Tratamento
Poder Judiciário também determina internação compulsória no Paraná
Carregada de polêmica, a internação compulsória para tratar dependentes químicos também faz parte da realidade do Paraná. De acordo com a coordenadora de Saúde Mental do estado, Larissa Yamaguchi, a prática, que consiste em internar um dependente mesmo contra a sua vontade, acontece no estado quando o Poder Judiciário determina. "Antes um médico especialista avalia para ver se o pedido procede. Não temos um índice de quantos internamentos desse jeito existem no estado", afirma.
A internação voluntária ocorre quando o paciente aceita e a internação involuntária é quando a família solicita. São Paulo e Rio de Janeiro adotaram neste ano uma política de internação compulsória com plantões de juízes e promotores para agilizar o processo.
O coordenador de saúde mental da Secretaria de Saúde de Curitiba, Gustavo Adam, explica que a porta de entrada para o tratamento pode ser o próprio posto de saúde. "Depois de avaliado, o médico encaminha o paciente ou para um hospital primeiramente ou para um Centro de Atenção Psicossocial (Caps)." Curitiba possui um Caps-AD III, que atende crianças e adolescentes dependentes químicos e funciona 24 horas, e outros cinco centros destinados ao tratamento de usuários de álcool e drogas. Em casos de dependência extrema, encaminha-se ao hospital para desintoxicação química. O tempo de internação varia e pode chegar a um mês.
"Câncer social"
O presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, André Rotta, afirma que, apesar de as estatísticas apontarem para uma redução no índice de internações por álcool, ainda existem muitos usuários que não procuram ajuda. "Há uma aceitação maior pelo consumo de álcool e os usuários acham que não são dependentes, por isso esses casos nem são notificados", diz. De acordo com o psicólogo Celso Maçaneiro, o álcool ainda é o principal agente causador de outros vícios. "O álcool é um câncer social que destrói famílias inteiras", diz.
As internações hospitalares decorrentes do uso de drogas e outras substâncias químicas ultrapassaram pela primeira vez o índice de ocorrências provocadas pelo consumo de álcool no Brasil. Segundo levantamento realizado no banco de dados mantido pelo Ministério da Saúde (DataSus), até novembro de 2012 (último dado disponível) foram registrados 48.722 internamentos causados por drogas, contra 48.506 de alcoolistas.
Historicamente, o índice de tratamentos de dependentes de álcool sempre superou o de qualquer outra droga em todo o Brasil (veja infográfico). No Paraná, os registros relacionados ao uso de álcool ainda superam o número de internamentos por drogas e outras substâncias psicoativas, porém essa distância vem diminuindo. Enquanto em 2008 a diferença era de quase 3 mil internações, no ano passado caiu para 791.
O crescimento do consumo de crack é um dos fatores que mais preocupam o poder público e pode ter acarretado o aumento de tratamento em todo o cenário nacional.
"A principal droga responsável por este tipo de tratamento tende a ser o crack", afirma o coordenador de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Curitiba, Gustavo Adam.
Contudo, a Secretaria Estadual de Saúde considera que há subnotificação de casos envolvendo alcoolistas. Ou seja, eles foram internados, mas na ficha oficial de atendimento pode constar somente "transtorno mental". "Também pode ter sido internado por algum problema orgânico, como doença no fígado. Geralmente, os usuários de álcool são internados para tratar as consequências físicas causadas pela bebida", salienta a coordenadora estadual de Saúde Mental, Larissa Yamaguchi. O Paraná possui cerca de 2,4 mil leitos psiquiátricos.
Polidependência
Outro fator apontado por especialistas que ajuda a explicar o aumento de internações registrado pelo consumo de outras drogas é a polidependência. Isso é, os usuários não ficam restritos ao vício em apenas uma substância. O presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, André Rotta, salienta que o álcool e o cigarro são as principais portas de entrada para o vício em outras substâncias psicoativas como maconha, cocaína, crack e até medicamentos.
"O paciente que usava álcool tende a passar a consumir outras substâncias e se tornar um polidependente. O acesso facilitado às drogas lícitas contribui para essa situação", salienta. Posição semelhante possui o psicólogo Celso Maçaneiro. "Hoje não existe pessoa monodependente. O álcool faz parte do uso de outros entorpecentes", ressalta.
Se livrar do vício é uma luta eterna
O olhar vago parece afastar Roberto* de um passado que teima em assombrá-lo. Aos 15 anos, ele começou a beber. Em pouco tempo já misturava cachaça e cerveja à maconha, droga que fez Roberto ser internado em um hospital pela primeira vez, aos 26. Fumou a erva por pelo menos 25 anos. Aí partiu para o crack. Foram quase duas décadas de um consumo abusivo da pedra, misturado ao álcool. Então foram mais três internações. E nenhuma conseguiu tirar Roberto do vício. Hoje aos 57 anos, ele conta que, na última internação, há cerca de cinco anos, o resultado chegou a ser o contrário. "Saí de lá [hospital] com o cachimbo na mão. Estava louco para fumar crack". Atualmente ele frequenta o Caps Álcool e Drogas do Juvevê, em Curitiba. Há três meses participa dos encontros e das atividades do espaço. Mesmo tempo em que procura passar longe de qualquer gota de álcool e da fumaça do crack.
"Esses dias um conhecido me chamou para tomar uma dose. Disse não. Afinal, uma dose para mim não faz efeito. Teria que tomar uma garrafa pelo menos, então não adianta", explica.
Faixa verde em caratê, Roberto não teve forças para sustentar seus quatro casamentos, que desmoronaram por causa do vício. O fruto das relações foram duas filhas. Da idade delas, ele não tem certeza. "Uma tem perto de 24, faz mais de 10 anos que não as vejo. Elas foram embora. [pausa]. Sei que era difícil para elas. O crack traz uma degradação moral."
Roberto ainda faz planos: frequenta aulas de informática, quer voltar a praticar atividades físicas e voltar ao mercado de trabalho após um ano desempregado. "Tenho que ajeitar minha vida e visitar minhas filhas". Hoje, ele mora de favor no fundo da casa de sua mãe, de 75 anos, na Vila São Pedro.
*Nome fictício para preservar identidade da fonte.
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