas eleições de 2022 a principal bandeira do seu partido: a diminuição da influência do Estado na economia e na sociedade.
Em entrevista de dezembro de 2021 ao canal do colunista da Gazeta do Povo Carlos Alberto Di Franco no YouTube, ele fez uma defesa da liberdade individual e da importância das pequenas comunidades para a sociedade.
"Nós temos de devolver o poder para as comunidades. Antes de existir o Estado assistencial, a malha social, econômica e solidária que manteve a sociedade viva por séculos e séculos foi a família, foi a Igreja, foram as instituições de caridade. Isso não era feito pelo Estado, era feito por instituições privadas, que recebiam doações das famílias para se manterem”, afirmou.
D’Ávila também sugeriu que é contra a legalização das drogas. “Essa história de legalização de drogas, veja só nos Estados Unidos como muitos estados estão revendo isso agora por causa do impacto que teve”, disse.
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