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Na sabatina do Senado que antecedeu a confirmação de Cristiano Zanin – advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e um dos algozes da Lava Jato – como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), chamou a atenção de opositores do atual governo o tratamento amistoso dado por senadores da direita ao futuro magistrado.
Alguns parlamentares repetiram uma tese que vinha sendo propagada antes mesmo da sabatina: a de que Zanin, no fim das contas, seria um mal menor para a oposição – e que, mais do que isso, poderia até ter uma visão conservadora no campo dos costumes. A tese virou alvo de ironias e indignação por parte de personalidades da direita.
A ideia começou a se disseminar quando, no começo de junho, o advogado se reuniu com congressistas evangélicos. Em entrevista à Folha de S.Paulo sobre o assunto, o pastor Silas Malafaia deixou declarações controversas: "Primeiro que é um cara de família, que eu sei", afirmou. "Zanin diz que o aborto não é assunto do STF, e sim do Congresso", acrescentou.
Na semana anterior à sabatina, Zanin recebeu elogios da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) após um almoço entre os dois. "Achei o doutor Zanin muito inteligente, agradável e gostei muito dele como pessoa. Pedi que ele fosse o ministro das crianças no STF", disse ao site Poder360.
Durante a sabatina desta quarta-feira (21), parlamentares como Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Jorge Seif (PL-SC) fizeram declarações ambíguas com tom elogioso sobre o advogado de Lula.
"O senhor tem notável saber jurídico? Ora, tenho opiniões contrárias, mas eu entendo que o senhor advogou numa causa em que um presidente da República estava inelegível, o presidente da República estava preso, o presidente da República tinha seus direitos políticos cassados e hoje é presidente da República. Então, na minha opinião – não sou jurista, não sou advogado, sou administrador de empresa –, o senhor, com o seu trabalho, com a sua competência, ainda que haja divergências, o senhor tem, sim, notável saber jurídico", comentou Seif.
Flávio Bolsonaro disse que o posicionamento garantista de Zanin "é algo louvável na sua indicação". Afirmou ainda que esperava que Zanin levasse, "com o seu histórico de vida na advocacia, o bom senso, a seriedade, a segurança jurídica e, principalmente, exemplo de respeito à Constituição Federal nas suas próximas décadas de atuação no STF".
Personalidades da direita reagiram de forma irônica ou indignada ao tratamento dado a Zanin.
No Twitter, o perfil humorístico @JoaquinTeixeira parodiou as falas dos parlamentares em tom de ironia: "Sou conservador e votei a favor da aprovação de Cristiano Zanin para o STF. O fato dele ter ajudado a anular o processo de um criminoso condenado só atesta sua competência. Realizei sabatina respeitosa como deve ser. Mantenho minha coerência e meu compromisso com meus eleitores", tuitou.
Em uma postagem com centenas de curtidas, um usuário da mesma rede social disse: "Vergonha… Esses senadores da direita não honraram os votos que seus eleitores conservadores depositaram. Até senadores da direita deram votos em aprovação de Zanin, amigo e advogado pessoal do Lula".
A advogada especialista em Direito Tributário Fabiana Barroso, comentarista do programa Fora dos Autos, da Gazeta do Povo, afirmou: "Não tem desculpinha para votar a favor de Zanin. Placar final foi de 58 votos a favor e 18 contra a indicação. E nem venham com essa de que ele era o menos pior. Absurdo o advogado pessoal do Lula ser membro do Supremo".
O que Zanin falou na sabatina sobre temas como aborto, drogas, família e liberdade de expressão
As respostas protocolares de Zanin durante a sabatina revelam pouco sobre suas ideias no campo social e de costumes. Na maioria dos casos, o novo ministro do STF abordou os assuntos de forma genérica e disse que não poderia entrar em detalhes sobre temas que serão tratados em julgamentos na Corte.
Sobre descriminalização do aborto e das drogas, por exemplo, o advogado de Lula afirmou que "já existe legislação consolidada, editada por esse Congresso Nacional, em relação à tutela do direito à vida e ao combate às drogas", e que "o melhor espaço institucional para qualquer revisão seria também o Congresso Nacional".
Em relação ao casamento homoafetivo, Zanin disse: "Eu respeito todas as formas de expressão do afeto e do amor. Acho que é um direito individual, que é um direito fundamental as pessoas poderem, da sua forma, expressar o afeto, o amor. Isso tem que ser respeitado, na minha visão, pela sociedade, e acho que, também, pelas instituições".
Sobre o combate policial ao tráfico de drogas, o jurista acredita que "a lei deve definir a atribuição do agente público". "Não é uma questão de ser favorável ou não ao combate às drogas. Eu acho que a minha visão, efetivamente, é a de que a droga é um mal que precisa ser combatido. E, por isso, este Senado tem, inclusive, aprimorado a legislação com este objetivo, acredito, de promover o combate às drogas e os temas que estão relacionados", observou. "Dentro de um Estado de direito, os agentes públicos precisam ter as suas atribuições definidas em lei, sobretudo quando realizam atos de persecução. O Estado não pode adotar a regra do vale-tudo. O Estado tem um poder enorme e esse poder deve ser contido sempre que usado fora daquilo que prevê a lei", acrescentou.
Quanto à liberdade religiosa, Zanin disse que "o Estado é laico, mas assegura a liberdade de crença, a liberdade religiosa a todos os cidadãos". "Evidentemente que a liberdade religiosa não pode extrapolar a ponto de ofender a um terceiro, enfim, mas eu acho que ela é muito relevante e nada mais… Prestigiar a liberdade religiosa é prestigiar também o texto constitucional", afirmou.
Ao ser questionado sobre as violações aos direitos humanos nas prisões do 8 de janeiro, Zanin também saiu pela tangente: "Se eu entrar nesse assunto e aprovado for por este Senado, eu não poderei depois participar de eventual julgamento", disse. "O que eu posso dizer é que eu sempre respeitei e defendi o devido processo legal", acrescentou.
Sobre o tema da liberdade de expressão e do ativismo judicial, Zanin deu pistas ambíguas sobre como será sua atuação. Em um momento de seu discurso inicial, ele afirmou que não permitiria "investidas insurgentes e perturbadoras à solidez da República"; logo depois, disse que, em uma democracia, "a liberdade de expressão é essencial" e "facilita o debate público e a troca de ideias, permitindo que diferentes perspectivas sejam consideradas".
Ao fim de sua primeira fala, ele assumiu o compromisso de atuar "como agente pacificador entre os possíveis conflitos envolvendo os Poderes, a fim de garantir a legítima atuação entre os três Poderes da República, sempre desprovido de ativismos ou interferências excessivas e desnecessárias".
Questionado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) sobre o ativismo judicial, Zanin disse que "não cabe ao magistrado criar o direito". "O direito tem que ser criado aqui pelo Congresso Nacional. Essa é a atribuição do Congresso Nacional, de acordo com o que prevê a Constituição da República. Então, na minha visão, o julgador tem, efetivamente, que interpretar a Constituição, aplicar a Constituição, mesmo buscando, eventualmente, regras que estejam contidas no bojo dos 250 artigos e que precisem de alguma eficácia adicional, mas não pode jamais criar o direito, porque esta é uma atribuição do Congresso Nacional."