No mês passado, o Judiciário paranaense tomou uma decisão inédita no estado. C.A. (que prefere ter o nome reservado) foi autorizada pelo juiz Fernando Swain Ganem, da 1ª Vara de Registros Públicos de Cartas Precatórias da Comarca de Curitiba, a deixar o nome masculino M.R.D.A. sem ter realizado intervenção médica para troca de sexo.
Conquistas desse tipo ainda são raras no Brasil. Em São Paulo, existem alguns casos em que a alteração do nome foi liberada sem procedimento cirúrgico. Já no Rio Grande do Sul, esse tipo de concessão foi autorizada com restrição: o requerente deveria obrigatoriamente se submeter à cirurgia.
A advogada de C.A., Silene Hirata, explica que não é simples obter autorização do Judiciário. É necessário comprovar a transexualidade perante uma banca multiprofissional que avalia a pessoa por cerca de dois anos. "O juiz tem contato com a pessoa e pode verificar a situação, observar se existe um descompasso biológico que será ajustado pela decisão judicial", diz. "Tem gente que fala que as pessoas vão usar desse recurso quando estiverem com o nome sujo. Mas não é assim", completa.
De acordo com Silene, a adequação do nome à sexualidade da pessoa devolve o seu direito à cidadania. "Eu convivi com ela e presenciei situações constrangedoras. Teve de abandonar os estudos pelo preconceito que sofria e, em hospitais, chegou a ser motivo de chacota", afirma. Uma pesquisa realizada pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam), em 2004 e 2005, mostra que os travestis e transexuais sofrem 72% mais violência física do que gays e lésbicas.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, a decisão é acertada. "Eles são cidadãos, que merecem o respeito da mesma forma que outras pessoas. Espero que o exemplo comece a ser seguido em todo o país", diz. Para Reis, travestis e transexuais devem ser tratados por seu nome social para não sofrerem preconceito.
A intenção do movimento LGBT é que os transexuais de todo o Brasil que tenham interesse em trocar de nome sem se submeter a um procedimento cirúrgico ingressem com ações no Poder Judiciário. Conforme Reis, a estratégia pode facilitar a criação de uma jurisprudência que culmine na criação de leis reguladoras. "O Legislativo será obrigado a criar lei específica caso a Justiça acate casos espalhados por todo o país", defende.
Recomeço
Com a sentença em mãos, C.A. seguirá ao cartório onde foi registrada para fazer o averbamento do documento. Com as retificações, ela poderá retirar nova carteira de identidade, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e outros registros necessários. Trata-se de uma espécie de recomeço. "Nenhum documento terá qualquer menção à mudança", explica Silene Hirata.
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