Governo estadual atribui demora nas obras aos prefeitos que tardaram em indicar os terrenos e consequentes entraves jurídicos| Foto: Marco Lima / Gazeta do Povo

Expectativa

Separados pela tragédia, irmãos vivem dilema

Os irmãos Manoel e Arlindo Capeta de Souza são vítimas da devastação na comunidade rural de Floresta, mas vivem situações diferentes quando o assunto é a expectativa de ter novamente uma casa própria. Manoel acabou se casando com a namorada, que já morava na cidade, e concorda em morar na zona urbana. Já Arlindo não desistiu de viver da agricultura e espera uma solução para quem ainda quer morar na roça. Eles perderam uma irmã na tragédia.

Pedreiro, Manoel se esmera no trabalho na nova área residencial de Morretes. Só não sabe se está construindo a própria casa porque a definição das moradias será por sorteio. Enquanto isso, Arlindo retoma o plantio de mandioca e maracujá. Mas a maior parte da terra ainda está cheia de entulhos ou se transformou em buraco. A chuva levou a casa, o barracão, os implementos agrícolas e as caixas que usava para transportar verduras e legumes.

Hoje, Arlindo mora com a família na casa que era da mãe. Só não ficou totalmente sem bens porque o caminhão que usava na lida do campo estava, naquele 11 de março, na cidade de Morretes. Presidente da Associação dos Moradores e Agricultores da Floresta, Arlindo afirma que as famílias da localidade não receberam nenhum treinamento de como agir em caso de chuvas fortes. O nível dos rios, contudo, estaria sendo monitorado.

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Avaliação

Floresta é área segura, diz pesquisador

O coordenador do Centro de Apoio Científico a Desastres (Cenacid) da UFPR, Renato Lima, avalia que a localidade de Floresta não precisa ser abandonada. "Eu defendo que seja avaliado caso a caso", diz. Foram realizados estudos sobre a viabilidade da ocupação na comunidade rural, mas o governo estadual ainda não tomou uma decisão final sobre a situação. Os levantamentos indicam que o desastre foi ocasionado por um processo natural. "Inundações e deslizamentos são esperados na natureza em caso de chuvas excepcionais e um conjunto de rios inundados", explica Lima. Para o pesquisador, a tragédia no Litoral confirmou a preocupação dos ambientalistas, que defendem a preservação dos morros. "Não havia intervenção urbana. Foi a vegetação nativa que deslizou. Se não fosse assim, teria sido muito pior", aponta.

Os deslizamentos de morros e desmoronamento de casas mataram quatro pessoas no Litoral paranaense em março de 2011, mas, tendo em vista as proporções da tragédia, o número de óbitos poderia ter sido muito maior. Como os momentos mais críticos aconteceram de dia, muitas pessoas conseguiram perceber o perigo. "Se fosse de noite, seriam mais mortes", comenta Lima.

Após a enchente, foram realizados mapeamentos de áreas de risco no Litoral e o número de estações pluviométricas – que monitoram o volume das chuvas – aumentou de 14 para 20. Duas comunidades receberam treinamento de evacuação e foi elaborado de um protocolo de atendimento para desastres, com uma lista prévia de ações e a divisão de tarefas entre vários órgãos governamentais.

Números

223 casas devem ser construídas para as famílias desabrigadas de Morretes, Antonina e Paranaguá. Mas somente 86 começaram a ser erguidas.

R$ 46 milhões é o valor que os governos federal e estadual concordaram em liberar para as obras de reconstrução, mas o levantamento aponta prejuízos superiores a R$ 100 milhões.

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Manoel trabalha no canteiro de obras de Morretes, mas ainda não sabe qual será sua casa

Começa a tomar forma o projeto de dar casa nova às pessoas que perderam tudo nas enchentes de março passado no Litoral paranaense. Em Morretes e Antonina, a construção de moradias teve início há dois meses. Mas ainda falta tempo para que as famílias desabrigadas possam ser transferidas: a previsão é de que as primeiras casas fiquem prontas em junho.

O governo estadual justifica a demora dizendo que os prefeitos das cidades litorâneas tardaram em indicar os terrenos e que, posteriormente, apareceram entraves jurídicos para serem resolvidos. Além disso, algumas áreas precisaram ser aterradas antes de receber os alicerces. E parte da terra para nivelar os terrenos veio justamente de áreas devastadas pela enxurrada. Assim, algumas pessoas vão morar em cima da mesma terra que habitavam antes.

