Morador há 37 anos do bairro Cajuru, em Curitiba, o psicólogo Roger Tonon cresceu ouvindo o barulho dos vagões passando pelos trilhos a poucos metros de casa, no trecho da ferrovia entre as avenidas Maurício Fruet e Affonso Camargo. A passagem do trem de cargas, no entanto, logo deixou de suscitar boas lembranças da infância para trazer à tona apenas episódios de risco e acidentes envolvendo pedestres, que cruzam os trilhos por uma passagem improvisada com pedaços de concreto e degraus de madeira apenas uma entre as inúmeras travessias informais que se multiplicam pela capital, ignoradas pelo poder público mas adotadas pelos moradores vizinhos à ferrovia.
Conforme a América Latina Logística (ALL), empresa que administra os serviços ferroviários no Paraná, há 48 passagens em nível "oficial" no perímetro urbano de Curitiba, construídas para proporcionar a segurança necessária para a travessia dos pedestres sobre os trilhos. Por outro lado, não há estatísticas sobre o número de caminhos "não oficiais", implantados ao longo do tempo pelos próprios curitibanos.
Apesar de amplamente utilizadas e visíveis à beira da ferrovia, as passagens improvisadas permanecem em uma espécie de limbo urbanístico: como não são reconhecidas pela ALL e prefeitura, as travessias não recebem melhorias e tampouco são desativadas. "Quem faz a manutenção [da travessia] são os próprios moradores. Mas é um simples carreiro, não tem iluminação ou um cuidado constante. É um lugar perigoso, todo dia passam idosos e crianças por ali", relata Tonon a respeito da passagem sobre o trilho que divide os bairros Cajuru e Capão da Imbuia.
Foi nesta travessia, inclusive, que uma adolescente foi atropelada por um trem há uma semana. Ela sobreviveu, mas teve fraturas no pé e na perna.
De acordo com a ALL, a responsabilidade pela manutenção dos cruzamentos já existentes é da prefeitura, que também teria a obrigação de implantar outros equipamentos urbanos que possibilitem a travessia em desnível da ferrovia, como passarelas neste caso, os projetos das novas passagens precisam ser protocolados na empresa para serem analisados e posteriormente aprovados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A prefeitura afirma que o último convênio assinado com a ALL para a manutenção das travessias terminou em 2009 e, desde então, não foi renovado o município não esclareceu se o serviço deixou de ser feito nos últimos quatro anos. Segundo a administração municipal, a concessionária entrou em abril deste ano com um pedido de renovação do convênio, que está sendo analisado pela Secretaria Municipal de Trânsito (Setran).
Moradores se unem para pedir melhorias
A construção de uma passagem em nível sobre o trilho do trem também é uma reivindicação antiga da Associação de Moradores Novo Horizonte, que integra 11 mil pessoas no bairro Ganchinho, em Curitiba. A região possui dois grandes loteamentos, separados por uma passagem da linha férrea. No local, há uma situação compartilhada por tantas outras comunidades na capital: o trilho isola parte dos moradores, dificultando o acesso ao comércio e aos serviços públicos que atendem famílias de ambos os lados.
Como em vários pontos de Curitiba, um "carreiro" foi feito sobre o trilho pelos próprios moradores apesar de prática, a iniciativa está longe de oferecer segurança. Para pensar em uma alternativa, representantes da associação de moradores se reuniram há duas semanas com técnicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e funcionários da América latina Logística (ALL), que concordaram em repensar a travessia no trecho.
O Ippuc apresentou um projeto geométrico para a transposição da linha pelos moradores, com passagem em nível e passeios nos dois lados. A ALL autorizou a intervenção, mas ainda não há prazo para que ocorram obras no local.