Todos os moradores sabem com quem fica a chave da igrejinha: é só se dirigir à casa do habitante mais velho para conseguir a benção e entrar em uma das centenas de capelinhas que ficam nas colônias da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). É que o padre aparece ali uma vez ao mês e olha lá. Não há secretaria ou um funcionário da igreja, só o coveiro que fica responsável pelos cemitérios existentes ao lado ou aos fundos. As rezas ficam por conta da comunidade, que ora puxa o terço, ora a novena.
São também esses mesmos moradores os únicos que guardam na memória a história das capelas. Justamente porque foram eles mesmos que ergueram o imóvel santo no meio do nada. "Elas significam a união desse povo que foi viver em lugares tão isolados para a época, mas que trouxe do país de origem todo um simbolismo de fé", resume o arcebispo emérito da Arquidiocese de Curitiba, Dom Pedro Antônio Marchetti Fedalto.
Ainda não existe uma lista oficial de quantas são as capelinhas edificadas em morros de Campo Largo, Colombo, São José dos Pinhais, Piraquara e assim por diante. Há esforços da Cúria Metropolitana de Curitiba e da Diocese de São José dos Pinhais para isso. Já se falou, inclusive, em criar um caminho de turismo religioso nessas cidades.
Também pudera. Passar por ali é como voltar no tempo, lá no final do século 19 e início do 20, para entender que aquelas pequenas edificações foram responsáveis por organizar a vida de poloneses, ucranianos, italianos e alemães que ali se estabeleceram. "Elas são patrimônio não só pelo culto ou missa, mas pelo que elas congregam no seu entorno", diz o historiador Otavio Zucon, que trabalha com patrimônio histórico.
No pátio da igreja normalmente havia um galpãozinho de festas. Se o espaço não existisse, a festança ia parar até próximo do altar. "Os religiosos conseguiam uma ativa participação na vida política e administrativa local. Analisar cada uma das igrejinhas é observar como a vida se desenvolveu por ali", afirma a historiadora Maria Angélica Marochi, autora do livro De freguesia a diocese, a trajetória da igreja católica em São José dos Pinhais 1690-2007.
O valor arrecadado nas festas servia para ajudar a própria população em um momento de doença, na necessidade de um sepultamento, de um batismo ou casamento. Além da verba para garantir as repinturas e conservação da capelinha. "É um período em que a igreja intervinha em tudo, até na questão da educação dos filhos dos colonos. E os documentos de batizados, de casamento e de óbito valiam como registro civil, porque não tinha cartório ali perto", explica Maria Angélica.
Princípio
Uma das primeiras igrejinhas da RMC é centenária: a que existe na Colônia Rebouças, em Campo Largo, foi construída em 1878 depois que ali chegaram cerca de 150 imigrantes italianos. Poucos dias depois da chegada do grupo, uma epidemia matou 13 pessoas.
O médico de Curitiba Trajano Reis, que hoje é nome de rua na capital, foi deslocado para o local para ver no que podia ajudar. Não adiantou. Para os moradores, faltava mesmo construir a casa de Deus para salvá-los daquela maldição. Foi então que, em 25 de abril, dia de São Marcos, foi erigida a igrejinha no local, pelas próprias mãos dos imigrantes. Dias depois, todos os moradores estavam curados.
Repouso Final
Construções também serviam como cemitérios da colônia
É inacreditável que a apenas 30 quilômetros do Centro de Curitiba exista uma colônia como a Cachoeira, em São José dos Pinhais, onde mora o descendente de alemães Alfredo Muhlstedt Neto. A vida parece desacelerar com o canto dos pássaros e as estradas de chão. Ele nasceu ali e hoje vive em uma casa no terreno onde antes era a residência do pai. Logo à frente fica a Capela Nossa Senhora dos Milagres. "Fui ministro da igreja por muitos anos. Perdi as contas de quantas vezes abri aquela porta para os fiéis entrarem", conta Alfredo.
As missas já não são mais celebradas no ambiente. A construção restou para os mortos (velórios são feitos ali) e para aqueles que, vez ou outra, aparecem para conhecer a pequena igreja.
Aliás, muitas capelinhas das colônias têm uma íntima ligação com a morte, por receberem o cemitério da vila dentro, ao lado ou atrás da igreja. "É uma tradição portuguesa [dos anos 1700] de enterrar os mortos dentro da igreja ou bem ao lado dela porque, assim, seria mais fácil chegar aos céus", diz a historiadora Maria Angélica Marochi.