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“Orgulho não sinto porque não consegui salvar o Paulinho. Mas acho que fiz algo de bom.”Juliano Baiher(de muletas), que ajudou a salvar dez pessoas, mas não conseguiu tirar dos destroços da casa um dos melhores amigos | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
“Orgulho não sinto porque não consegui salvar o Paulinho. Mas acho que fiz algo de bom.”Juliano Baiher(de muletas), que ajudou a salvar dez pessoas, mas não conseguiu tirar dos destroços da casa um dos melhores amigos| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
  • O Morro do Baú, que derreteu feito sorvete, foi palco de vários resgates

Tem quem diga que o número de mortes na tragédia provocada pela chuva no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, que está em 126, só não foi maior por causa dos heróis. Os heróis, neste caso, não têm poderes sobrenaturais, mas sabem de suas limitações e, mesmo assim, acabam colocando a vida em risco.

Só as equipes aéreas, que muitas vezes decolavam sem visibilidade e em condições climáticas inadequadas, resgataram 1.249 vítimas, desde o dia 24 de novembro. A chuva tinha provocado deslizamentos de terra um dia antes e moradores de áreas de risco tinham de ser retirados do local. Além do resgate, as equipes removeram 11 mortos.

As aeronaves, que passaram de 30, foram enviadas por diversos estados. É a equipe da Casa Militar do Paraná quem conta uma situação que enche qualquer um de orgulho. No dia 29 de novembro, resgates emergenciais começaram a ser feitos no Morro do Baú, na localidade rural de Ilhota, a região mais crítica do estado. Comandantes exemplificavam o que acontecia no Morro do Baú comparando a situação com um sorvete derretendo: morros estavam deslizando e tinham levado várias casas. As que ficaram de pé teriam de ser abandonadas.

Coube à equipe paranaense a missão de resgatar um dos moradores mais resistentes em ficar na residência. O comandante foi lá, conversou com o morador, que só aceitou sair de casa com uma exigência: levar seus cães. Ela foi aceita e a aeronave desembarcou num campo de futebol perto da prefeitura de Ilhota com cinco cachorros a bordo. Emocionado, o morador quis recompensar o comandante com dinheiro. Ele não aceitou. Insistente, o morador deixou o dinheiro na aeronave. A quantia foi devolvida. Coragem não tem preço.

Perigo no morro

Juliano Baiher tem 21 anos e morava no Morro do Baú, onde trabalhava no picador de madeira de um produtor rural. A vida era tranqüila, com festa de igreja, passeio de moto, visita à família. Não se preocupava com trânsito, fila, barulho. Até que um dia a força da natureza derrubou quase tudo que fazia parte da pacata vida de Baiher.

Era um domingo e a chuva não dava trégua. Pelo contrário, a cada hora os pingos ficavam mais fortes. Baiher ouviu um estrondo. Era a casa do patrão Daniel Manuel da Silva sendo demolida pelo barro, a 400 metros de onde o rapaz estava. Dezoito pessoas estavam na casa de dois andares, que, após meses de construção, estava sendo inaugurada naquela noite.

Baiher e o irmão correram para tirar as vítimas dos destroços. Eles e mais alguns amigos salvaram dez pessoas e as que iam se soltando iam ajudando. Um dos melhores amigos dele, o Paulinho, 17 anos, estava nos destroços. Baiher tentou e não conseguiu salvar o amigo. "Orgulho não sinto porque não consegui salvar o Paulinho. Mas acho que fiz algo de bom." Durante o resgate, o rapaz trincou o pé em dois lugares e ainda está com gesso na perna.

Já outros heróis surgem quando se menos espera. Jorn Spiller estudou por anos para ser médico. A profissão em si, de salvar vidas, já é um ato reconhecido como de amor ao próximo. Mas Spiller quis mais: saiu de Florianópolis e acabou indo para Ilhota para auxiliar no tratamento médico das vítimas. Quando menos se esperava, o médico estava embarcando num helicóptero para o perigoso Morro do Baú.

A missão dele era avaliar o estado de saúde de um casal de idosos. Várias equipes tinham ido até a casa dos dois para resgatá-los. Eles não arredavam pé. Como tinham problema no coração, o médico foi até lá para diagnosticar o casal. Ao chegar, começou a falar alemão com eles e ganhou confiança. Mas o tempo passava e Spiller ainda não tinha conseguido convencê-los. Quem estava em terra se apavorava: o tempo fechava e o helicóptero não poderia voltar do Morro do Baú.

Enquanto isso, o médico conversava com os idosos, passeava na cancha de bocha, via a plantação, até que o casal de idosos decide sair do local. Eles entram no helicóptero – o tempo deu uma ligeira melhorada – e eles partiram para um local seguro. Quando chegou em terra, o médico estava que era só sorriso. Quem conta as histórias hoje entoa a voz, fala com orgulho, se emociona. Mas só quem estava lá sabe a linha tênue que os separava da vida e da morte.

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