No último dia 30, durante o encontro Democracia e Consciência Antirracista na Justiça Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou a cartilha "Expressões racistas: por que evitá-las". Segundo o órgão, o objetivo do manual é listar palavras e expressões a serem banidas do vocabulário brasileiro sob a justificativa de que os termos seriam ofensivos a pessoas negras.
Palavras como “esclarecer”, “escravo”, “meia-tigela” e “nega maluca”, além de expressões como “feito nas coxas”, foram apontadas como passíveis de exclusão. Em vários casos, a cartilha sugere diferentes hipóteses que poderiam embasar o suposto racismo presente nas palavras e expressões e, mesmo sem uma conclusão fiel sobre o contexto histórico e cultural dos termos, aponta para seu banimento.
Ao apontar motivos para se deixar de usar a palavra “meia-tigela”, por exemplo, o TSE cita três possíveis explicações para a origem da palavra, que se contradizem entre si, e ao fim, crava: “embora não haja consenso acerca das origens, a possibilidade de serem compreendidas como memória da escravidão é justificativa suficiente para que as expressões sejam substituídas”.
Já ao defender a exclusão da palavra “mulata” – que significa mulher mestiça das raças negra e branca –, o TSE menciona que “ainda que a expressão não possua uma origem notadamente racista como defendem alguns, os usos e sentidos que lhe foram empregados acabam por impregná-la deste sentido. Desse modo, merece ser abandonada”.
A produção do material foi encabeçada pela Comissão de Igualdade Racial, criada pelo TSE em abril deste ano com o objetivo de ampliar a participação de pessoas negras nas eleições. A cartilha lançada pela Justiça Eleitoral, no entanto, não tem conexão com o tema eleitoral.
Imprecisão histórica e chavões embasam justificativas de parte dos termos listados como preconceituosos
São, ao todo, 40 palavras e expressões rotuladas como racistas, mas o material permanece aberto para atualização com novos termos. Apesar de a cartilha mencionar termos que trazem conotações racistas, a exemplo do uso pejorativo de “serviço de preto”, ou de “negro de alma branca”, há uma série de termos que o próprio TSE reconhece não haver garantia do emprego de preconceito racial.
Ao justificar a inclusão da palavra “nega maluca” – nome popularmente conferido a bolo de chocolate – à lista de “termos proibidos”, o TSE diz que o vocábulo “deprecia a mulher negra, pois a associa a uma sobremesa”. “Esse mecanismo esconde o hábito de sexualização indevida da mulher negra”, afirma.
Quanto à palavra “boçal”, o manual cita que, durante o período escravocrata, o termo era empregado para designar pessoas escravizadas que não sabiam falar português. Na prática, não há teor racista na palavra, mas segundo o TSE, “seu uso rememora uma origem preconceituosa que deve ser superada”.
Já para justificar a exclusão da expressão “chuta que é macumba”, a cartilha diz que seu uso dissemina a ideia de “perseguição e destruição de qualquer coisa que possa ser associada às religiões de matriz africana”.
A palavra “esclarecer” traz em si o sentido de oposição à ausência de luz, que gera dificuldade de enxergar. Mas, segundo o TSE, a palavra também não deve mais ser usada, pois “embute-se nela o racismo a partir do instante em que transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras”.
Por fim, ao explicar o porquê de a expressão “feito nas coxas” deixar de ser usada, a cartilha cita três diferentes narrativas hipotéticas para a origem do termo. Apenas uma delas aponta suposta conotação preconceituosa, que é a de que o termo teria relação com o hábito colonial de produção de telhas moldadas nas coxas de pessoas escravizadas.
No entanto, como mostrado pela Gazeta do Povo, em 2006 o arquiteto José La Pastina Filho, que inicialmente acreditava nessa hipótese, desmontou tal mito recorrendo à matemática após passar quatro meses percorrendo o estado de Santa Catarina em busca de telhas tradicionais de galpões antigos.
“[…]Tomamos as medidas das coxas de um homem de 1,80 m de altura e verificamos que, usando-a como molde, só seria possível a fabricação de uma minúscula telha de 36 cm de comprimento. Sem maiores preocupações com aspectos de anatomia humana, se estabelecermos uma simples regra de três poderemos verificar que, para fabricar uma telha de 77 cm [como medem as tradicionais], precisaríamos contar com um escravo de 3,85 m de altura”, escreveu no artigo que ficou famoso, publicado originalmente na revista de Arqueologia da UFPR em 2006.
Mesmo assim, a cartilha do TSE preferiu entender que “o linguajar cotidiano costuma associá-lo ao trabalho da pessoa negra, algo de baixa qualidade, malfeito. Assim, a expressão acaba reproduzindo uma ideia racista e merece ser abandonada”.
Palavras a serem banidas, segundo a Justiça Eleitoral
Veja a relação de todas as palavras e expressões que entraram na mira do TSE:
- A coisa tá preta
- Barriga suja
- Boçal
- Cabelo ruim
- Chuta que é macumba!
- Cor de pele
- Criado-mudo
- Crioulo
- Da cor do pecado
- Denegrir
- Dia de branco
- Disputar a negra
- Esclarecer
- Escravo
- Estampa étnica
- Feito nas coxas
- Galinha de macumba
- Humor negro
- Inhaca
- Inveja branca
- Lista negra
- Macumbeiro
- Magia negra
- Meia-tigela / de meia-tigela
- Mercado negro
- Mulata
- Mulata tipo exportação
- Não sou tuas negas!
- Nasceu com um pé na cozinha
- Nega maluca
- Negra com traços finos
- Negra de beleza exótica
- Negro de alma branca
- Ovelha negra
- Preto de alma branca
- Quando não está preso está armado
- Samba do crioulo doido
- Serviço de preto
- Teta de nega
- Volta pro mar, oferenda!
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