Uma nova decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) acrescentou mais um capítulo à discussão sobre as multas aplicadas pela Urbs via Diretoria de Trânsito (Diretran), extinta no início de janeiro. Julgando a apelação de uma empresa de consultoria, a desembargadora Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes entendeu que as multas recebidas por esta empresa em 2009 devem ser anuladas. A justificativa é que a Urbs, por ser uma empresa de economia mista, não tinha competência para executar uma ação que é exclusiva da polícia.
O argumento é o mesmo do acórdão publicado pelo TJ-PR em setembro do ano passado, que culminou com o fim da Diretran e a criação da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran). A diferença é que a nova decisão, publicada três dias atrás, impugna multas em caráter retroativo algo inédito e que a decisão anterior havia vetado.
Com isso, especialistas em Direito de Trânsito admitem a possibilidade de haver uma enxurrada de ações pedindo anulação de multas. A última decisão do TJ-PR, avaliam, cria jurisprudência para que os julgamentos em primeira instância deem ganho de causa para condutores punidos.
O texto original da ação movida pela empresa de consultoria, que começou a tramitar em 2010, reclamava que a empresa não havia recebido as notificações de nove infrações, que somavam R$ 700 em multas. Por causa disso, a companhia perdeu o prazo para apresentar o condutor dos veículos, o que majorou o valor para R$ 2,7 mil, aproximadamente.
A fundamentação da decisão do TJ, entretanto, não julga o mérito desse argumento. "A ausência da notificação não foi apreciada porque já existe o entendimento de que a atuação da Diretran era inconstitucional", explica o advogado Vinícius Grellert, representante da empresa. "Essa decisão é tão importante quanto a de setembro, e representa um avanço na discussão."
O pagamento das multas estava sub judice desde 2010, quando uma liminar suspendeu a cobrança. Contatada pela Gazeta do Povo, a Urbs informou que foi notificada da decisão e vai recorrer em tempo hábil.
Jurisprudência
A assessoria do TJ-PR explicou que o novo acórdão se aplica especificamente ao caso julgado, mas que a justificativa tende a se tornar um precedente para julgamentos em primeiro grau. Entretanto, os juízes têm autonomia para verificar quais casos devem receber o mesmo tratamento.
O advogado Reginaldo Koga, especialista em Direito de Trânsito, acredita na possibilidade de haver um grande número de condutores acionando retroativamente a Urbs na Justiça. "Essa decisão reconheceu a falta de legitimidade na aplicação das multas porque a falta de competência legal gera nulidade absoluta", explica. "O usuário pode entrar com ação questionando os atos praticados pela Urbs a partir de 1997, quando o Código de Trânsito municipalizou a fiscalização de trânsito no Brasil."
Desde o ano passado, analistas de gestão pública preveem dificuldades burocráticas para a Urbs ressarcir valores cobrados em multa, caso a autarquia obtenha sucessivas derrotas na Justiça. Como os valores são redistribuídos entre diversos órgãos relacionados ao trânsito, em diferentes esferas, o "resgate" dos valores deverá ser uma operação lenta e complexa.