RIO DE JANEIRO O alerta foi dado por produtores de café do Espírito santo: com medo de perder o benefício do Bolsa-Família, trabalhadores estão recusando ofertas de emprego na agricultura. Em vários estados do Norte e do Nordeste, situações semelhantes estão acontecendo, geralmente com trabalhadores que deixam de procurar bicos ou de aceitar o subemprego e rejeitam até mesmo o trabalho formal, de carteira assinada.
Os cafeicultores se queixam de que passaram a ter dificuldade para encontrar mão-deobra, antes abundante. Segundo eles, os trabalhadores se recusam a entregar a carteira de trabalho para contratação porque, se o documento for assinado, isso poderia inviabilizar a continuidade do recebimento de dinheiro dos programas sociais. "Os operários não querem mais trabalhar com medo de perderem o Bolsa-Família. E, por causa desse programa social, a situação ficou complicada. Está cada dia mais difícil ter mão-deobra", disse o presidente da cooperativa de cafeicultores do Espírito Santo e representantes do conselho nacional de política do café, Antônio Joaquim.
No Ceará, setores como a construção civil também já começam a ser afetados. Há três anos, quando a mulher ainda não recebia o Bolsa-Família em nome de quatro de seus seis filhos, Francisco Célio Bruno de Oliveira, de 34 anos, vivia atento a ofertas de emprego como servente, ocupação que rende em média R$ 60 por semana, mas isso mudou. Francisco já dispensou trabalho confiando receber os R$ 95 do Bolsa- Família. Segundo ele, é um dinheiro certo, ao contrário das empreitadas como pedreiro. A justificativa para recusar trabalho é o medo de perder o benefício, concedido a famílias cuja renda per capita mensal é de no máximo R$ 100. A única ocupação dele, que exerce em dias alternados, é a de catador de lixo reciclável. Ganha no máximo R$ 10 por dia. Agora, abre mão de uma renda maior, por período incerto, para não trocar o certo pelo duvidoso: "Tenho medo de acabar perdendo um (o trabalho) e o outro ,(o benefício).
As reclamações contra beneficiários do Bolsa-Família vêm aumentando no Piauí porque muitos não aceitam mais fazer limpeza de roça, de chácaras e serviços como lavagem de roupa por estarem amparados pelos benefícios do programa." Deusa Maria de Oliveira, 37 anos, disse que deixou de trabalhar como empregada doméstica depois que começou a receber o Bolsa Escola quando seu filho Francisco Gilson de Oliveira, atualmente com 17 anos, tinha 12 anos, mas ainda fazia bicos para sustentar os dois. "Eu não trabalho mais em casa de brancos, onde se é humilhada. Eu trabalho na casa dos outros desde que tinha 7 anos, cuidando de crianças, lavando pratos, e, na medida que iam crescendo, aumentavam as tarefas e quase não ganhava nada. Com esse dinheiro que recebo do Bolsa- Família e agora do benefício da Previdência (que o filho recebe por ser deficiente mental), não preciso sair de casa. Moro numa vila violenta e não posso deixar meu filho sozinho porque os "malas" (marginais) invadem a residência", disse Deusa, que mora na Vila Araguaia, zona sudeste de Teresina.