O ingresso de um portador da Síndrome de Down na faculdade, como ocorreu com o jovem João Vítor Mancini SilvéRio, de 19 anos, que integra a mais recente leva de calouros de Educação Física da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), não deveria ser vista como um evento extraordinário. É o que defende o consultor israelense em educação David Sasson, que está em Curitiba para ministrar cursos e seminários na área de desenvolvimento cognitivo (capacidade intelectual).
"Qualquer indivíduo, independentemente da sua condição, idade, status social ou nível intelectual presente, pode melhorar o seu desempenho cognitivo, tornando-se mais eficiente e integrado no ambiente no qual ele interage", resume, citando a linha mestra da Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e Aprendizagem Mediada de Reuven Feuerstein, da qual ele é um dos primeiros discípulos. "E isso abrange de superdotados aos portadores de diversos típos de síndrome, como a de Down."
O que é exatamente a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e Aprendizagem Mediada, o método aplicado no João Vítor?Trata-se de um método de intervenção cognitiva, criado no fim dos anos 50, em Jerusalém, pelo psicólogo israelense Reuven Feuerstein, para auxiliar aprendizes de vários níveis a melhorar o seu desempenho intelectual. Ele se baseia na idéia de que qualquer indivíduo pode aprender e se modificar. Porque para nós aprendizagem significa a capacidade de se automodificar. Hoje esse método é aplicado em escolas, empresas e indivíduos de mais de 40 países e traduzido para mais de 12 idiomas.
E como é feita essa intervenção?Por meio de uma mediação, adaptada às necessidades do indivíduo ou do grupo com quem interagimos. Ela é baseada em um conjunto de critérios, que tem como conseqüência uma interação efetiva, com qualquer aprendiz.
Na prática, como funciona?Com a ajuda de um conjunto de atividades que integram esse programa. É o que chamamos de Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), um método de intervenção multidimensional que compreende uma fundamentação teórica, um repertório rico de instrumentos práticos e um conjunto de ferramentas analítico-didáticas, aplicados com o objetivo de aumentar a eficiência do processo de aprendizagem. São 14 instrumentos testes ou avaliações , cada um compreendendo uma ou duas operações mentais centrais, como comparação, orientação espacial, análise, categorização, pensamento inferencial e também nos pré-requisitos cognitivos subjacentes a cada uma delas.
Por exemplo...Temos um exercício que consiste em encontrar três figuras geométricas diferentes em alguns conjuntos de pontos aparentemente desconexos, aleatórios. Porém, é possível encontrar exatamente as mesmas figuras em cada um deles. Esse trabalho requer uma série de operações mentais: a análise das características essenciais de cada figura dada; a comparação com os pontos fornecidos nos outros quadros; o pensamento hipotético, por meio da formulação de hipóteses e da comprovação ou não delas.
E para que ele serve?Todos esses conceitos são úteis para ajudar o aprendiz a desenvolver diversos pré-requisitos necessários para resolver problemas em contextos que nada têm a ver com pontos ou figuras geométricas. E os problemas difíceis de resolver são aqueles que requerem a capacidade de ler entre as linhas, e considerar os aspectos implícitos aos dados recebidos. O contrário disso é a resolução por tentativa e erro, que às vezes também dá certo, mas consome muito mais tempo e recursos.
Essa evolução permanece depois que o aprendiz passa pelo programa?Uma das bases dessa abordagem é uma característica inerente a qualquer ser humano: ele é modificável. E qualquer aprendizado equivale a uma modificação. Porém, se ele é superficial, adquirimos alguns conhecimentos, mas em seguida os perdemos. Mas se é mais profundo falamos de uma modificação estrutural. A grande dificuldade de crianças, jovens e adultos que são produtos do sistema educativo tradicional é que eles aprendem muitas coisas de grande valor, mas não sabem como aplicar esse conhecimento em outros contextos da vida futura. Isso explica porque algumas crianças vão muito bem na escola e depois têm muita dificuldade para resolver os problemas práticos do cotidiano. O nosso método estimula a transposição das soluções para outros contextos, gerando essa mudança estrutural, até que essa capacidade passe a se manifestar espontaneamente, mesmo quando o mediador não está presente.
Esse método seria uma revolução no sistema de ensino. Por que ele não é usado de forma sistemática pelos governos?A tendência da escola é para um pensamento convergente, todo mundo responde sempre a mesma coisa. Ela não promove o pensamento divergente, o raciocínio crítico, as respostas criativas. Infelizmente, os professores ainda não estão preparados para lecionar dentro dessa abordagem ensinar as crianças a pensar. Mesmo assim, é muito mais fácil convencer todos os professores do estado do que as poucas autoridades responsáveis pelas políticas públicas. Isso porque normalmente os políticos estão interessados em colher os frutos antes das eleições, e aí falta tempo. O método completo leva de dois a três anos de aplicação.
Serviço: Mais detalhes sobre o método Feuerstein e o curso de especialização no Centro de Desenvolvimento Cognitivo do Paraná, telefone (41) 3352-6852.