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Cotas raciais

Falhas de “tribunais raciais” de universidades geram insegurança jurídica

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Estudantes e universidades têm enfrentado processos na Justiça após denúncias de falhas em processos de heteroidentificação para preenchimento de cotas raciais. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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As falhas em processos de verificação racial para a entrada em universidades por cotas têm intensificado a insegurança jurídica para estudantes e instituições de ensino superior. No início de dezembro, a Justiça determinou que um médico recém-formado na Universidade Federal do Alagoas (Ufal) pagasse uma indenização de cerca de 500 mil reais por suposta fraude ao sistema de cotas raciais. Casos como esse não apenas geram incertezas, mas colocam em dúvida a eficácia e transparência desses processos.

A polêmica sobre a entrada de alunos por cotas raciais também repercute em universidades de destaque, como a Universidade de São Paulo (USP), considerada a melhor da América Latina. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) ingressou com uma ação pública, no final de novembro, para obrigar a USP a realizar uma das etapas do processo de heteroidentificação, que acontece via virtual, presencialmente.

A troca da autodeclaração pelo processo de avaliação do fenótipo não resolveu os problemas 

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o sistema de avaliação para cotas raciais feito pela Universidade de Brasília (UnB). Na época, a instituição relativizou o método da autodeclaração, quando o candidato informa a cor com a qual se identifica, e introduziu a análise obrigatório do fenótipo através da comissão de heteroidentificação. A decisão do STF serviu de jurisprudência para outras universidades, mas não resolveu a insegurança jurídica. 

Ao longo desses anos, inúmeros processos foram movidos na Justiça por pessoas que se sentiram lesadas por esse sistema. Em março deste ano, por exemplo, um estudante que se declarou pardo foi recusado pela comissão da USP. Posteriormente, o jovem conseguiu a vaga por decisão judicial, depois de abrir uma ação contra a universidade. 

Para Rodorval Ramalho, professor da Universidade de Sergipe, “a injustiça ainda aumenta quando a Justiça tenta resolver, pois nesses casos as sentenças não são uniformes e ampliam a insegurança jurídica, o que virou moda no Brasil”.

“Toda a controvérsia gerada pelas decisões dessas comissões tem levantado discussões acerca da ameaça à segurança jurídica e à isonomia no processo seletivo. As incertezas jurídicas podem levar a uma judicialização excessiva dos casos sobrecarregando o sistema judicial, gerando insegurança tanto para os estudantes cotistas quanto para as instituições, que ficam expostos a processos longos, envoltos em dúvidas relativas à boa-fé e a todo um desgaste público diante de decisões que tendem a ser controversas”, destaca Denise Albano, professora da Universidade Federal de Sergipe.

“O grau de rejeição às cotas raciais é elevado porque não há como viabilizá-la em se tratando de Brasil. Talvez para pequenas comunidades étnicas (indígenas, ciganas, entre outras) possam auxiliar na inclusão desses segmentos à universidade”, avalia Ramalho. O professor acredita que essas comunidades étnicas possuem um estilo de vida mais específico que poderia facilitar a identificação, como vestuários e idiomas próprios.

Banca de heteroidentificação analisa cor da pele, traços faciais e a textura do cabelo 

Na USP, o processo de heteroidentificação acontece através de uma análise de fotos dos candidatos, avaliadas por membros da comissão. O grupo é formado por professores, estudantes, servidores e representantes da sociedade civil que atuam em ações afirmativas e cada um dos membros vota de forma individual e secreta.

O critério utilizado, de acordo com o site da universidade, para confirmar a veracidade da autodeclaração do candidato, é apenas o fenótipo. “Por fenótipo, compreende-se o conjunto de características externas e observáveis em um ser humano (em especial, a cor da pele, os traços faciais e a textura do cabelo)”, diz o texto.

Quando o resultado é inconclusivo, as fotos são submetidas a uma nova avaliação feita por outros membros. Se a segunda etapa também for insuficiente, os alunos são convocados para uma oitiva virtual. Nessa fase, os estudantes devem ler a sua autodeclaração. É essa fase que a ação pública da Defensoria Pública de São Paulo quer que a USP seja obrigada a realizar presencialmente. Isso porque, de acordo com o órgão, as “experiências relatadas revelam um processo suscetível a imprecisão e injustiças”.

Para o professor Ramalho, o problema é mais amplo e não será a realização de uma etapa presencialmente que irá saná-lo. “Esse sistema de heteroidentificação é irracional, não é possível ser aplicado de forma objetiva e honesta. Não há como ser justo, pois o grau de subjetividade, provocado pela ideologização identitária, é enorme. As cotas mais realistas são aquelas que priorizam o viés socioeconômico, baseadas no vínculo do estudante ao Ensino Médio em escola pública”, afirma Ramalho.

“Quanto à avaliação do perfil fenotípico, entendo que qualquer processo desse tipo sempre irá carecer de padrões de clareza, objetividade e racionalidade que o paute. Alegar que seria possível a adoção de critérios mais claros e verificáveis, acompanhados de um rigoroso controle das decisões tomadas por meio de registro e publicização de dados sobre os casos avaliados, soa como medida meramente paliativa”, conclui Albano.

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