A placa fincada em frente das construções – que ostenta o investimento público nas obras – indica que estão sendo gastos R$ 982 mil para erguer 33 imóveis de Morretes (com 35 metros quadrados cada) e R$ 2,284 mi­­lhões para os 53 sobrados (com 43 metros quadrados cada) em Antonina. O custo médio de cada unidade seria de R$ 30 mil em Morretes e de R$ 43 mil em Antonina.

A seleção de empresas para a construção das casas da segunda fase em Antonina e Morretes e da primeira etapa em Paranaguá ainda não aconteceu. A justificativa da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) é de que as licitações só serão feitas depois que houver a prestação de contas das primeiras obras e só depois o governo federal vai liberar o restante dos recursos prometidos. Ao todo, está prevista a construção de 223 casas, orçadas em R$ 12,5 milhões, sendo R$ 4 milhões para infraestrutura, como ligações de energia elétrica e esgoto. Apesar dos boatos que correm nas cidades do Litoral, a Cohapar garante que não cobrará prestações pelas novas casas.

O presidente da Cohapar, Mounir Chaowiche, assegura que até o final de 2012 estará entregando todas as casas novas aos desabrigados. "Faremos um esforço para que até o Natal todos passem em seus lares", diz. Ele afirma que o governo está buscando soluções também para as famílias que moram em áreas de risco, mas que ainda não há uma previsão de realocação. "Gostaríamos de resolver tudo muito antes. Quando conseguimos atender à demanda em um ano, nós já comemoramos, mas sabemos que para quem está esperando um dia já é bastante. Estamos demorando um pouco mais, mas a realocação é em um lugar adequado", garante.

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Cenário de destruição

Como a Gazeta do Povo mostrou na edição de ontem, as marcas da enxurrada ainda estão bem presentes na paisagem. O plano de trabalho com a definição de quais obras deveriam ser executadas ficou pronto somente em novembro de 2011. Também se perdeu a oportunidade de fazer licitações em caráter extraordinário: depois de 180 dias da assinatura dos decretos de situação de emergência e de estado de calamidade pública, não é mais possível dispensar algumas burocracias para selecionar empresas para compras e serviços. Passados os seis meses, a maior parte das contratações ainda não havia sido feita e então restava voltar ao demorado processo convencional de licitações.

Situação de agricultor permanece indefinida

Algumas famílias manifestaram a decisão de não ir para as casas oferecidas pelo governo. Com perfil rural, elas preferem não morar na cidade – com o argumento de que terão dificuldades para garantir o sustento – mas estão impedidas de voltar para os terrenos onde viviam, hoje em condições inabitáveis.

O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi acionado pelo Ministério Pú­­blico, que pediu providências para a situação dos agricultores. O primeiro contato foi em maio. Sem áreas próprias disponíveis no Litoral, o Incra tentou comprar uma fazenda, mas a avaliação técnica mostrou que o terreno estava sujeito a inundações e a aquisição não aconteceu. Uma reavaliação dos lotes no assentamento Nundiaquara, em Morretes, também não resultou em terrenos disponíveis para os desabrigados. No dia 10 de fevereiro, o Incra informou que não tinha como colaborar para relocar as famílias em novas propriedades rurais.

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Os promotores Almir Car­­reiro Jorge Santos (de Morretes) e Alexandre Gaio (de Para­­na­­guá) tentam conjuntamente encontrar uma solução para manter os agricultores na zona rural. Eles esperam a definição sobre a localidade de Floresta: se pode ser habitada ou precisa ser desocupada. "O dilema é a população deve sair dessas áreas de risco ou se pode ficar, mas contando com um plano de contingência e outras orientações para garantir segurança", explica Gaio. Santos conta que no dia 5 de janeiro uma chuva forte assustou os moradores da região. Rios encheram e grandes pedras que rolaram do morro em março voltaram a deslizar.

Um inquérito civil foi aberto para acompanhar o andamento do auxílio às famílias atingidas. Em junho, os promotores emitiram recomendações às autoridades públicas envolvidas no atendimento do desastre. Caso os moradores sejam impedidos de ficar em Floresta, a expectativa é de que a área seja desapropriada e os donos recebam indenização. Algumas famílias preferiram voltar para a área e há inclusive alguns pontos de lavoura. Contudo, a poucos metros das plantações, há terrenos tomados por pedras e entulhos, sem condições agricultáveis. Pelo menos 78 famílias teriam manifestado a decisão de não morar na cidade.