O aumento populacional não deve significar apenas mais bocas para alimentar. A humanidade precisa pensar que há também muitos mais cérebros pensantes no mundo. Para o professor e sociólogo italiano Domenico De Masi, mais cabeças poderiam repensar a organização do trabalho e ajudar a multiplicar a criatividade. De passagem por Curitiba, onde participou de palestras no Instituto Ermíria SantAnna, PUCPR e Volvo, o escritor conversou com a Gazeta do Povo sobre o ócio criativo, novas tecnologias e a busca pela felicidade.
Quando o senhor escreveu sobre o ócio criativo, em 2000, a internet engatinhava. O que mudou na busca pelo ócio criativo?
Ainda existem três tipos de trabalho: o físico, como o do operário; o intelectual, como o do empregado de banco que sempre faz as mesmas operações; e o intelectual criativo. O ócio criativo é realizado por 30% da população em atividade. A tecnologia muda nossa vida porque deixa o trabalho estúpido para as máquinas e possibilita maior convívio, mesmo que virtual, entre as pessoas.
O conhecimento em rede, a formação de bancos de dados globais e as plataformas abertas podem acelerar o desenvolvimento de inovações e descobertas científicas?
A produção do conhecimento passa por três fases. Por muitos séculos, havia uma produção de poucos para poucos: Mozart compunha suas sinfonias e a execução se restringia à corte. A segunda etapa é a mídia de massa, de poucos para muitos, como um musicista que faz um concerto na tevê e ao qual todos assistem. A terceira fase, a atual, é onde muitos fazem e muitos usufruem. Temos sorte de viver nesta época.
Quais são as possibilidades abertas pelas novas tecnologias e redes sociais?
As novas tecnologias estão trazendo o ócio criativo de todos aqueles que fazem um trabalho intelectual criativo para o nível de massa. O problema é a lacuna cultural: nós organizamos o trabalho executivo e o operário durante dois séculos e agora que o trabalho tornou-se intelectual, não nos organizamos de forma nova. Utilizamos o sistema organizacional do operário e aplicamos ao intelectual. Isso naturalmente desmotiva.
Como é possível mudar essa realidade?
Seria necessário achar uma forma organizacional adequada ao trabalho intelectual. Você vai ao escritório todas as manhãs fazer o quê? Se você usa a internet ou o telefone, para que andar até lá, se pode fazer de casa? Você gasta dinheiro, perde tempo e gera poluição: tudo inútil. Trabalhar em casa faz parte da organização pós-industrial. As pessoas vão ao escritório não para trabalhar, mas para fazer companhia ao chefe. Os chefes necessitam de babás.
Hoje, nos países desenvolvidos, mais da metade da força de trabalho está de alguma forma associada à produção de informação. A criatividade começa a ser produzida em larga escala?
A criatividade cresce, primeiramente, porque há mais seres humanos. Até 2020 seremos 7 bilhões. Quando falamos em aumento populacional, pensamos sempre nas bocas para alimentar e não nos cérebros. O segundo motivo é que há mais pessoas com escolaridade e o terceiro motivo é que há hoje muito mais grupos de criativos. Galileu trabalhava sozinho, assim como Newton. Hoje grupos de pesquisas são de milhares de pessoas. O iPhone foi inventado por um grupo de 3 mil engenheiros.
As jornadas de trabalho precisam ser revistas?
Os países que estão economicamente melhores são aqueles onde as pessoas saem do trabalho em seus horários, como Suécia e Alemanha. Sobretudo nos países latinos e nos Estados Unidos existe essa loucura de trabalho fora de horário. Os países menos competitivos são aqueles onde se permanece o maior tempo no escritório.
É preciso formular um novo sistema político?
O socialismo e o comunismo perderam, mas o capitalismo não ganhou. O que o comunismo sabia era distribuir a riqueza, mas não sabia produzi-la. O capitalismo sabe produzir a riqueza, mas não sabe distribuí-la. Por muito tempo, o problema era destruir o comunismo, mas não nos preocupamos em construir um capitalismo melhor.
Seu novo livro, Felicidade (Editora Globo), além de explicar os conceitos da palavra durante os séculos, trata também da importância de almejá-la. Vale mais a busca do que a realização?
A busca já é a felicidade. E ela é um dever, não é algo opcional. Entretanto, nas empresas ela é um acessório. Primeiro vem a hierarquia, depois o trabalho, então as alianças para fazer uma carreira e no fim está a felicidade. As palavras mais pronunciadas nas empresas são competitividade e concorrência, mas a felicidade vem através da solidariedade, do convívio e do amor. A felicidade é um fato abstrato, que tem como amigos a estética e a generosidade e como inimigos a solidão e a falta de tempo.
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