O ministro Dias Toffoli defendeu, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (4), a declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Trata-se da regra que isenta de responsabilidade, perante a Justiça, as redes sociais pelo conteúdo postado por seus usuários. O dispositivo diz que elas só respondem por esse conteúdo caso ele seja julgado ilícito pela Justiça e haja descumprimento, pela plataforma, de uma ordem judicial de remoção.
Participação das redes sociais na disseminação de conteúdo
Ao longo de seu voto, Toffoli considerou que essa norma desconsidera o grau de participação das redes sociais na promoção desses conteúdos – por meio de recomendações algorítmicas, impulsionamentos pagos ou monetizações aos autores –, bem como os danos causados a pessoas lesadas por essas postagens até a obtenção de uma decisão judicial que as retire do ar.
Para ele, não é razoável impor às vítimas de publicações ofensivas o ônus de buscar o Judiciário para interromper os danos ocasionados por outros usuários, sobretudo quando as plataformas se beneficiam e favorecem a disseminação desses conteúdos. Ele citou leis recentes, principalmente na Europa, que preveem maior responsabilização das redes sociais de acordo com seu conhecimento e grau de vigilância sobre conteúdos ilícitos postados por seus usuários.
Neutralidade e responsabilidade das redes
“A isenção de responsabilidade só estaria presente caso atuassem de forma neutra, no sentido de que sua conduta fosse meramente técnica, automática e passiva em relação ao conteúdo de seus usuários. Portanto, uma suposta neutralidade dos provedores de aplicações não pode funcionar impreterivelmente como escudo contra sua responsabilização, mormente quando a experiência do direito comparado indica haver, no momento, um esforço para chamar os provedores de aplicação à responsabilidade”, afirmou o ministro.
Proposta de ampliação do alcance do marco civil
Toffoli ainda não concluiu a leitura do seu voto, o que deve ocorrer somente na sessão desta quinta-feira (5). Até agora, ele propôs a derrubada de todo o artigo 19 e seus parágrafos, que disciplinam regras processuais para o ajuizamento dessas ações de remoção de conteúdo na Justiça.
Por outro lado, ele sugeriu a manutenção do artigo 21 do Marco Civil da Internet, que responsabiliza as plataformas por postagens ou materiais publicados que contenham cenas de nudez ou sexo não autorizadas ou violação de direitos autorais, independentemente de decisão judicial.
Proteção a direitos fundamentais no ambiente digital
Toffoli defendeu que essas hipóteses sejam ampliadas para incluir a proteção de “todos os direitos fundamentais”. A expectativa é que ele detalhe, na continuação do voto, situações específicas em que postagens devem ser removidas após notificação extrajudicial, como já ocorre em casos de violação de intimidade.
“A proteção assegurada por essa norma não se restringe aos direitos à intimidade e à dignidade sexuais porventura ofendidos pela divulgação não consentida de imagens, vídeos ou outros materiais. Diz respeito à proteção de todos os direitos fundamentais no meio ambiente digital, como os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, porquanto, ao fim e ao cabo, todos esses direitos emanam da dignidade da pessoa humana como valor fundante do Estado Brasileiro”, afirmou.
Impactos para as Redes Sociais e Liberdade de Expressão
O julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, iniciado na semana passada, é considerado um dos casos mais importantes deste ano no STF. Ele afeta diretamente a liberdade de expressão, já que a regra em vigor desde 2014 tem o objetivo de impedir censura na internet.
Pela regra atual, a responsabilidade por postagens, textos e vídeos recai, a princípio, sobre o autor, e não sobre as plataformas. No entanto, redes sociais defendem a manutenção da norma, argumentando que mudanças podem levar à censura generalizada, com remoção de conteúdos por medo de penalizações.
Argumentos a favor de maior responsabilização
ONGs e entidades de defesa de minorias defendem maior responsabilização das redes, apontando a omissão das empresas na remoção de conteúdos nocivos, como racismo, terrorismo, violência e abuso infantil.
Entre os ministros, o interesse principal é conter “discursos de ódio” e “ataques às instituições”, especialmente contra o STF, que tem sido alvo de críticas avassaladoras. A preocupação ganhou força após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestações contrárias ao tribunal culminaram em invasão e depredação de sua sede.
O julgamento será retomado nesta quinta-feira (5), com a continuidade do voto de Toffoli e, em seguida, o posicionamento de Luiz Fux, relator de uma ação semelhante. A decisão final, resultante dos votos dos 11 ministros, terá repercussão geral e estabelecerá uma tese vinculante para casos futuros.
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