O ministro Dias Toffoli pediu vista e interrompeu o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que pode descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal. Na Corte, há cinco votos pelo fim do enquadramento penal de usuários e três contrários. Com a paralisação do julgamento, nesta quarta-feira (6), não há decisão, pois é necessária maioria de ao menos 6 votos entre 11 ministros.
Com o pedido de vista, Toffoli terá 90 dias corridos para analisar melhor o caso e compor seu voto. Depois disso, caberá ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, marcar uma nova data para retomada do julgamento. Além de Toffoli, faltam votar Luiz Fux e Cármen Lúcia. Se um deles votar a favor, forma-se a maioria necessária para aprovar a descriminalização.
Em breve declaração, Toffoli disse que a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderia definir uma quantidade lícita para o uso da maconha.
“A lei que estabelece o que é droga lícita e ilícita diz que cabe à Anvisa dizer o que é lícito e ilícito. Eu sinceramente não tenho a mínima ideia do que é capaz de ser lícito ou ilícito em termos de quantidade de utilização. Penso que cabe ao legislador e ao Poder Executivo, na forma da nossa regulamentação constitucional, que são as agências reguladoras, dizer sobre isso. E é muito fácil eles lavarem as mãos e jogarem para a nossa responsabilidade”, disse.
A análise do caso começou em 2015, no julgamento de um homem condenado por portar 3 gramas de maconha dentro do presídio. A Defensoria Pública de São Paulo pediu a anulação do caso, alegando que a conduta é individual e que a tipificação penal fere o direito à intimidade.
Votaram pela descriminalização Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. No ano passado, Cristiano Zanin votou pela manutenção do porte como crime, e foi seguido nesta quarta-feira (6) por André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Durante a sessão, os ministros esclareceram que, em caso de descriminalização, o porte continuaria um ato ilícito, mas não sujeitaria o usuário a um processo criminal.
Como a conduta continuaria um ato ilícito, houve dúvida sobre que autoridade acompanharia o caso, para sujeitá-los às sanções de advertência e medida educativa. “Ao descriminalizar, a polícia não pode mais entrar no domicílio de alguém para delito flagrante. Mas também não se permitiria que a pessoa fume no cinema”, esclareceu Alexandre de Moraes.
“Vamos jogar para um ilícito administrativo, qual a autoridade administrativa? Não é para conduzir para a delegacia, quem vai conduzir, para onde? Quem vai aplicar pena, ainda que seja medida restritiva? Na prática, estamos liberando o uso”, rebateu André Mendonça.
Apesar de votar contra a descriminalização, ele defendeu que o Congresso defina um limite para diferenciar usuários de traficantes. Os ministros pró-descriminalização argumentam que a falta de critério faz com que a polícia enquadre como traficantes muitos consumidores, especialmente negros, pobres e de periferia, deixando-os presos com bandidos violentos.
Na sessão, Barroso disse que a criminalização também prejudica jovens em busca do primeiro emprego. “Para o jovem pobre que estiver procurando emprego, se constar da certidão de antecedentes dele que não é mais primário, ele tem uma dificuldade a mais numa vida que já é difícil”, disse.
Ele e outros ministros a favor da descriminalização defenderam a fixação de um limite, entre 25 e 60 gramas, ou 6 plantas fêmeas, para caracterizar usuários, que não ficariam sujeitos à prisão. Mendonça defendeu que o Congresso defina esse limite; até lá, seria estabelecida a quantidade máxima de 10 gramas; Zanin e Nunes Marques sugeriram 25 gramas.
André Mendonça vota contra a descriminalização do porte de maconha
No voto, Mendonça disse que “existe uma má imagem na sociedade de que maconha não faz mal”. “Causa dano, danos sérios, e maiores que o cigarro. Ao mesmo tempo, isso é importantíssimo para melhor delimitarmos a quantidade, conforme a gradação dos riscos à saúde”, disse o ministro. Ele citou estudos de médicos, professores e pesquisadores da USP, Unifesp, Uniabc que apontam os riscos à saúde. Segundo o estudo, ao menos 9% dos que usam a maconha ficam dependentes e ficam sujeitos a esquizofrenia, psicoses, bipolaridade, depressão, ansiedade, transtornos de personalidade e distúrbios na área sexual e reprodutiva.
“Fumar maconha, transformar maconha em cosméticos como se fosse um produto qualquer vai além do usuário e pode atingir a família e a sociedade. O número de crianças intoxicadas por ingestão acidental que chegam na emergência, os acidentes de trânsito, os adolescentes sob efeito da substância expostos a relacionamento sexual inseguro e como consequência uma gravidez indesejada, ou a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis”, afirmou.
