Oito a cada dez adolescentes atendidos em abrigos de Foz do Iguaçu recebem ameaça de morte por parte de traficantes. São meninos e meninas que vivem em uma cidade onde os homicídios juvenis e a drogadição estão perto de se tornar uma epidemia. Eles abandonam a escola, a família e as brincadeiras para vender doces, salgados e CDs nas ruas ou transportar mercadorias do Paraguai, até caírem no crime organizado e encontrarem a morte.
Foi assim com Igor Joaquim de Matos, morto aos 12 anos. Aos 7 anos, começou recolhendo papelão na rua e acabou dependente de crack. No dia 29 de setembro, foi decapitado por traficantes.
A morte de Igor e de outros 504 jovens de 12 a 18 anos assassinados em Foz do Iguaçu entre 2001 até 2007 expõem a necessidade de maior envolvimento da sociedade e do poder público na questão da infância e adolescência. A cidade já foi apontada pela Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla) como campeã em homicídios juvenis no país, com média de 234 mortes a cada cem mil habitantes,
Segundo especialistas, a solução não depende apenas da repressão policial. As entidades tentam se fortalecer na luta contra o tráfico. Até mesmo um programa de proteção a testemunhas infanto-juvenis faz parte da lista. Atualmente, cerca de cem crianças e adolescentes vivem em abrigos de Foz do Iguaçu. É nesse universo que a cada dez crianças atendidas, oito relatam já terem sido ameaçadas de morte. "Como não há um programa adequado, nós recorremos à Justiça para ter um local para protegê-las", diz a diretora de projetos da Fundação Nosso Lar, Ivânia Ferronatto.
Por falta de estrutura e local apropriado para atendimento, algumas crianças são levadas para o Cense, centro socioeducativo para recuperação de adolescentes em conflito com a lei, enquanto outras são obrigadas a deixar a cidade, em caráter definitivo ou temporário, para não morrer.
A maior parte dos adolescentes abrigados tem família, mas procura as instituições para se proteger dos criminosos ou porque passa por crises dentro de casa. Em outros casos, os pais buscam os abrigos para garantir serviços sociais para os filhos porque só assim conseguem acesso a médicos, psiquiatras, vagas em creches ou escola.
Na avaliação de Ivânia, existe uma demanda grande por políticas públicas na área infanto-juvenil, mas o poder público sozinho não vai dar conta do trabalho. É preciso o envolvimento da sociedade. "De alguma forma, todo mundo contribuiu para a morte do Igor. Daquele que compra CD pirata na rua a quem não cede vagas em creches. A criança vai para a rua porque a rua a mantém, e quem mantém a rua é a sociedade", alerta.
Para a conselheira tutelar Luciane Farias de Jesus, é preciso capacitação de mão-de-obra, inserção escolar e atendimento psicossocial às famílias. Também é necessário o atendimento na área de saúde para dependentes químicos juvenis e o desenvolvimento de projetos em algumas regiões da cidade desprovidas de atividades sociais, principalmente nas áreas vulneráveis. "Certa vez atendemos uma mãe que vendia pano de louça no semáforo com os filhos. Um traficante já tinha oferecido R$ 200 para uma das crianças passar drogas no bairro onde morava. E o que nós tínhamos a oferecer? Naquele local não havia o contraturno escolar", exemplifica.
Entre as inúmeras atribuições do Conselho Tutelar, algumas passaram a ser comuns. Uma delas é socorrer pais em busca de filhos dependentes de drogas que saíram de casa. Alguns reaparecem vivos, outros não. O órgão também reivindica mais estrutura. Hoje, há apenas cinco conselheiros para atender 24 horas a demanda da cidade de fronteira que tem 360 mil habitantes. As ocorrências chegam à média de 30 ao dia.
Outras medidas apontadas como urgentes são o funcionamento de programas de controle de natalidade, disponibilidade de vagas em creches e maior oferta de turnos integrais nas escolas a fim de evitar que as crianças cruzem a Ponte da Amizade, na fronteira de Brasil e Paraguai, ou vendam objetos e doces nos semáforos.
Menino foi atendido por toda a rede
Inúmeras foram as tentativas de evitar que a vida do garoto Igor Joaquim de Matos, 12 anos, tivesse um fim tão trágico. Seu nome foi registrado pela primeira vez em um programa social aos 2 anos, após ele ter sido abandonado pela mãe.
Criado pela avó, Igor chegou a ser atendido pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), casas abrigos e SOS Criança. "Ele passou por vários programas da rede de atendimento", diz a conselheira tutelar Luciane Farias de Jesus. A rede é formada por mais de 20 instituições governamentais, não-governamentais e voluntários dedicados à causa da infância e adolescência.
A tia dele, Adriana Matos, conta que, apesar de ter casa e o carinho da avó, o garoto sempre preferia as ruas. " Ele falava que na rua era livre, tinha amigos e fazia o que queria."
Com diagnóstico de hiperatividade, Igor foi medicado com Ritalina para controlar os sintomas da doença, mas nem o tratamento conseguiu fixá-lo na escola. Ele estudou até a 1ª série. Uma semana antes de ser assassinado, fugiu de um abrigo 40 minutos depois de ter sido resgatado nas ruas pelo Conselho Tutelar.
A assistente social Keithy Del Moro, que atua na Associação de Proteção à Vida (Aprove), diz que há crianças que fazem da rua um espaço de socialização e voltam para casa porque há vínculo familiar. Em outros casos, os adolescentes adotam a rua como moradia. As instituições insistem para que a sociedade não dê esmola e dinheiro às crianças. Mas nem sempre isso acontece. Conforme levantamento do Conselho Tutelar, 80% das crianças que começam a circular pelas ruas com intuito de ajudar a família acabam tendo algum envolvimento mais tarde com a droga. A maioria delas inicia o périplo pelas avenidas entre 10 e 12 anos.
Drogadição cresce 40%
Estimativas do Conselho Municipal Antidrogas indicam que o índice de drogadição entre as crianças de Foz do Iguaçu aumentou 40% nos últimos anos. Como não existem estatísticas oficiais, o número está fundamentado na demanda de trabalho.
O médico pediatra Camilo Antônio de Lima, presidente do Antidrogas, diz que há casos de dependência química em crianças de 8 a 9 anos. Para o médico, o crescimento do número de casos e o envolvimento precoce de crianças com os entorpecentes em Foz passam pelo desemprego. "O tráfico alicia o pai de família desocupado, e isso envolve as crianças."
Para atender a crescente demanda infanto-juvenil, o Conselho Antidrogas pretende abrir uma casa de recuperação exclusiva para recuperação de crianças e adolescentes, com 20 a 30 vagas. Atualmente, duas casas de recuperação aceitam menores de 18 anos. No entanto, é preciso autorização da Vara da Infância para internamento. Também está sendo criado um Centro de Apoio Psicossocial à Adolescência (Caps) exclusivo para a faixa etária.
O Conselho Municipal Antidrogas ficou inoperante por oito meses. As atividades foram retomadas há 60 dias. Hoje, o órgão trabalha para captar mais verbas para as seis casas de recuperação em funcionamento na cidade, que oferecem 180 leitos. Os casos de overdose e psicose são atendidos no Hospital Vera Cruz, em Santa Terezinha de Itaipu e no Hospital Dia, porque na cidade não existem leitos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para a saúde mental. O Conselho reivindica 12 leitos.
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