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Mangueirinha – Os bichos-de-pé não atrapalham mais o pisar firme de Luís Gabriel de Melo, o menino de Mangueirinha (Sul do Paraná) que no ano passado personificou a miséria, que mata diariamente 30 mil crianças como ele em todo mundo. À época, ele mal podia correr. Um ano depois de quase perder os pés por causa do problema simples, a criança tímida e risonha calça botinas dadas por alguém. Os sapatos estão velhos, o pé direito traz um buraco na ponta, mas o par protege Gabriel de novas infecções e permite ao menino ir aonde seus pés o levarem.

Em julho do ano passado, Adão Batista Rodrigues de Melo, Sandra Mara Alves, ambos de 29 anos; Franciele, de 12 anos; Graciele, de 11 anos; Fernando, 9 anos, Natalino, 7 anos, e Gabriel, 5 anos, foram encontrados pela reportagem da Gazeta do Povo vivendo na mais completa miséria em um casebre à beira da PR-459, que liga Mangueirinha a Palmas. Gabriel tinha os pés tomados por larvas de inseto, mal podia correr e brincar como qualquer outro menino de cinco anos, sua idade na época. A história da família foi contada pela Gazeta do Povo e comoveu os paranaenses, que doaram alimentos, roupas e dinheiro. A reportagem também rendeu à Gazeta do Povo o prêmio Esso, o mais importante do jornalismo brasileiro, na categoria Regional Sul.

Mudanças significativas ocorreram do tempo em que a família foi encontrada no Distrito de Covó até hoje. Os bichos-de-pé foram tratados, os cães e os gatos se foram, Gabriel começou a estudar, o pai desapareceu, os irmãos transferiram-se para outra escola e a irmã mais velha – de 13 anos – engravidou, casou e saiu de casa. Mas a principal transformação foi a perspectiva de um futuro melhor, simbolizada na moradia que está sendo construída e que em breve abrigará a família. No lote 13 de um conjunto habitacional no Covó, da prefeitura de Mangueirinha, está a casa 5, construída com tijolos, cimento e argamassa, telha e forro de madeira. Materiais que trarão mais segurança do que o atual barraco onde moram, com paredes improvisadas por pedaços velhos de madeira e cobertores, e teto de uma lona preta esburacada por onde a chuva e o vento entram. A família vive na casa de retalhos há 13 anos.

A nova casa é formada por dois quartos, uma sala, cozinha e banheiro, espaço suficiente para caber toda a mudança da família, que se resume a duas camas, um guarda-roupa, um armário, um banco e um fogão à lenha. Sobrará espaço para os novos sonhos. As crianças querem uma televisão. "Nem que seja pequenininha, mãe", dizem. Graciele dispensará a vela e passará a ler a Bíblia todas as noites sob a luz gerada por energia elétrica. Analfabeta, Sandra pretende iniciar os estudos e comprar uma geladeira para, além de conservar melhor os alimentos, colocar os ímãs trazidos da escola pelos filhos como lembrança do Dia dos Pais.

No entanto, se os bichos-dos-pés não incomodam mais, a ausência do pai atormenta a família. Adão desapareceu quatro meses depois que a reportagem o encontrou catando pinhão. "Sumiu", resume a mulher, que ainda conserva a aliança no dedo da mão esquerda e chora escondida dos meninos. Na semana passada, Gabriel pediu à mãe que lhe fizesse um carrinho de madeira. Sandra não conseguiu. Somente Adão sabia fazer isso. A última notícia do marido Sandra teve dois dias depois do desaparecimento. "Tinham visto ele caminhando nu, num pasto de uma fazenda", disse. A queixa do sumiço permanece na polícia de Mangueirinha, sem solução.

Além da perda social, há o impacto econômico. Com o marido em casa, a renda familiar era de R$ 500. Adão vivia de empreitada na roça e da venda de pinhão, que ele mesmo catava. Os trabalhos rendiam-lhe aproximadamente R$ 350,00 durante a época da semente. Sem a venda do pinhão, a renda dele caía para R$ 120. Somavam-se a isso os R$ 95 recebidos por Sandra através do Bolsa-Família e os R$ 48 que ela ganha mensalmente como diarista. Hoje, Sandra e os quatro filhos que vivem com ela sobrevivem com R$ 143, ainda assim incertos.

A família recebe mensalmente uma cesta básica da prefeitura da cidade. Mas a comida acaba antes do fim do mês e o café da manhã, quando existe, passa a ser somente chá. Carne só é consumida em datas especiais, como Natal. No dia a dia, o cardápio é arroz e feijão. O barraco que possui terra batida como chão não tem água encanada. A água para o consumo vem de um banhado a uns 20 metros da casa, mesmo lugar que serve para o banho, lavar louça e roupa.

Falta também energia elétrica. A hora de dormir é quando escurece. Às 19 horas, os cinco estão na cama de casal, deitados. Graciele lê um trecho da Bíblia para os irmãos, assopra a vela, e todos dormem. E assim, como na mesma cena retratada pela reportagem em julho de 2004, os carros continuam passando na rodovia, sem que os motoristas percebam a família no seu casebre.

Reveja a matéria "Devorados pela Miséria", a reportagem da Gazeta do Povo foi vencedora do Prêmio Esso Região Sul, em 2004

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