“A escalada para uso de drogas de abuso, o envolvimento em situações de violência ou relacionamento abusivo, prejuízo cognitivo e a síndrome amotivacional, a queda acentuada da fertilidade masculina e do libido, com graves consequências na vida sexual e reprodutiva, além de cognitiva. Comprometimento na vida escolar, universitária, acadêmica, laboral, familiar e social, entre outras. Repercussões observadas nos estudos vêm aumentando”, disse depois.
Nunes Marques vota contra a descriminalização do porte de maconha
Assim como os colegas, no voto, ele citou estudos que apontam danos à saúde, à família dos usuários e à comunidade. Argumentou que a Lei de Drogas, aprovada em 2006, já retirou a pena de prisão para usuários, que ficam sujeitos a sanções de advertência, serviços à comunidade e medida educativa. Ele confrontou a proposta de transformar essas punições penais em sanções administrativas – o uso continuaria ato ilícito, mas não um crime, livrando o usuário de processo criminal, mas há dúvida sobre que autoridade acompanharia o caso.
“A solução é contraditória. Se o direito à intimidade impede que o legislador crie o tipo penal, pela mesma razão ele obstaria também a tipificação da infração administrativa, pois não se poderia haver nenhuma ilicitude no exercício de um direito fundamental. A solução possível seria considerar lícita, e, portanto, impunível, a conduta de portar drogas para uso próprio, o que poderia induzir consequências imprevisíveis sobre o consumo de substâncias entorpecentes em locais públicos, especialmente em escolas e outros locais frequentados por crianças e adolescentes”, afirmou.
Nunes Marques reconheceu que após a Lei de Drogas aumentou o número de presos por tráfico, mas segundo ele, isso não seria uma consequência da criminalização de usuários.
“O aumento das prisões decorrentes do prática de crime de tráfico é fenômeno complexo e multifatorial, ligado ao desenvolvimento da macrocriminalidade no plano internacional e no Brasil. Entre as causas está o fato de o Brasil ter passado de país corredor do tráfico de maconha e cocaína, entre América do Sul e Europa, passando pela África, para país consumidor, figurando inclusive entre os maiores consumidores de maconha no mundo, e o segundo de cocaína, atrás somente dos EUA. Essa realidade é a confirmação eloquente de que o aumento do consumo alimenta o tráfico e descriminalização do porte incrementa o consumo”, afirmou.
Em seu voto, Kassio também citou experiências recentes de países ou estados que buscam rever a política de descriminalização, como Portugal e Oregon, nos Estados Unidos. Afirmou que autoridades locais têm notado um aumento expressivo do consumo e impactos na saúde e na segurança pública.
Congresso dividido sobre a maconha
Nos últimos dias, parte do Congresso pressionou o STF a adiar a decisão ou a rejeitar a descriminalização do porte de maconha. Nesta terça (5), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que vai aguardaria a decisão STF para seguir com a tramitação da proposta de emenda à Constituição de sua autoria que mantém a criminalização do porte. A PEC poderia ter sido votada nesta quarta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“Eu acho que o Brasil não pode se permitir a uma liberação, uma descriminalização sem uma discussão de política pública e científica pelo Congresso Nacional, que são representantes do povo. A gente defende isso. A manutenção da lei e a constitucionalidade da lei que foi votada. Lembrando que o porte para uso não leva ninguém à prisão, e nós seriamos contra isso”, disse.
Nesta terça (5), parlamentares evangélicos e católicos se reuniram com Barroso para pedir o adiamento do julgamento. Ele recusou e ressaltou que era preciso fixar um regra única para distinguir usuários de traficantes.
“Não vamos liberar a maconha. Eu sou contra as drogas e sei que é uma coisa ruim e é papel do Estado combater o uso de drogas ilegais e tratar o usuário”, disse o ministro durante a reunião. “Se um garoto branco, rico e da Zona Sul do Rio é pego com 25 gramas de maconha, ele é classificado como usuário e é liberado. No entanto, se a mesma quantidade é encontrada com um garoto preto, pobre e da periferia, ele é classificado como traficante e é preso. Isso que temos que combater. E é isso que será julgado no Supremo esta semana”, afirmou.
No Congresso, porém, tramitam outras propostas para permitir o regulamentar o cultivo de maconha para uso medicinal e industrial. Parlamentares favoráveis dizem que a produção de medicamentos com substâncias da planta (usados para aliviar alguns quadros de crises convulsivas, principalmente) é muito caro, uma vez que os insumos são importados de fora, por causa da proibição da maconha no Brasil. A produção interna, por empresas autorizadas, baratearia a compra. Mas a proposta vai além e prevê também a produção para uso em cosméticos, tecidos e papel. Há duas propostas semelhantes no Senado.
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