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Urbanismo

Terra de todos e de ninguém

No coração do bairro Cabral, um terreno abandonado alvo de invasão e venda irregular de terras contrasta com os prédios e edificações de uma área nobre da cidade. A Gleba Juvevê, mais conhecida como Vila Domitila, é palco de batalhas infindáveis travadas na Justiça. Enquanto não é definido quem de fato possui a terra, o lote é vendido e revendido pelo aposentado Osmar Pereira Lopes, que se diz proprietário da terra e consta como parte em pelo menos 44 processos de proteção de posse na Justiça Federal e no Tribunal Regional Federal (TRF).

Com ações de disputa de posse tramitando na Justiça desde que começaram as invasões, na década de 1970, os 191,48 mil metros quadrados da vila sobre o qual o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) alega ter a posse são gradativamente ocupados por casas em alvenaria e barracos de madeira, de pequeno e médio porte. A reportagem contou 217 casas no terreno, cercadas por mata fechada.

Poucos moradores possuem escritura de propriedade, com o qual o dono pode fazer o que desejar com a terra. Outros têm documentos de posse, que dizem não ter validade. As casas são ocupadas por moradores de classe baixa a média, inclusive advogados e policiais, que moram lá a pedido de Lopes.

O morador O., que ocupa um lote na região há cinco anos e não quis ser identificado por medo de represálias, afirma que recebeu um documento de "transferência de direitos possessórios" de Lopes, mas diz que é falso. "O meu advogado já falou para eu rasgar esse documento, porque não vale nada". Como muitos moradores, O. veio para a região para fugir do aluguel que pagava por uma casa no bairro Cajuru. Segundo ele, na época da compra, não sabia que o terreno era disputado pelo INSS na Justiça. "Ele (Lopes) falava que o terreno era uma doação do Munhoz da Rocha. Depois que a gente veio saber disso", afirma.

A desempregada que se identificou como S.H.Q. invadiu um pedaço do terreno há nove anos. Ela conta que, quando chegou ao local, enfrentou Lopes "na foice" para garantir sossego. "Ele dizia que a terra era dele, mas eu falei que tinha provas de que não era e ele me deixou quieta. A história desse terreno é longa. Tem excesso de papel e burocracia envolvida aí. Agora só quero o meu pedaço de terra", conta S.

A aposentada M.V. garante que comprou a área onde mora da herdeira do francês Jorge Polysu, primeiro dono do terreno. Há 28 anos no local, relembra a época em que a área era vazia. Ela afirma ter a escritura de propriedade e que o terreno não pertence ao lote sobre o qual o INSS alega ter posse. "Mas não gosto de mexer nessas coisas, quero ficar quieta no canto", afirma M., que disputa na Justiça a posse do terreno com o INSS.

A reportagem entrou em contato com Osmar Lopes, que afirmou ser proprietário do terreno, o qual comercializa desde 1976. Hoje ele cobra R$ 50 mil por lotes de, em média, 312 metros quadrados. "Só que a senhora vai comprar de outro, que estão vendendo ali, barato. Pessoalmente não tenho mais pra vender, quem estão vendendo são aqueles para quem eu dei, para policiais e seguranças, porque não tinha como segurar a invasão", afirma. Questionado sobre a comercialização de um terreno embargado na Justiça, Lopes se esquivou. "Eu sou proprietário de tudo, a área total é minha. ‘Tô’ para acertar documentação de 105 mil metros (quadrados)", disse. Lopes afirma que pode dar uma "escritura de posse" ao comprador. O valor cobrado pelos lotes é barato, diz, porque um terreno escriturado custaria R$ 150 mil.

De acordo com Lopes, o INSS não é dono do lote. "Tanto é que não é do INSS que eu ganhei aqui, em Porto Alegre. Lá na Rua dos Funcionários é tudo advogado. Paguei advogado com terreno. Quem falou que não é meu é tudo cabra safado, com dor de cotovelo. Tenho como provar que é meu", afirma.

De acordo com o diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo, José Luiz de Mello Filippetto, a única maneira de acabar com a ocupação irregular dos lotes na vila é a aceleração do processo de reintegração de posse, que corre na Justiça desde a década de 70. "A Justiça precisa dar uma definição rápida ou pela reintegração de posse ou determinando a legitimidade do outro cidadão. Enquanto isso não ocorrer, nada se resolve", afirma. Segundo ele, o impasse impede o crescimento da cidade e a manutenção da área. "O INSS não responsabiliza pela área enquanto ela estiver sub judice. Há mata e já está virando até problema de segurança pública", afirma.

De acordo com a assessoria do INSS, a instituição não vai se manifestar pelos próximos 15 dias. O motivo seria uma série de reuniões com "alguns órgãos públicos" para buscar uma solução para a área. Segundo o INSS, o terreno é vigiado 24 horas por dia, mas os seguranças pouco podem fazer para impedir as invasões. Com os vigias, afirma a assessoria, a Justiça não teria como alegar abandono da área.

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